Salameiro, um ex-futuro craque

Guilherme Prisco
um a zero
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3 min readJul 2, 2020

Num certo dia de meados da década de 1950, meu tio Antônio, irmão de meu pai, veio de Itapetininga nos visitar em Araraquara, interior do Estado de São Paulo.

Claro que o futebol virou pauta de conversa, mas num determinado momento ele passou a me contar uma história diferente.

Tratava-se de um grande atacante da região de Sorocaba; era tão bom que ficou conhecido como “Salameiro” — no idioma futebolístico da época, era sinônimo de um jogador que, além de goleador, era fintador e rápido.

Mas essa história era do início do século XX, quando o craque tinha seus vinte e poucos anos e futebol amador predominava. Meu tio disse que, quando o craque avançava em direção ao gol adversário, levava de roldão a defesa oponente. Motivo pelo qual, nos finais de semana, o Salameiro era requisitado para jogar por vários times.

O Salameiro está na fileira da frente, o único que está com a mão esquerda escondida atrás das costas. | Acervo Pessoal

Até que um olheiro o viu jogar e gostou muito do que viu. Então, o grande convite chegou: jogar no Paulistano, o melhor time de São Paulo. Formado pelos filhos de ricos da capital paulista.

Fora o prestígio, a oferta do Paulistano exigia a evidente ida do Salameiro para capital, sendo que o clube se responsabilizaria pela moradia, alimentação e estudos.

A resposta era óbvia? Evidentemente que não. Os tempos eram outros: o que hoje é notório e aclamado pela maioria, antes era visto com olhos de desonra.

O nome do Salameiro é Martiniano Prisco dos Santos, ninguém mais e ninguém menos que meu pai.

Sabe qual foi a resposta do meu avô?

“Está pensando que porque já usa ceroulas já é homem? Vai trabalhar na estrada de ferro”.

A família de meu avô era muito pobre e meu pai era o filho mais velho que precisava trabalhar para ajudar no sustento.

Ali morrera a carreira de um futuro craque. O “velho” devia ser muito bom… Se tivesse ido, provavelmente teria jogado ao lado de Arthur Friedenreich, grande nome do futebol brasileiro no início do século passado.

Friedenreich e Salameiro, nascidos no mesmo ano, separados pela vida | Diário Popular, 08/11/1984, p. 81

Apesar disso tudo, meu pai não era bom apenas com a bola nos pés, mas era um homem muito inteligente, tanto que seu sonho era se tornar um engenheiro — o que as circunstâncias de sua vida também não permitiram que se realizasse.

Mas, para quem crê em Deus, nada ocorre por acaso. Seu trabalho na ferrovia começou muito jovem e, com muito trabalho e destaque, chegou ao cargo mais elevado nas oficinas (chefe de depósito), posição na qual se aposentou.

Anos após a recusa da oferta do Clube Paulistano, se casou com minha mãe, se converteu e tiveram juntos nove filhos, sendo seis homens (todos, por sinal, pernas de pau).

O Salameiro não ficou conhecido, mas o Martiniano não deixou de ser reconhecido por seu trabalho e caráter. Se a história tivesse sido diferente, talvez, eu não estivesse aqui para contar essa história.

Sim, escreveram o nome errado na placa… | Acervo Pessoal

Essa é uma história de Moysés Prisco dos Santos.

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