Saindo de casa: parte 2 (morando em casal)

Leonardo Pereira
Uma Pera
Published in
3 min readMay 22, 2015

Então lá estava eu: enfim sozinho, enfim cuidando das minhas próprias responsabilidades, enfim adulto. Morava só comigo há quase um ano e já tinha passado minhas poucas e boas, como contei há algum tempo, e de repente comecei a me achar burro por gastar tanto dinheiro pra morar no centro de São Paulo. Foi justamente nessa época que surgiu a ideia, não sei se minha ou dela, só sei que antes da metade de 2014 eu já tinha partido para a casa da namorada. Mas não sem alguma emoção.

Se entrar num apartamento é difícil, experimente deixá-lo mais cedo do que o previsto. Aliás, aqui cabe uma dica: antes de assinar o acordo com imobiliária, administradora ou proprietário, certifique-se de incluir no contrato uma cláusula que te deixe sair do imóvel em um ano sem cobrança de multa. Caso contrário, você terá de ficar os 30 meses ou fazer o malabarismo que eu arranjei.

Se eu saísse sem mais nem menos, perderia todo o meu depósito com o pagamento da multa, então arrumei outra pessoa para entrar no meu lugar. Na época, minha namorada morava com uma amiga, e o atual namorado dessa garota procurava um lugar pra ficar; mostrei o apartamento e ele curtiu (ainda comprou boa parte das coisas que eu deixaria para trás). Levei o caso à imobiliária, que aceitou numa boa a troca de inquilino e ainda me devolveu o depósito corrigido.

Que vitória.

Aí, pela primeira vez na vida passei a viver com uma namorada. Melhor: foi a primeira vez que eu morei com amigos, porque tinha a outra garota aqui. Nosso apartamento tem só um quarto, por isso a sala ganhou uma parede de drywall e quando ela saiu foi uma felicidade, porque fizemos algo que todo mundo deveria fazer ao menos uma vez antes de morrer: destruir uma parede.

Enfim, depois disso, outra coisa inédita: me descobri casado. E não por definição ou vontade nossa, o negócio é que parentes e amigos te reclassificam automaticamente quando você mora a dois — o que me incomodou um pouco no começo porque eu não queria que isso soasse sério demais, nós apenas dividíamos um apartamento. Essa pressão a respeito do casamento me fez perceber que ele só é uma coisa tão séria por causa da convenção social formada em torno da festa, das bênçãos, das aprovações de familiares, amigos, sociedade… no fim das contas, estar casado nada mais é do que morar com alguém depois de fazer uma cerimônia. O que eu fiz foi pular a cerimônia.

Como é morar em casal? É bom. No meu caso, muito bom, porque a gente se entende bem e ficamos menos pobres com a divisão das contas. Morar com amigos é bacana, mas você nunca terá o mesmo nível de intimidade que consegue com o par, e você dificilmente fará sexo em qualquer lugar da casa, também, porque rola aquela tensão de chegar alguém que tem a chave da porta.

Sempre achei que casais precisassem discutir todas as decisões previamente e que as compras e contas “da casa” deveriam ser consensuais. Talvez isso funcione com algumas pessoas, mas com a gente a vida rola de uma maneira mais informal; nesse fim de semana mesmo nós fizemos feira e mercado e aquilo foi uma zona financeira que não será resolvida depois. As únicas coisas rígidas são os pagamentos fixos, como aluguel, luz, internet. De resto, rola uma compensação não dita: ela comprou manteiga ontem? Hoje eu compro os pães; falta sabonete? Quem lembrar compra e segue a vida.

Brigas? Rolam sim, por besteiras, nada que faça um dos dois ir parar no sofá — até porque o sofá é do Wando, o gato. Não tem muito segredo, é só não ser sem noção: um cozinha, outro lava; sujou? Limpa; viu que acabou alguma coisa? Compre. Aquele tipo de coisa que os pais passam a vida toda dizendo, sabe? A grande diferença entre morar sozinho e com alguém é que você é obrigado a cumprir tarefas domésticas pelo bem da sua convivência. Se é você e mais ninguém, foda-se, a louça será lavada quando você quiser, mas com outra pessoa não pode ser assim.

O que me chocou muito e ainda me choca quando eu penso nas vidas que eu levava com a minha mãe, morando sozinho, com duas pessoas e agora com a namorada foi ter percebido que o professor australiano que eu citei antes tinha razão ao me considerar estranho. Porque é mesmo estranho passar tanto tempo esperando que a maturidade caia no seu colo junto com aquela comida fresquinha da sua mãe.

Foto: Wikimedia

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