Próximos capítulos

Joao Lucas Brito
um a zero
Published in
6 min readFeb 18, 2021

A data da publicação do texto está ocorrendo no dia 18/02/2021 e não é à toa essa menção para iniciarmos uma breve reflexão do que está por vir nos próximos dias. Mais uma vez, um dos temas mais polêmicos envolvendo futebol e aspectos legais, chegou como protagonista nos bastidores: o Direito de transmissão.

Pois é, leitores, este tópico voltou. E pra quem está esperando uma novidade ou algo que possa ser feito com mais cautela e estudo nesse tópico que se mostrou de extrema relevância no futebol, se enganou, pois está sendo especulado o mesmo instrumento para tratar o caso, cujo espelho seria a MP 984/2020[1]. E digo falta cautela, pois esta providência, de ato unipessoal do Presidente da República, tem como um dos pressupostos a urgência, ou seja, matéria que requer solução imediata, com pressa. E este assunto tratado com caráter emergência, como já experimentamos alguns meses atrás, não teve bons resultados.

Antes de pontuar os motivos que não considero ser a maneira mais inteligente de agir nesta ocasião, é válido destacar que a forma que vem se tratando a “indústria do futebol”, na visão como um negócio, não passa nem perto de ser a ideal, e é necessário uma mudança, inclusive no que diz respeito ao direito transmissão, que engloba o assunto “mandante/visitante”, direito de arena e toda cadeia que um jogo de futebol pode acarretar. Neste sentido, o advogado e jornalista Andrei Kampff sinaliza de forma categórica a realidade: “é necessária reformulação da legislação esportiva no Brasil, que está ultrapassada. Quando foi redigida, os direitos de transmissão não tinham a complexidade nem a força econômica de hoje”.

Dito isso, vale destacar o fracasso da Medida Provisória 984 em alguns pontos. O primeiro dele se trata da insegurança jurídica que o ato do presidente trouxe ao mercado, pois de um lado se tinha um contrato firmado entre a detentora dos direitos da transmissão a luz da Lei Pelé (artigo 42 da Lei nº 9.615/1998)[2], que redigia em seu texto a obrigatoriedade do acordo com emissora o time mandante e também com o visitante, e caso não houvesse anuência dos dois clubes, o jogo não poderia ser transmitido. Seria necessário um contrato formal e específico dos clubes com a entidade que pretendesse transmitir os jogos. Após a MP, o acordo era apenas com o mandante. A regra mudou de uma hora pra outra, e como se pode imaginar, isso mexe no bolso, e o valor não é baixo.

Após essa alteração, mesmo que provisória, a emissora (Globo) teve uma postura de recuo, após apoio dos gestores dos clubes em relação ao ato presidencial, e acabou rescindindo diversos contratos que haviam sido firmados com federações e os próprios clubes, fragilizando uma das fontes mais seguras destas administrações, que era justamente o direito de transmissão.

E aqui vai uma observação que trouxemos em diversos textos publicados na página, relatando os inúmeros problemas que as gestões dos clubes brasileiros tem. E os valores pagos neste direito de transmissão, por várias vezes, eram adiantados pela emissora. Ou seja, caminho aberto para o cancelamento de pagamentos e uma briga jurídica para ressarcimento das parcelas já pagas, e o fim dos adiantamentos de cotas de TV, feitas via empréstimos bancários e lastreados nos contratos com a Globo. E para finalizar a observação, estamos no meio de uma crise mundial, onde os clubes de futebol também foram afetados.

Segundo ponto é que, com argumento em favor desta MP, alguns integrantes da indústria futebolística, apontavam que esta alteração abriria portas para os acordos coletivos entre os times e que poderia se ter união, consequentemente. Ainda, foi citado comparações, sem coerência, com o caso da Premier League, a liga profissional de futebol da Inglaterra. No Brasil, sequer há uma liga de clubes, de modo que inexiste paridade honesta entre ambos os modelos. E como acreditar nisso? Os times por décadas foram sinônimos de desorganização, falta de planejamento e nunca se teve o mínimo de união entre os clubes nacionais.

Claro, a MP 984/2020 não impediu a comercialização coletiva, e que, em um cenário ideal, somente a estimula. Mas não há como limitar-nos a esta utopia, sem observar e contexto em que se encontra o futebol nacional. Exemplo dessa distância entre os clubes está no fatídico jogo entre Flamengo e Palmeiras pelo campeonato Brasileiro, em que o clube carioca solicitou o adiamento da partida tendo em vista os inúmeros casos de contaminação dos atletas pela COVID-19, e o clube paulista foi contra o pedido e o caso foi parar só chegou a ser decidido por uma decisão do TST há menos de dez minutos do início do espetáculo. E para finalizar este exemplo de “harmonia” das equipes, o presidente do Clube Atlético Mineiro, que não tinha nada a ver com a partida, cogitou requerer a exclusão do Flamengo junto ao STJD, em virtude de uma suposta violação ao artigo 231 do CBJD[3].

Foto: Marcello Zambrana

Mas continuando, outro ponto importante foi a esperança e a promessa divulgada pelos políticos que encabeçaram o projeto, em especial o ex Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (Democratas), responsável por pautar a apreciação no plenário da Casa, que expressava a evolução do futebol no ato, e sequer se reunião com os clubes. Pois bem, como disposto na Constituição Federal, a Medida Provisória será eliminada desde o início se o Congresso Nacional não as converter em lei dentro do prazo de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período.

“Surpreendentemente”, a medida caducou. Ficou evidente um jogo e estratégia política, além de uma queda de braço entre os principais personagens do mercado, e o palco escolhido da vez foi o campo de futebol.

Repito, a matéria discutida é de suma importância e a liberdade para os clubes relevante. Mas ela precisa ser tratada de maneira diferente, sendo preciso colocar “em campo” a realidade do futebol brasileiro, os aspectos jurídicos, econômicos e sociais que o esporte traz. E o mais importante, é necessário que a discussão seja feita com os especialistas do assunto, isto é, que os políticos saiam de cena.

Um primeiro passo, poderia ser o aperfeiçoamento e a votação do Projeto de Lei Geral do Esporte (PL 68/2017)[4], que trata como um dos assuntos o direito de transmissão, além de assuntos sobre o Sistema Nacional do Esporte, a Ordem Econômica Esportiva, a Integridade Esportiva, entre outros. Mas o projeto está estagnado.

Ah, sobre menção da data da publicação, o motivo é que foi divulgado nos últimos dias que o Presidente Jair Bolsonaro está próximo de publicar uma nova Medida Provisória do mesmo tema. Diferente da MP de 2020, o presidente da Câmara agora é Arthur Lira, que sinaliza uma harmonia mais estável com o chefe do executivo.

Poderia dizer que teremos cenas dos próximos capítulos logo à frente, mas parece que a página ainda não virou.

[1] https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/142594

[2] Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.

[3] Art. 231. Pleitear, antes de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, matéria referente à disciplina e competições perante o Poder Judiciário, ou beneficiar-se de medidas obtidas pelos mesmos meios por terceiro.

[4] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128465

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