Mais razão

Joao Lucas Brito
um a zero
Published in
6 min readAug 6, 2020

Entre 2006 e 2007, um empregado de uma determinada empresa cooperou com a força de seu trabalho pelo período de 2 anos. O empregador, por sua vez, não cumpriu com o contrato integralmente e parte do salário pactuado com o funcionário não foi liquidado. Em 2009, indignado por não ter recebido o que era seu por direito, o indivíduo entrou com processo trabalhista contra seu, agora, ex empregador.

O entendimento acerca do salário é de que possui natureza alimentar, ou seja, mediante a remuneração que o trabalhador tira a fonte de seu sustento, ou melhor, obtém uma quantia necessária a fazer frente às suas necessidades básicas. Portanto, com saldo positivo ou não, estando em crise ou equilíbrio econômico, a empresa é obrigada a arcar com as verbas trabalhistas de seus empregados.

Foto: reprodução exame.com

O tempo passou e 10 anos depois as duas partes entraram em um acordo. O trabalhador, enfim, recebeu a parte que lhe era devido. Nada mais justo e honroso para o empregado receber o salário advindo dos serviços prestados e previsto num contrato de trabalho, certo? Não é bem assim quando se trata de um jogador de futebol.

Já foi citado em texto anterior que os impactos sobre os salários dos futebolistas são similares às do trabalhador “celetista”, ou seja, regidas pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)[1]. Porém, o sentimento de paixão, amor ou até idolatria de alguns torcedores pelo seu time produz uma “cegueira” a lei que abrange o atleta como mais um trabalhador na sociedade. O pensamento de boa parte dos que consomem futebol e o que eles expõem acerca da matéria é de que um jogador de futebol com altos salários e fama não se pode dar o “privilégio” de buscar mais dinheiro em cima dos clubes pelas vias judiciais. São ingratos, e as vezes rotulados como mercenários.

O trabalhador do caso contado acima era Edmundo e seu empregador (“empresa”) era a Sociedade Esportiva Palmeiras. De fato, o “animal”, como era conhecido, foi um jogador de muito prestígio e teve durante sua carreira a oportunidade de assinar contratos que lhe deram ótimos salários. Pelo verdão, Edmundo foi considerado um ídolo com duas passagens pelo clube em 1993 a 1995, e em 2006/2007. No entanto, há quem considere sua passagem manchada no Palmeiras, tornando o clube réu no processo que o envolvia: “O Ed se diz palmeirense e vascaíno…mas na hora do $$$$, não tem amor a clube nenhum…pensa em si próprio e no que melhor lhe convém….parabéns Ed….hipocrisia pura…agora que vai receber seu $$$, não precisa mais fazer juras de amor ao Palestra. Fica só com o Vasssco messsmo…” (comentário de um torcedor na publicação do caso no site do Globoesporte.com).

Foto: Sérgio Assis

Após o imbróglio jurídico que corria na 35ª Vara do Trabalho de São Paulo do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região por uma década, outro torcedor comentou, agora nas redes sociais, a respeito dessa ação trabalhista da seguinte maneira: “2006/2007 estava em fim de carreira não produziu o esperado e quer receber.”

A ação trabalhista de Edmundo contra o Palmeiras foi por cobranças de multa do artigo 467[2] da CLT, salário vencido/retido, cumprimento de norma coletiva, atleta profissional e diferença de recolhimento.

Mais que Edmundo para o Palmeiras, Robinho marcou uma geração não só para o clube da Vila Belmiro, mas no Brasil com a camisa alvinegra. Quando se fala em Robinho já vem em mente mais um menino da vila que encantou a torcida santista com suas pedaladas e títulos para o time do peixe. Só que as disputas judicias foi um motivo de desentendimento do ídolo com a torcida.

Nas três passagens pelo clube, ele foi campeão. Em suas saídas, polêmica envolvendo dívidas contratuais do Santos Futebol Clube. Resultado disso foi que em 2016, sua última passagem, com fim do contrato no Santos, Robinho se transferiu para o Atlético mineiro, e recebeu da torcida que tanto gritou seu nome o rótulo de mercenário e traidor. O clube tinha dívida de salários atrasados, direito de imagem, verbas rescisórias, comissões e premiações com o atleta. Apesar disso, conseguiu em 2017 um acordo para sanar os encargos em 24 parcelas. “Surpreendentemente”, a dívida continua até hoje.

Foto: Guilherme Dionízio

No final do mesmo ano e em 2019 e 2020, o jogador foi sondado novamente pelo clube da baixada santista, mas a postura do atleta junto com seu staff foi de impor limites para ter seu retorno ao clube: quitar a dívida. A opinião da torcida sobre a conduta? “Time que contratar Esse mercenário, tem que ir pra série B, Atlético viu o que ele fez, não ganhou nada, se contratar esse sem vergonha do Robinho, ele tem que sair do Santos, Robinho vende até os filhos dele por dinheiro, saiu do santos 3x pelas portas dos fundos, a torcida tem que ter vergonha na cara, se os dirigentes não tem, nós temos, Robinho aqui não. Nunca mais, traidor e mercenário.” (Comentário de um torcedor na publicação do caso no site do Globoesporte.com). Cabe destacar que esse sentimento de revolta contra o Robinho foi de uma parte da torcida e não integralmente.

Robinho e Edmundo fazem parte de uma pequena parcela de atletas de futebol que teve e tem a oportunidade de assinarem ótimos contratos para atuarem no meio do futebol. Mas também estão inseridos numa grande parcela de jogadores que ingressam em processos trabalhistas envolvendo clubes do futebol brasileiro.

Em 2017, um levantamento dos Tribunais Regionais do Trabalho revelou que todos os times das séria A tinham processos trabalhistas em andamento. O Botafogo e o Vasco lideravam com 391 e 390 processos, respectivamente. Na lanterna, estava a Chapecoense com 4 processos. E o número mais alarmante: apenas em processos trabalhistas, os clubes somavam uma dívida de 2,44 bilhões de reais.

Números fornecidos pelos TRT´s.

Os atletas são culpados por esses números? Os únicos e exclusivos culpados desse cenário são os clubes. Gestões incompetentes e insatisfatórias geram complicações internas e externas, e o descumprimento nos contratos é apenas mais um obstáculo posto a coordenação.

A luta pela profissionalização de jogadores do futebol brasileiro não está nos clubes da elite do país, e sim nos clubes que estão “escondidos” pelo Brasil todo. A impugnação dos jogadores que estão num nível superior do esporte servem de exemplos a atletas que não tem voz ativa e, além disso, como jurisprudência (conjunto de decisões que refletem a interpretação majoritária de um mesmo tribunal e sedimentam, desse modo, um entendimento repetidamente utilizado) a futuros casos idênticos aos listados anteriormente. Sim, infelizmente isso está longe de acabar.

Ingratos, mercenários e aproveitadores. Assim são adjetivados atletas por parte da torcida que ingressam nas vias judiciais procurando seus direitos trabalhistas contra clubes que não cumprem o contrato. O torcedor é movido pela paixão, mas a razão é necessária quando se trata de um trabalhador.

O país pentacampeão mundial no futebol carrega também o status de desorganizado.

Foto: Guillaume de Germain

[1] Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 2 decreto-lei/del5452.htm

[2] Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sob pena de pagá-las acrescidas de cinquenta por cento”. (Redação dada pela Lei nº 10.272, de 5.9.2001)

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