O meu 16 de julho de 1950

Guilherme Prisco
um a zero
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4 min readSep 3, 2020

Este dia fatídico marcou por um longo tempo a minha vida.

Garoto com 14 anos de idade, apaixonado por futebol, gostava de ouvir histórias do futebol, contadas pelos mais velhos, principalmente sobre as copas do mundo de 1930, 1934 e 1938.

Ouvi muitas histórias verdadeiras ou nem tanto, mas tanto faz. Inclusive, uma delas me deixou bem irritado e revoltado: o “roubo” na semifinal de 1938, contra a Itália, que tinha sido campeã da Copa de 34. O Brasil perdeu por 2x1, com um pênalti praticado por Domingos da Guia (gênio), em Piola, o artilheiro italiano…

Fantasiar sobre esses jogos era o que restava, pois a Segunda Guerra Mundial que vigorou nos de 1939 a 1945, impediu a realização das copas nesse período (42 e 46), só tendo o seu retorno em 1950, na nossa casa!

Claro que o fato da Europa ter sido devastada pela Segunda Grande Guerra, pode ter ajudado na escolha do Brasil como sede do evento, mas que não importava para um garoto que vibrava com chegada do início dos jogos.

Cartaz da Copa do Mundo de 1950. © FIFA

A estreia da seleção brasileira foi contra o México, em que vencemos por 4x0, no Maracanã! O segundo jogo foi no Pacaembu, contra a Suíça. Dessa vez empate por 2x2. Uma decepção enorme… A seleção suíça era inexpressiva, que jogava num sistema de jogo chamado “ferrolho”, ou seja, todo mundo na defesa e ataque só na boa. Acho que não mudou muito…

Para resumir a decepção: o Brasil foi no desespero para frente e acabou por tomar dois gols de contra-ataque. Daí, no jogo seguinte, contra a Iugoslávia, a vitória era o único resultado que nos manteria na competição.

Quando a bola rolou, a exibição de Zizinho nos fez esquecer toda a decepção: 2x0, vencemos!

Engraçado que, por outro lado, a sorte conspirou a favor do Uruguai. Em sua fase de classificação, duas seleções desistiram de participar de última hora. Com isso, o Uruguai enfiou 8x0 na fraquíssima Bolívia e foi para fase seguinte, juntamente com o Brasil, Suécia e Espanha. O campeão sairia desse quadrangular.

Então, o Brasil, com duas exibições de tirar o fôlego, bateu a Suécia por 7x1 (que coisa…), e a Espanha por 6x1!

O Uruguai, por sua vez, empatou com a Suécia por 2x2, num jogo em que perdia até o finalzinho; contra a Espanha, a celeste venceu por 3x2, também num jogo resolvido nos finalmente.

O que era de se pensar? O que se passava na cabeça de cada brasileiro? Esse título é nosso! Está no papo, como se dizia na época… Minha cabeça estava a mil, aguardando nervosamente o dia do jogo.

Entretanto, nas vésperas do jogo muita coisa ruim aconteceu. Em outubro ocorreriam as eleições para presidente, governadores, senadores e deputados. Todos queriam faturar em cima da seleção. Os jogadores não tiveram sossego. Era um político atrás do outro indo até à concentração.

A nossa imprensa não ficou atrás, também entrou na onda do já ganhou. No sábado, véspera do jogo, ou no domingo, não me lembro bem, um jornal carioca publicou na primeira página, em letras garrafais: BRASIL, CAMPEÃO DO MUNDO!

Foto obtida no blog do Juca Kfouri

Conta-se que Obdúlio Varella, capitão da seleção uruguaia, levou esse jornal ao vestiário, mostrou aos demais jogadores e fez um discurso inflamando seus companheiros.

Parece que eu estava prevendo algo ruim… Todos os jogos anteriores eu ouvi a transmissão radiofônica em casa, mas, no dia da final, nervoso, saí. Resolvi por assistir um jogo que ocorreu no mesmo horário, no Estádio Municipal de Araraquara — sim, havia gente jogando bola no mesmo horário da final da Copa do Mundo de 50.

Ocorre que lá havia um alto-falante que transmitia o jogo pela rádio nacional do Rio de Janeiro, tornando impossível escapar do jogo… quando o final do jogo é anunciado, com vitória uruguaia por 2x1, eu estava sentado em uma mureta. Ali, chorei.

O gol do silêncio — Foto retirada do Lance!, sem informação do fotógrafo.

Essa é uma história de Moysés Prisco dos Santos.

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