O ecoar inconsequente

Abner Oliveira
um a zero
Published in
3 min readSep 10, 2020

A história da imprensa dedicada exclusivamente ao esporte no mundo é traçada a partir das primeiras crônicas sobre hipismo, turfe e caça no jornal francês Le Sport, em meados de 1854.

Somente no terço final do século 19, a grande imprensa abria espaço para o jornalismo dedicado, como consequência da popularidade dos esportes, mudanças sociais e interesse geral.

Apesar de uma crescente demanda das classes menos favorecidas, o esporte era considerado um tema “insignificante” em comparação aos demais explorados pela elite.

A mudança ocorre quando um membro da aristocracia francesa, Barão Pierre de Coubertin, idealiza a volta dos Jogos Olímpicos e fomenta um estilo de vida aliando o esporte, cultura e educação.

No Brasil, do mesmo modo, o interesse das classes mais altas, jornalistas e escritores literários pelo esporte aumenta a preocupação da imprensa na cobertura e transmissão das modalidades. Em 1894, por exemplo, Charles Miller, seu livro de regras e acessórios relacionados ao futebol não foram muito bem recebidos pela imprensa, de tal maneira que as colunas acerca do esporte eram praticamente escondidas nos diários.

O jornalista esportivo não era especializado, com pretensões em outros gêneros como jornalismo literário, cobriam os esportes da maneira que lhe era de conhecimento, considerados cronistas esportivos. A profissão era mal vista assim como um jornalista policial, porque qualquer pessoa tinha capacidade suficiente para descrever e analisar o futebol.

João Saldanha: jornalista e técnico dando instruções para Pelé e Gerson.

O preconceito se dava a partir da ideia de que somente as pessoas de menor poder aquisitivo eram leitores assíduos desse tipo de conteúdo, ou seja, a elaboração e o trabalho dos profissionais da área era muito mais fácil pois o público-alvo detinha uma bagagem cultural e hábito de leitura muito inferior em relação aos diferentes tipos de gênero jornalístico.

Pensar sobre isso se torna ainda mais interessante atualmente, já que estamos em meio a uma crise identitária do jornalismo: enquanto o jornalismo independente não fecha a conta mensal e não encontrou maneiras mais viáveis de subsidiar seu conteúdo a não ser o financiamento coletivo; a grande imprensa aborda os assuntos a partir de uma linha editorial ligada a empresas e pessoas que as financiam ou buscam pautas dignas de fuxico. Como algumas situações e posicionamentos que precisam ser discutidos.

Qual o papel da imprensa no alto índice de demissões dos técnicos no Brasil?

Renata Mendonça, comentarista do Sportv, definiu como “não-notícia” de maneira brilhante aquilo que hoje repercute em rede social e posteriormente na mídia esportiva sobre a manutenção dos cargos.

“O clube tal não cogita demitir o técnico após derrota. Oras, se não há demissão à vista, então não há nada novo a ser noticiado, certo? Por que a permanência de um treinador ganha as manchetes de maneira tão corriqueira no Brasil?”

A baliza da discussão, muitas vezes, é somente pelo que os torcedores manifestam em rede social, sob os olhos de quem analisa a situação de maneira passional, resultadista e de costas para o processo.

E que fique claro, a participação e opinião dos torcedores nos debates esportivos tem papel fundamental, pois sem eles não haveria repercussão, interesse e noticiabilidade. A imprensa constrói a notícia para ser consumida.

Dorival Júnior demitido após uma série de 4 derrotas consecutivas, ausente em 3 dessas partidas pela contaminação do vírus. Foto: Matheus Sebenello / MoWA Press

Mas, por que insistir em uma discussão baseada em achismos que poderia limitar-se aos torcedores?

É função do jornalismo dar voz à população, baseando-se na realidade, mas pautando a conversa de maneira profissional, identificando os elementos que qualificam o jogo, buscando referências, conhecendo e disseminando para a audiência os processos, seja de evolução ou empobrecimento da equipe.

Debatemos muito sobre continuidade dos técnicos na Europa, mas fomentamos as notícias que não existem. A promoção da literatura e ideias futebolísticas deveriam ser mais utilizadas nos debates, como feito por Paulo Calçade no Linha de Passe, apresentando o livro “Guardiola Confidencial”, ao abordar o rodízio de Domènec Torrent, ex-auxiliar de Pep e atual técnico do Flamengo.

A imprensa esportiva precisa ver, conhecer e apresentar mais conteúdo que um torcedor. A especialização também é um processo. Somente gostar do esporte não é suficiente.

--

--