'Life is Strange' me fez finalmente entender o problema da 'friendzone'

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
4 min readMar 4, 2017

A insistência do melhor amigo irrita e frustra a protagonista — que é você

Print que eu tirei pra mostrar como a vida da Max é "fácil"

Jogos eletrônicos são ótimos para exercitar empatia porque eles te fazem viver na pele de alguém que muitas vezes é completamente diferente de você. Em "Life is Strange", que eu terminei na sexta-feira, 3, o exercício chega a níveis elevados, uma vez que você não só precisa controlar a protagonista, Maxine Caulfield, como ainda se vê forçado a arcar com as consequências das escolhas que ela (você) tomou.

Há uma série de boas questões levantadas pelo jogo, mas quero voltar minha atenção para uma não muito óbvia: a tal da friendzone, algo que o Urban Dictionary explica assim:

Um termo geralmente usado em amargura por homens quando as mulheres tomam a decisão de não transar com alguém. Muitas vezes usado por babacas e pessoas com a Síndrome do Cara Legal.

Eu já tinha lido algumas coisas que explicavam por que o termo é idiotice, mas continuei rindo dos memes e confesso que nunca compreendi totalmente o porquê do incômodo. Na minha cabeça, a questão da friendzone talvez não fosse tão séria para merecer problematização.

Até que joguei "Life is Strange" e, vivendo como Max, tive de lidar com Warren Graham.

Apresentado no primeiro episódio como um dos melhores amigos da Max, Warren é praticamente o único carinha legal da Blackwell Academy, escola de ensino médio onde se passa boa parte do jogo. Mas o personagem vai aos poucos deixando claro que não está necessariamente interessado na amizade, e em determinado ponto suas intenções ficam tão evidentes que outros personagens passam a falar sobre isso com você.

Há um debate na internet a respeito de Warren, porque, enquanto alguns o veem como estranho, outros entendem que ele se comporta como qualquer menino apaixonado se comportaria. Eu acho que essa discordância depende de como a história é conduzida. Quando você começa a jogar, recebe o seguinte aviso:

‘Life is Strange’ é um jogo cuja história é decidida pelo jogador. As consequências de todas as ações e decisões terão impacto no passado, presente e futuro. Escolha com cuidado…

Parte dessas decisões diz respeito a Warren. Se você dá bola para ele, a tendência é que receba bem as investidas, mas, do contrário, o menino rapidamente evoluirá para um sujeito chato e insistente que não consegue entender o conceito de amizade.

Eu estava no segundo grupo, não queria nada além da amizade, então fui ficando cada vez mais frustrado com o comportamento do garoto. Ele passa o tempo todo te cobrando por causa das coisas que fez para te ajudar e fica insistindo em te levar para o cinema. Deixa claro que está incomodado com seu relacionamento com outras pessoas e manda mensagens chorosas o tempo todo com indiretas do tipo "te salvei, você me deve".

Dependendo de como você lida com o Warren, o comportamento dele piora, mas desde o começo dá para perceber que o menino não é tão gente boa quanto parece. Por exemplo, se você aceitar o primeiro convite para sair, ele vai achar que foi fácil demais e ainda joga na sua cara que já tinha chamado outra pessoa; caso recuse, ouvirá ele te chamar de “humano sujo” — uma referência ao filme que eles veriam, "Planeta dos Macacos".

Lendo sobre o assunto na internet, descobri que ele até fica espiando a Max. Na imagem abaixo, dá para ver que o Warren está no pátio olhando para o quarto da garota às 7h. É tão sutil que eu nem percebi isso quando joguei.

Vi no Steam

A insistência dele é tão presente que, no fim das contas, acabei cedendo às investidas. Mas com um sentimento de "tá, vai" e pensando: "Que bosta, Warren, eu queria ser apenas amiga, por que você não entende isso?"

E foi só aí que eu finalmente compreendi quão chato é ter sua amizade confundida mesmo quando você fez o possível para deixar claro que não quer mudar o status daquele relacionamento. Max faz o tipo "legal com todo mundo" e trata todos os colegas bem, mas Warren foi o único que entendeu isso como um convite, e o único que se sentiu no direito de cobrá-la por tê-lo friendzoneado.

Warren Graham, no fim das contas, é uma representação fiel do homem que não sabe separar as coisas e exige privilégios em troca das suas boas atitudes. O sujeito mimado que não sabe ouvir não, mas que pelo menos serviu para que eu finalmente entendesse por que o termo friendzone é uma babaquice.

--

--