Sobre dor no nariz e gente em situação de rua
Uma pequena epifania sobre a desgraça alheia do conforto da minha cama
Eram cerca de 6h20 quando eu acordei incomodado. Sentia uma ardência forte na narina esquerda que, depois de alguns minutos de investigação calada, descobri ter sido causada pelo vento frio que vinha da rua.
A janela do meu quarto tem uma fresta pequenina, quase insignificante, que eu deixo o tempo todo aberta para que o ambiente respire. Só que fazia 1ºC naquele momento, com sensação de -2ºC, e eu dormia com a cara virada para a janela, então podia sentir aquele ventinho ridículo cortando meu nariz por dentro.
Aquilo me fez pensar na foda que é estar em situação de rua em Dublin.
Veja, eu dormia acompanhado, vestindo este pijama de corpo inteiro e com edredom de inverno. E meu apartamento conta com sistema de aquecimento central que liga sozinho às 7h e às 18h, ou seja, apesar do desconforto momentâneo, eu sabia que em cerca de meia hora minha dorzinha seria sanada.
Quem está na rua não tem nada disso.
Podem até contar — às vezes — com companhia e cobertores térmicos, mas o vento e a chuva são constantes e fazem com que a sensação de -2ºC se traduza em -5ºC. Sem contar que a rua é cheia de perigos, ontem mesmo vi notícia de que algumas pessoas tiveram os pertences incendiados enquanto dormiam.
Levou talvez algo em torno de dez minutos para que eu fizesse toda essa reflexão, e ter uma pequena epifania sobre a desgraça alheia do conforto da minha cama inevitavelmente me fez lembrar de que também sou responsável. Todos somos parte das sociedades nas quais estamos inseridos, o que significa que não tem essa de que o problema do outro não é problema meu. Muitos de nós seguimos religiões e filosofias que pregam o amor ao próximo, mas quantos de nós realmente fazem alguma coisa para ajudar quem não está no nosso círculo?
Estenda a mão, doe roupas e comidas. Evite fechar o vidro do carro para quem te pede esmola em troca de uns doces. Faça o que estiver ao seu alcance e deixe o dia de alguém melhor. Seja humano.