Você está xingando a pessoa errada

Joao Lucas Brito
um a zero
Published in
5 min readSep 17, 2020

“CBF afasta árbitro que prejudicou Avaí em Sergipe” (Notícia NSC Total 16/09/2020, por Roberto Alves) Mais uma semana no futebol brasileiro e a informação é a mesma. O árbitro de futebol tem essa mania de errar ou de ter decisões precipitadas. Nós, torcedores, nem nos assustamos e ficamos surpresos com esses tipos de casos.

“O país do futebol” (uma mentira, na minha humilde opinião), também é o país dos erros que advém dos juízes de futebol. O Brasil foi o primeiro a adotar os comentaristas de arbitragem nos jogos transmitidos na televisão em 1989, e esse cargo é destaque e ganha força ano após ano. Afinal, qual programa esportivo brasileiro não discute nas segundas-feiras e quintas-feiras uma falha do apito no término da rodada?

O primeiro comentarista de arbitragem — Arnaldo Cézar Coelho / Foto: João Miguel Júnior

Sabe aquele ditado “O buraco é mais em baixo”? O tema do texto aborda que esses erros excessivos da autoridade máxima no comando de uma partida tem um motivo simples. Mas não se engane, ele também é complexo.

De antemão, vale esclarecer que pela Lei Pelé[1] os árbitros podem se organizar em associações profissionais e sindicatos, bem como prestar serviços para as entidades de administração (FIFA, CBF e federações estaduais, etc.) e aos clubes. Ou seja, são livres para se organizar, objetivando o recrutamento, a formação e a prestação de serviços às entidades de administração do desporto.

Mas há ainda uma lei específica que regulamenta esta profissão tão julgada no Brasil, a Lei do árbitro, 12.867/2013[2]. Ela, por sua vez, não o protege, advindo de um vazio jurídico espantoso, além de um tratamento longe de ser profissional, como manda a lei citada.

Mas a pior parte vem justamente da Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Os árbitros sequer tem vínculo empregatício formal com as federações estaduais e/ou CBF[3], e o problema é que os contratantes ficam livres de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias.

Foto: Amando Babani

Isso mesmo, eles seguem as “regras” estabelecidas por seus contratantes, sujeitos às sanções previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, e podem ser punidos com multas pecuniárias e suspensão por prazo, mas não possuem carteira assinada, tampouco todos os direitos trabalhistas inerentes à situação de empregado.

Devido este fato, ex árbitros e os que ainda atuam, abraçam a causa para que haja profissionalização da categoria. Guilherme Ceretta de Lima, é incisivo nas críticas em relação as leis que permeiam o tema e a situação vivida pelos colegas de trabalho: “Isso seria bom demais (profissionalizar), né. Se você se machuca, é deixado de lado por conta de escala, deixa de receber”.

Esclarecido toda essa situação, aqui vai mais uma expressão: “Nada é tão ruim que não possa piorar”. No nosso país, um árbitro do quadro da Fifa ganha em média R$ 4 mil para apitar uma partida da Série A do Brasileirão, e para isso ele precisa ser sorteado em audiência pública realizada pela CBF. Pode ser o campeonato todo ou apenas uma rodada. E claro, como citado pelo Guilherme Ceretta, torcer para não machucar ou ter qualquer outro problema. Com essa instabilidade e baixo salário, se faz necessário o exercício de outra profissão paralela a de árbitro para completar a renda mensal e assim, não tem tempo integral para se dedicar a fim de uma preparação efetiva neste cargo tão importante numa partida de futebol.

Na contramão dessa realidade, Inglaterra, Espanha e França dão exemplo na profissionalização e na valorização dos juízes do futebol. Na Premier League, por exemplo, eles recebem um valor fixo de 70 mil libras por ano e o adicional por jogo, além de todo acompanhamento psicológico, aprimoramento físico e técnico sob responsabilidade da Federação inglesa.

Mike Dean, árbitro de la Premier League / Foto: AFP

O futebol brasileiro é um mercado que gira cifras milionárias, mas esse cenário não inclui os árbitros. Somos um mercado injusto. Foi vendido patrocínio para a camisa do árbitro, fazendo deles “garotos-propagandas” da marca, mas adivinhem… não recebem nada pela exposição. Além de não darmos todo o amparo trabalhista devido, os excluímos de qualquer participação em sua imagem, violando o assegurado pelo art. 5º, XXVIII, “a”, da Constituição Federal.

Nossas entidades desportivas realizam programas para renovar a arbitragem brasileira, como o implementado pela CBF. Entretanto, Elas são as primeiras a se isentar de culpa quando ocorrem erros de arbitragem nos jogos, colocando toda a responsabilidade nos juízes e a depender da repercussão, os punem severamente com o desfalque em algumas rodadas ou até mesmo o “congelamento”. As entidades são profissionais em mascarar o verdadeiro problema que temos em nossa arbitragem.

A profissionalização e valorização nos salários não é sinônimo de isenção de erros, mas com certeza iria diminuí-los. A marcação equivocada, a falta de padronização dos árbitros e a demora nas decisões não acontecem acidentalmente. O nosso futebol não prestigia os seus participantes e isso inclui o personagem deste texto. A consequência disso é que nosso produto futebolístico como um todo, não é valorizado.

O árbitro Thiago Duarte Peixoto errou ao expulsar o volante corintiano Gabriel, que não havia feito falta (Campeonato Paulista 2017) / Fonte: Esporte — iG

[1] Art. 88. Os árbitros e auxiliares de arbitragem poderão constituir entidades nacionais, estaduais e do Distrito Federal, por modalidade desportiva ou grupo de modalidades, objetivando o recrutamento, a formação e a prestação de serviços às entidades de administração do desporto.

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12867.htm

[3] Art 88 — Parágrafo único. Independentemente da constituição de sociedade ou entidades, os árbitros e seus auxiliares não terão qualquer vínculo empregatício com as entidades desportivas diretivas onde atuarem, e sua remuneração como autônomos exonera tais entidades de quaisquer outras responsabilidades trabalhistas, securitárias e previdenciárias.

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