Saindo de cena

Joao Lucas Brito
um a zero
Published in
4 min readNov 19, 2020

O protagonista do espetáculo é sempre o mais esperado na atração. E para aqueles que compram os ingressos e fazem o possível, e as vezes o impossível, para assisti-los, enaltece ainda mais toda a importância e o fanatismo presente num jogo de futebol.

Símbolo de todo esse amor e paixão por seu time, Agostinho Folco é um desses torcedores que vestem e abraçam toda a causa que envolva o São Caetano Futebol Clube. Ele é o presidente de uma das organizadas mais queridas e folclóricas do futebol brasileiro, a “Bengala Azul”, cujo um dos requisitos é ter mais de 60 anos para se tornar membro. Ele e seus amigos frequentadores do dominó na frente do Anacleto Campanella, estádio do azulão, foram os fundadores dessa torcida que desde 1998 viajam, acompanham, torcem e empurram o time do ABC paulista.

Agostinho Folco comandando a torcida organizada Bengala Azul / Foto: Karime Xavier — Folhapress

Quem pôde acompanhar e viver as campanhas do São Caetano Futebol Clube no início dos anos 2000, talvez não acredita que hoje, este mesmo clube, esteja à beira do amadorismo. Vice campeão brasileiro consecutivo entre 2000 (Copa João Havelange) e 2001, finalista da Copa Libertadores de 2002 em uma campanha histórica, e campeão paulista no ano de 2004 sob comando do técnico Muricy Ramalho. De nada adiantou esse histórico incrível recente, infelizmente.

Agostinho e toda torcida do Bengala Azul, que tanto fizeram e fazem pelo clube do coração, torceram de uma forma diferente no último sábado. O desejo dos “Torcedores do INSS”, como são conhecidos, desejaram que seus jogadores ficassem de fora do campo. Parece estranho, mas era necessário.

Como sempre destaco em vários textos, as diretorias, dirigentes e toda a organização dos clubes brasileiros são patéticas (claro que existe exceção) e atrapalham na condução dos times, resultando, muitas vezes, em más atuações dentro de campo. O São Caetano, na série D do campeonato Brasileiro, está diante de um quadro quase irreversível, conseguiu chegar em um “recorde” na falta da pagamento de salários e encargos dos trabalhadores do clube, ficou seis meses sem pagar os seus atletas. O estopim, o clube parou.

Na 12ª rodada da série D do campeonato Brasileiro, os jogadores se recusaram a entrar no gramado para enfrentar o Marcílio Dias, tornando o clube catarinense vencedor da partida por W.O. E por incrível que pareça, assim como os jogadores, até os torcedores mais fanáticos esperavam e torciam pra isso, como forma de protesto em relação a diretoria e toda sua (des)organização.

Estádio Anacleto Campanella vazio / Foto: Márcio Donizete

Mas como essa cenário é horrível, ainda dá para chegar mais no fundo do poço. Conforme previsto na lei Pelé, especificamente no artigo 31[1], os atletas podem buscar a rescisão se o clube atrasar em três meses ou mais seu salário (FGTS e contribuições previdenciárias também). Ou seja, os atletas podem sair sem nenhuma multa ou contribuição financeira para o clube, e ficar, claro, sem um elenco profissional.

Além disso, no artigo 203 do Código Brasileiro de Justiça Brasileira[2], é redigido que o clube que não entra no campo para disputar a partida sem uma justificativa plausível, está sujeito a pena de multa, que pode variar de R$ 100 a R$ 100 mil, mais a perda dos pontos em disputa a favor do adversário, que já é o caso do clube paulista.

Porém, o texto legal vai além, em seu paragrafo terceiro[3], do mesmo artigo, prevê a exclusão dos times dos torneios, caso os atletas resolverem não entrarem em campo numa segunda partida.

A atitude dos atletas, por mais que seja triste, é fundamental e tem todo o respaldo na Constituição Federal, regulamentada na lei 7.783/89 (lei da Greve), que sinaliza o direito a greve, em seu artigo 9º[4], visto que o jogador de futebol é um trabalhador, como qualquer um.

O palco/gramado é lugar para sempre estar preenchido de seus artistas/jogadores. Mas o inverso foi feito, e foi aplaudido.

Talvez o senhor Agostinho nunca sonhou em ver o Anacleto Campanella tão vazio, tanto dentro como fora de campo. A Bengala Azul foi a responsável, por um dia, em colocar 40 mil pessoas dentro do Pacaembu para empurrar o seu clube do coração, e foi a mesma, também, em apoiar o campo do clube desocupado pelos seus jogadores.

Essa semana foram os protagonistas do espetáculo que saíram. Esperamos que, com essa atitude, os vilões que preenchem as diretorias dos clubes brasileiros sejam os próximos a desapareçam de cena.

Foto: Raphael Silva

[1] LEI Nº 9.615/98 — Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário ou de contrato de direito de imagem de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para transferir-se para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.

[2] CBJD — Art. 203. Deixar de disputar, sem justa causa, partida, prova ou o equivalente na respectiva modalidade, ou dar causa à sua não realização ou à sua suspensão.

[3] CBJD — Art. 203, § 3º Em caso de reincidência específica, a entidade de prática desportiva será excluída do campeonato, torneio ou equivalente em disputa.

[4] CF — Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

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