‘Meia Noite em Paris’ poderia ser feito em São Paulo
“A fotografia desse filme é linda!”, exclama minha mãe sempre que “Meia Noite em Paris” surge em uma conversa. Eu já pensei muito no porquê disso e acabei prestando atenção a um padrão que ajuda a fazer das obras filmadas na Europa coisinhas tão interessantes; no caso do "Meia Noite", por exemplo, não é a fotografia que é perfeita, é o cenário.
A forma como os protagonistas costumam ignorar solenemente lugares como a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo ou a torre do Big Ben enquanto tomam um café ou almoçam ou jantam é algo que revolta e, ao mesmo tempo, dá charme às cenas. “Mas por que, afinal, não param de falar sobre o assassinato para dar pelo menos um minuto de atenção àquilo?!”, costumo pensar, ou: “Ei, amigo, essa é a Fontana di Trevi, por favor, olhe para ela!”
Por quê? Por que não reconhecem que estão próximos a pedaços históricos da humanidade? Por que não se dão conta de que aquela parte da cidade é mais importante do que toda a trama em questão? Isso me soa ridiculamente artificial nos filmes, pois eu não conseguiria passar em frente ao Muro de Berlim como se ele fosse um pedaço de concreto qualquer.
Será que não? O “pedaço”, seja lá qual for, é lindo, é majestoso e é comum.
No último sábado, 5, enquanto a Virada Cultural comia solta no centro de São Paulo, sentei-me em uma das cadeiras de madeira do Charme da Paulista, onde tive de arrumar a mesa bamba colocando três saquinhos de adoçante sob uma de suas pernas. Conversava com dois amigos quando me dei conta de que estava de frente para um dos mais importantes museus do Brasil (minha vista, amigos, era perfeita).
Morador de um encontro da Avenida Paulista com as ruas Plínio Figueiredo e Professor Otávio Mendes, o Masp conta histórias da cidade, do país, da política, do jornalismo, da arquitetura… e eu nunca entrei nele*. Sério. Além disso, eu o ignorei durante horas, enquanto batia papo alegre e tranquilamente em um estabelecimento que mora praticamente na mesma localização.
E foi então que percebi: os cenários de filmes europeus são o que são por estarem ali como planos de fundo naturais. Isso acontece no alemão “Fitzcarraldo”, gravado na Amazônia, e no recente “Xingu”. Também é visto em “Tropa de Elite”, em “O Homem que Virou Suco” (eu sempre insisto neste) e em tantos outros, no Brasil, na Argentina, na Somália (oi, “Flor do Deserto”), no Japão ou em qualquer lugar.
Na obra de Woody Allen que norteia este texto, Gil (Owen Wilson) tenta o tempo todo mostrar ao espectador o quanto Paris é foda, e talvez por isso a cidade tenha entrado tanto na mente da minha mãe. Já Inez (Rachel McAdams) segue o caminho inverso, mantendo a tradicional indiferença pela paisagem. Ele faz o que gosto e defendo, ela faz o que eu pratico sem perceber.
Por vezes me pego admirando os caminhos, imaginando o que veria se fosse um estrangeiro em São Paulo, sem conhecer o idioma e as linhas de ônibus e metrô. O exercício me faz enxergar além do comum, me coloca à frente da percepção normal.
Então saio da minha realidade e entro no real cru, em que as ruas podem ser belas, além de sujas, e o dia a dia pode ser gostoso, não só caótico. Esta cidade é linda e pode servir de cenário ideal para quem assim pensar. Um “Meia Noite em São Paulo” sairia ótimo.
*Visitei o Masp depois, mais de uma vez =)