Nem toda grande amizade precisa durar para sempre

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
3 min readAug 15, 2014

É triste, mas é verdade

Muitos, mas muitos anos atrás, quando eu ainda era menor de idade, veja só, aconteceu algo muito simples que mudou radicalmente minha forma de encarar as amizades.

Tudo começou na traseira de um ônibus todo estropiado que saía perto de casa e, depois de um trajeto que parecia sem fim, passava perto do Elenko KVA e várias baladas de forró e reggae de Pinheiros. Eu estava nessa traseira segurando o assento almofadado do banco nas mãos (porque o ônibus era realmente precário), rindo com meus amigos e desejando que aquilo durasse para sempre, até que um deles se sentou ao meu lado, pensativo. Enquanto os demais conversavam entre si, me vez um aviso cruel:

Aproveite muito bem este momento, Leo, porque ele vai passar e não há nada que você possa fazer pra impedir. Cada um aqui vai seguir a sua vida e dificilmente essas amizades se manterão unidas.

Eu me revoltei.

Naquele momento, aquelas eram mesmo as pessoas com quem eu esperava passar o resto da minha vida. Eu sairia com eles todas as semanas, nos apaixonaríamos entre nós ou traríamos nossos amores para o bando. Esse era o plano e ele funcionou muito bem por bastante tempo.

Até que alguma coisa aconteceu e o plano simplesmente mudou. Sozinho.

Cada um de nós resolveu tomar um rumo que fatalmente nos afastaria. E talvez eu tenha sido o que voou mais longe, tanto que hoje não ouço mais forró ou reggae nem em casa, que dirá sair pra passar a noite dançando. Eu me limito basicamente a casas de rock, me visto diferente, falo diferente, moro longe daquele bairro e não consigo mais me imaginar sendo o Leo dessa época. Isto não é um relato de superioridade, foi um dos períodos mais felizes da minha vida, curtido ao lado de pessoas que me completavam, mas passou.

Essa experiência me marcou demais, então a partir dali passei a prestar atenção aos ciclos de amizades. Nas escolas, tanto ensino fundamental quanto médio, ocorreu o mesmo; no bairro também. Uns se perderam com crime, outros casaram, tiveram filhos, se mudaram… cada um tomou um rumo. Os bolinhos nunca permaneciam intactos.

Tenho contato com pouquíssimas pessoas da faculdade, e olha que a minha sala contava com mais de 100 alunos quando as aulas começaram. Pra onde foi todo mundo? Bem, uma parcela pequeníssima continuou comigo e, graças a ela, arrumei novos amigos para sempre. Pessoas com quem eu saía todas as semanas, às vezes em dias seguidos. Gente com quem eu dormiria e acordaria a cada dia da minha vida, a partir de então, porque éramos o melhor e mais legal grupo da cidade.

Desta vez, quando começou a separação, não me abalei, só deixei que ocorresse de forma natural. Como antes, cada um passou pelo seu próprio processo: uns casaram, outros sossegaram, teve quem sumiu, se mudou pra outro país e até quem manteve o mesmo estilo de vida. De qualquer maneira, o grupo, da forma como eu o conheci, praticamente desapareceu.

É claro que não é assim com todo mundo, conheço muita gente que tem amigos de infância, por exemplo, coisa que eu não tenho. Mas os ciclos são reais, eles sempre aparecem arrebatadores e deixam um vazio quando se concluem.

Isso não é algo necessariamente ruim. Eu, pelo menos, aproveitei cada um dos meus com afinco, curti os amigos tanto quanto as épocas que nos transformaram em amigos e hoje entendo que o Leo daqui não seria nada sem o Leo de lá. E outra: a cada ciclo há quem permaneça, de fato, para sempre. Posso não ter amigos de infância, mas tenho uns poucos e bons* que me fazem lembrar de quem eu fui, de onde saí; e assim entendo por que sou o que sou.

Esses poucos são os que valem ser lembrados sempre. Os demais, sem crise, vez ou outra surgem num álbum da memória.

*Sim, o “poucos e bons” eu tirei de "Filtro Solar", do Pedro Bial: “Entenda que amigos vão e vêm, mas nunca abra mão de uns poucos e bons.”

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