Por que é tão difícil entender o ativismo dos outros?

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
3 min readSep 12, 2014

Vejo muita gente reclamar do ativismo alheio, seja chamando negros de chatos, associando feminismo a nazismo ou ridicularizando os ciclistas, só pra citar as bandeiras mais recorrentes no meu círculo. Mas eu não quero aceitar que essa chiadeira seja sempre conscientemente gratuita, prefiro acreditar que pelo menos parte dela ocorra por falta de empatia.

É realmente muito difícil se colocar no lugar de outra pessoa, e como cada um só sabe mesmo onde aperta o seu próprio calo, talvez seja natural diminuir as lutas dos outros: ora, eu não sei como o homossexual se sente de verdade, já que sou hetero, por isso acabo defendendo que é normal chamar o gay de bicha, de viado, e reclamo de quem discordar de mim.

Dá para simpatizar com ambientalismo, claro, mas só o entenderei de verdade se me tornar ambientalista (um “ecochato”). A mesma coisa com veganismo: ainda que considere a causa justa, sem parar de consumir produtos e alimentos de origem animal, sem lutar contra o turismo e o entretenimento animal é meio complicado sentir o que um vegano sente (“aqueles frescos”).

Em uma cidade elitista como São Paulo, o sem-teto precisa enfrentar o setor imobiliário, a polícia e a ira de boa parte da população — incluindo o sujeito que, mesmo sem moradia, critica quem decide brigar por uma. Quando o sem-terra entra numa propriedade rural, a terra pode ter seu tamanho calculado em hectares e o punhado de famílias ocupar menos de 1% daquilo, mas uns e outros vão preferir o termo “invasão” ao “ocupação”.

Como vou desmerecer a feminista, o negro e o homossexual que lutam para tornar nossa sociedade menos machista, racista e homofóbica? Recentemente uma amiga minha negra decidiu assumir o cabelo crespo e fez um relato lindo que jamais poderia vir de alguém que não estivesse na pele dela:

Eu tenho 28 anos e nunca conheci meu cabelo. Sempre disfarçando ele de algum jeito, fritando, cozinhando, passando a ferro… quando decidi cortar quase tudo pela primeira vez, foi por me envergonhar de não honrar o meu cabelo crespo, mas ainda não era aquilo. Então, pra ter o meu cabelo de volta, aquele que nunca tive, na verdade, raspei tudo e mandei a fritura capilar embora. Agora resolvi deixá-lo ser o que ele realmente é. Melhor ainda, ser bonito como ele é naturalmente.

Hoje mesmo topei com gente resmungando sobre a polêmica em torno do “Sexo e as Negas” — era um homem branco incomodado porque várias mulheres negras se sentiram ofendidas com o título da nova série da Globo. Falta sensatez nisso. Não que seja proibido opinar, não que o incômodo com o programa seja coerente, talvez nem seja (embora existam mais de 10 denúncias de racismo contra ele), mas a gente precisa ter um pouco de calma quando quiser analisar algo que não nos diz respeito diretamente.

Sou homem, branco, heterossexual, de classe média, com certeza tenho mais a ouvir do que a declarar quando os tópicos são a mulher, o negro, o homossexual e o pobre. Eu até procuro evitar certos temas justamente pra não soltar merda, por saber que estou suscetível a falar besteira ou ser mal interpretado — como quando a Lupita Nyong’o foi eleita a mulher mais bonita do mundo e eu arrumei uma confusão danada depois de dizer que não concordava com esse tipo de título.

Já sofri preconceito também, mas o mais sério até hoje ocorria lá atrás, na infância, quando algumas vezes me lembravam de que minha mãe foi abandonada grávida. Só que, por mais que ouvir coisas como “Ele é assim porque não tem pai” machuque, eu nunca fui perseguido por conta disso — e os tempos mudaram, ser filho de mãe solteira já não é mais motivo de estranhamento.

Meu ponto com tudo isso? Algo bem simples e óbvio: é preferível tentar entender por que alguém defende uma causa ao invés de desmerecê-la logo de cara. Até porque desmerecer uma causa que não te afeta soa meio egoísta, né?

Falando em entender, uma fez eu tentei explicar o que penso sobre homofobia. Em outra ocasião conversei com uma feminista que foi virtualmente apedrejada por dizer que odeia homens.

--

--