Para onde vão os deuses após a morte?

Guilherme Prisco
um a zero
Published in
3 min readNov 26, 2020

A notícia chegou por mensagem, o que faz de imediato abrir todas as páginas de notícia e nada ali se encontra, mas só por alguns minutos, porque logo se confirmava o que não se esperava — pelo menos de minha parte.

Talvez por ter passado por momentos em que muitos diziam que ele iria nos deixar, mas não só ficou, como também ainda nos dava motivos para sorrir, acho que minha mente, inconscientemente, passou acreditar que se tratava de um deus.

É engraçado que escrever isso chega a ser estranho pra mim, muito pela minha criação e pela forma como pensei durante boa parte da minha vida, mas, graças a Deus, hoje penso que enxergar o coração por trás das palavras é muito mais importante do que o seu significado literal — que é determinado por alguns de nós.

Peço desculpas pelo devaneio, mas é difícil demais escrever sobre alguém que se tornou tão grande; um simples menino nascido em Lanús, falece deixando em prantos não só os seus próximos, mas também pessoas que ele sequer tinha conhecimento de existência.

Foto de Alessandro Garofalo em Nápoles

Ao buscar a história ou mesmo ouvir outras pessoas que reagiram a morte de El Pibe, apenas mistura ainda mais sentimentos contraditórios, como, por exemplo, ver que a Juventus usou suas redes sociais para homenageá-lo, colocando um gol que marcou contra o próprio clube.

O que considerei muito significante, vindo de um clube que tem como o lema as palavras ditas por Giampiero Boniperti que aqui traduzo: “vencer não é importante, é a única coisa que importa”.

Pouco depois, recebi também por mensagem o depoimento de Casagrande ao Jornal Hoje, em que emocionado, aponta para o grande mal que rondou a vida de Diego Armando: dependência química. Impossível não ser impactado…

Aos seguidores do maradonismo, tenho que confessar um pecado: não era muito fã de Diego. Não o vi jogar, mas tinha resistência e um certo desinteresse pela figura caricata que dizia ter sido melhor que Pelé. A própria devoção a ele sempre me incomodou.

Mas a heresia não durou muito tempo. Quando ainda era um adolescente, meu avô comprou um DVD da Placar e me chamou para assistir com ele um pouco do que foi a carreira de Diego Armando Maradona.

Essa foto aqui fui eu que tirei

Com poucos minutos de vídeo, já estava vidrado em seu talento estrondoso. A forma como seu dom se misturava com sua personalidade, me intrigava. Seus lances em que deixavam os defensores perdidos, faziam meu avô gargalhar, eu me lembro muito bem…

Claro que o interesse por ele não acabou por aí e ter tido contato com textos que contavam de quão profunda era a sua conexão com o seu povo nativo, assim como aquele que o adotou em território italiano.

A profundidade sentimental envolvida no caso das Maldivas, descontadas em um território em que Pelé já havia feito história; o gol marcado com sua mão, eternizado como divino; e o segundo, o mais bonito de todas as copas, pode ser caracterizado como endiabrado.

Não tenho capacidade e/ou legitimidade para falar com autoridade sobre Maradona, mas sinto que a sua ida é dolorosa, porque aponta para uma realidade que vivemos e ainda não sabemos como tratá-la.

Mas esse não é o único sentimento, pois se trata de Diego. El Pibe deixa aqui o seu ouro, uma biografia vivida em seu máximo, uma montanha russa, que chega em alturas jamais tocadas, assim como chega num poço fundo; tudo isso em intervalos curtos.

Interpretando as palavras de Eduardo Galeano, é como se ele não coubesse dentro de si mesmo.

A forma de se encarar o personagem que ao mesmo tempo que nos identifica, nos provoca, fica por sua conta.

A minha conta e esperança é traduzida na charge de Lucas Levitan.

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