Um texto sobre o meu nome
O ano era 1986. Eu nadava à toda velocidade, literalmente lutando pela minha vida, ultrapassando adversários e superando obstáculos com a determinação de quem sabe que só tem uma chance. Não guardo qualquer memória dessa competição, mas ao menos carrego há 29 anos a certeza de que saí vitorioso, deixando para trás algo entre 200 milhões e 500 milhões de competidores. A corrida durou segundos, mas, quando terminei, estava tão exausto que passei nove meses só descansando e comendo, sem vontade de fazer mais nada. E o pior é que, ao final da hibernação, eu continuava sem vontade de me mexer. Não sei se ainda era cansaço ou só teimosia mesmo, só sei que o médico se encheu e deu a ordem: "Tragam-me o fórceps!"
O destino é curioso. Se uma coisa ou outra tivesse saído do roteiro naquela corrida esta redação talvez nem seria digitada. Se fosse, levaria assinatura da Juliana, porque era esse o nome que a minha mãe havia escolhido para o caso de eu não ser eu, e sim ela, a tal da Juliana. Mas como fui eu o glorioso, o maioral, o melhor entre os melhores, ganhei a graça de
Mas não apenas Leonardo. Minha mãe achou que nome simples era coisa simples demais e me deu uma composição que achei estranha durante boa parte da minha adolescência. Assim, depois do Leonardo existe um
Bom, obviamente tenho um sobrenome. Um português, sabe-se lá de quem, mas provavelmente vindo de colonizador bom de cama, porque o que tem de gente com o meu sobrenome pelo Brasil não é brincadeira. No fim de tudo, depois do Leonardo e do Renan, está lá o tal do
Leonardo Renan Pereira. É assim que eu me conheço desde sempre, e nunca pensei que meu nome pudesse ser diferente, apesar de a minha mãe ter considerado a hipótese de me registrar Leonardo Vinicius Pereira. Ainda bem que mudou de ideia.
A maioria das pessoas me conhece por aí apenas como "Leo" (sem acento, por favor), mas, na internet, se achar um texto meu, seja reportagem ou artigo, você vai notar que no trabalho eu fico mais sério e exijo ser lido "Leonardo Pereira". E, como blog é autopromoção, esta Pera de certa forma faz parte do trabalho, então aqui também quero ser visto como um sujeito de dois nomes: o primeiro e o último.
Só que eu não tenho dois nomes, tenho três. E a Luzia Pereira, minha mãe — ela, sim, dona de um nome que tem apenas dois nomes — , fez questão de chamar atenção para esse fato assim que lhe mostrei, orgulhoso, minha primeira produção autoral:
Mas cadê o Renan?!
Fiquei ouvindo isso até março de 2012, quando resolvi criar um registro ambulante de que TEM UM RENAN NO MEIO DO NOME. É claro que o tatuador estranhou quando me ouviu dizer que queria eternizar a frase, ele nunca entenderia que meu braço serviria para cumprir capricho e acalmar a velha — logo ela, que nem de tatuagem gostava até ver o meu braço ensanguentado pela homenagem. O tatuador também não entenderia que havia ali uma brincadeira com o "tinha uma pedra no meio do caminho" do Carlos Drummond de Andrade. A mãe sempre me disse que gostava do poeta, mas nós dois sabemos que ela gosta mesmo é do Para Sempre, porque lá o Drummond fala de mães. Eu, que nem sou chegado a esse tipo de escrita, adoro o Poema da Necessidade.
Eu tenho algumas frescuras com meu nome. Aliás, frescuras essas que começam com a própria Luzia, uma das únicas pessoas no universo a me chamar de Leonardo. Diz que gosta do nome, portanto, faz questão de usá-lo; e a rara concessão que ela faz é me chamar vez ou outra de "Le", o que é bem engraçado, tendo em vista que meu nome é Leonardo, e não Leandro. Inclusive, foi bom ter chegado a esse ponto. Assim como confundem o Luzia com Luiza, as pessoas insistem em me chamar de Leandro, e poucas coisas me irritam mais do que ser chamado de Leandro.
Uma vez, quando labutava em chão de fábrica, arrumei encrenca com o chefe do meu chefe porque ele insistia em errar o nome que estava escrito no meu crachá. Um dia, cansado do descaso, fiz pirraça e resolvi ignorar o homem, que passou a andar pra lá e pra cá atrás de mim, perseguindo o Leonardo enquanto chamava pelo Leandro. Por fim, ele se enervou e perguntou se eu não conseguia ouvi-lo. Apontando o dedinho indicador para o crachá, respondi perguntando se ele não sabia ler.
Mais recentemente, mandei e-mail para uma assessora de imprensa chamada Maria que, mesmo vendo o "leonardo" antes do arroba, me deu a resposta como se estivesse falando com um Leandro. Pois eu, que não sou nenhum Leandro, trepliquei chamando a mulher de Mariana. A birra fez efeito, porque o e-mail seguinte veio com meu nome certinho, contendo as oito letras que compõem um bom Leonardo.
O chefe do chefe se desculpou humildemente e nunca mais errou. O seu subordinado direto, que era meu chefe direto, me chamava de Leo, e aqui partimos para mais uma das minhas peculiaridades com nome: eu odeio que usem o "Leo" para forçar intimidade, então sempre que um assessor que nunca havia falado comigo me chama dessa forma eu fico puto instantaneamente. Porém, abro uma exceção involuntária para os chefes. Talvez por considerar que o meu prefixo expressa proximidade e confiança, me sinto bem quando ouço os supervisores dizerem "Leo", e nem importa se for logo no nosso primeiro contato. Curioso, não? Fico com a impressão de que eles acreditam no meu potencial, de que me querem por perto, e eu gosto muito de ser uma peça importante da engrenagem. Mas dói um bocado quando usam o tal do Leonardo, porque sei que boa coisa não fiz.
Além da minha mãe, só recordo outra pessoa que prefere o nome inteiro, e acho que nunca a vi me chamar de Leo. Seu nome é Joyce, ela é a amiga que me apresentou à Laís (❤). E houve somente um indivíduo, em 29 anos de história leonardiana, que botou o Renan no holofote. Foi na escola, quando eu cumpria o noturno do ensino médio: por haver outro Leonardo na minha sala (um sem nome composto), aquele professor entendeu que seria menos confuso se eu passasse a ser chamado de Renan. E assim foi; por um ano inteirinho eu fui meu segundo nome (mas numa única aula).
Perguntei agorinha à Luzia o porquê dos nomes e a resposta foi a mais simples possível:
O nome Leonardo porque gostei. [O] segundo nome foi porque queria dois nomes
Aí ela fez questão de lembrar que Leonardo significa "valente como um leão" e que Renan tem alguma relação com foca. O Renan também pode ser interpretado como "amigo", "companheiro" e "misterioso", e há mesmo algo de misterioso nisso tudo. Basta ligar os pontos: primeiro porque eu nasci num período que me faz pertencer ao signo de leão, o que combina com meu primeiro nome; e segundo porque eu me tornei jornalista. Sabe de que apelido chamam um jornalista em início de carreira? De foca.
Ou seja: sou Leonardo Renan por escolha de mãe e de destino. E o Pereira? Bom, esse aí é herança, consequência, mas faz parte, também. Ajuda a compor o clubinho Leonardo Renan Pereira.