A catástrofe do futebol na Itália

Joao Lucas Brito
um a zero
Published in
5 min readDec 15, 2022

Talvez você esteja se perguntando: Não é possível que na semana da conquista da Euro2020, o texto que sobe é para falar de tragédia no futebol italiano? Aliás, como visualizar alguma desgraça nesse período vitorioso da Squadra Azzurra?

Calma calma… na semana de conquista da Euro da seleção italiana, esse título foi para chamar sua atenção mesmo!

Nem de Giuseppe Meazza, Dino Zoff, Paolo Rossi, Buffon, Cannavaro ou do ítalo-brasileiro Jorginho vamos falar hoje. Aliás, nem vamos falar de um jogador profissional de futebol da Itália.

Voltemos a 1958, ano da redenção da seleção brasileira, no qual nos sagramos campeões. Naquele ano, na cidade de Lajatico, na Itália, nascia uma criança na pequena fazenda de vinicultores. No início de sua infância, os pais perceberam que seu filho aparentava ter sérios problemas para enxergar. Após alguns exames, o garoto foi diagnosticado com glaucoma, e assim, sabia-se do risco de cegueira.

A criança, antes de ser diagnosticada com a doença, era extremamente apaixonado por futebol, e seu clube de coração é a Internazionale, até hoje. E sendo sincero, era difícil que alguém, no período da infância no qual está se conhecendo e formando sua alma de torcedor, não fosse torcedor daquele time histórico dos anos 60. Aquele time é lembrado como o melhor que a Inter já conseguiu reunir em sua história, aliando os “covata della casa” (crias da casa) com ótimas contratações feitas pelo presidente Angelo Moratti, pai do também ex-presidente do clube, Massimo Moratti.

E dentro desta construção como torcedor, também surgiu um sentimento de ódio por um dos maiores rivais de seu clube do coração, a Juventus de Turim. “Sempre fui torcedor da Inter, mas, acima de tudo, sou anti-Juventus”.

E, apesar do grande time que acompanhou na infância e que o fez torcedor, o grande ídolo era um português que atuava no Benfica, Eusébio da Silva Ferreira.

Mas, dentro dessa conexão intensa com o futebol, essa criança sofreu uma catástrofe num campinho próximo a sua casa, aos 12 anos de idade: durante uma partida com os amigos, após um chute forte, a bola acabou atingindo sua cabeça numa região extremamente sensível, agravando seu problema de nascença com uma hemorragia cerebral. O então adolescente, perdeu definitivamente a visão.

A história poderia ser de muita tristeza, mas “credimi”, dali surgia um gênio.

Andrea Bocelli, além do amor pelo futebol, também iniciou desde a infância sua história com a música. Influenciado pela sua mãe, Edi Bocelli, a criança iniciou aulas de piano e depois as de flauta, saxofone, trompete, harpa, violão e bateria a partir dos 6 anos de idade. Após o acidente, sua mãe mergulhou no mundo da música junto com o filho, e costumava dizer que a música era a única coisa que o consolava após a perda completa da visão.

Daí em diante, Bocelli se aperfeiçoou em diversos instrumentos, mas foi sua voz que marcou a todos. Andrea teve aulas de canto com o maestro Luciano Bettarini, após apenas um ano de trabalho como advogado, pois, além de ser músico e fanático por futebol, também se formou em Direito, na Universidade de Pisa. E Bocelli nunca mais parou o treinamento vocal, atendendo “master classes” com o renomado tenor Franco Corelli, em Turin, fez um dueto com o astro do rock italiano Zucchero Fornaciari na canção “Miserere”, e o tenor Luciano Pavarotti. Em 1994, ano de sua ascensão na música, apresentou-se no Festival de San Remo (Festival da canção italiana), ganhando o evento com a canção “Il mare calmo della sera”, o que levou ao primeiro disco de ouro, estreou na ópera Macbeth, de Giuseppe Verdi, cantou no concerto beneficente de Pavarotti em Modena e apresentou-se para o Papa João Paulo II no Natal. Daí em diante, Bocelli se consagrou como uma das maiores vozes que a música clássica possuiu.

E dentro de todo esse contexto, o futebol nunca saiu de seu coração. Após seu sucesso dentro da música, e do amor declarado pelo esporte, Bocelli esteve presente em diversos eventos, como na homenagem feita pelo cantor ao técnico Claudio Ranieri, em pleno King Power, após a conquista da Premier League pelo Leicester.

E, além de participar, também organizou eventos ligados ao futebol. No ano de 2016, por exemplo, o cantor organizou um evento beneficente em Milão, às vésperas da decisão da Liga dos Campeões, entre Real Madrid e Atlético de Madrid, com um de seus maiores ídolos e seu amigo, Javier Zanetti. No concerto apresentado estava Pelé, Claudio Ranieri, Massimiliano Allegri, Roberto Carlos, Samuel Eto’o, Clarence Seedorf, Gianluca Zambrotta, Marcello Lippi, Arrigo Sacchi, Francesco Toldo, Iván Córdoba e Esteban Cambiasso.

E seu amor pela Internazionale nunca apagou a chama. Bocelli, após a conquista da Champions em 2010, e a consagração da tríplice coroa, descreve de forma cômica e emocionante o que se passou ao final da partida: “Eu estava com meus amigos, diante da televisão, mas ouvindo o jogo no rádio. A voz do narrador que eu ouvia vinha alguns segundos antes das imagens na TV. Assim, eu escutei os gols antes de todos, dando spoiler aos meus amigos. Eu chorei bastante naquele dia. A Tríplice Coroa foi um momento cheio da alegria, nenhum clube italiano será capaz de se igualar a isso”.

A Inter, de forma justa, prestou homenagens ao cantor em 2016, recebendo-o em sua sala de troféus do clube e o presenteando com uma camisa personalizada, entregue pelas mãos de Zanetti.

Bocelli foi o tenor italiano que se apresentou na catedral de Milão na missa em prol das vítimas da pandemia, sem nenhuma pessoa presente por causa do Lockdown. A Itália foi um dos países que mais sofreu nesse período, e esta foi uma das imagens mais marcantes de 2020.

Coincidência ou não, foi Andrea Bocelli o escolhido a se apresentar na cerimônia de abertura da competição europeia conquistada pela Itália, e como muitos comentaristas e jornalistas expressaram após a vitória da seleção italiana, esse triunfo veio como um acalento no coração dos italianos, depois de um ano terrível em sua história.

Bocelli marcou gerações com sua voz e genialidade na música, mas também deixou uma linda história de superação a todos, mesmo com o futebol sendo prejudicial em sua vida. Ou não.

Esse texto foi escrito em homenagem ao meu avô, Francisco José de Brito. Santista, apaixonado pela música clássica e por Andrea Bocelli.

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