capítulo 15
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15- uma intervenção narratológica
Minha experiência na onisciência narrativa me diz que o capítulo 15 é um bom momento para fornecer algumas explicações sobre como funciona esse universo. Estou tomando a iniciativa de explicar para o leitor, porque precisa. Precisa explicar. É o que eu sempre digo: o leitor emancipado eu não sei se existe, porque ninguém até hoje conseguiu provar, mas o leitor irritado existe! e ele é uma criatura assustadora. Um monstro que vai se alimentando de inconsistências narrativas, personagens mal construídos e diálogos vergonhosos e sua única motivação em vida passa a ser estapear o autor com seu próprio livro em um lugar público de sua escolha. Na impossibilidade de fazer isso, ele abre fóruns online e diligentemente esmiúça todas os problemas. E se fizerem isso com esse livro, eu vou ler tudo, eu me conheço. Eu preciso saber.
Não me foram passadas todas as informações sobre esse universo e eu sou onisciente, não sou adivinho. Por isso, achei prudente entrevistar o encarregado de relações públicas desse universo, que me respondeu prontamente. Segue abaixo a transcrição da nossa conversa.
Narrador: Como ele funciona? Em linhas gerais…
RP: A gente tem uma homepage na internet que é atualizada todo dia. Você só precisa acessar ela e digitar seu nome na busca para descobrir a data e uma breve descrição de como você vai morrer.
Narrador: E no caso de homônimos?
RP: Tem a busca avançada.
Narrador: Uma vez que você sabe como vai morrer, tem como burlar? Se for um acidente, evitando ele…ou se suicidando, por exemplo?
RP: Tem, mas a gente não recomenda.
Narrador: Por quê?
RP: Veja bem, é mais uma sugestão. As pessoas deveriam morrer nessas datas. É uma atitude cidadã. Pessoas podem muito bem modificar essa data de morte, pra menos ou pra mais. Geralmente é pra menos, mas a recomendação oficial é que não façam. Porque gera muitos inconvenientes: os analistas de dados precisam refazer cálculos das mortes de várias pessoas, que se alteram por causa de um engraçadinho, em efeito cascata. E essas pessoas ficam recebendo atualizações irritantes no email, com as novas datas de suas mortes.
Narrador: Mas não dá pra direcionar esses emails para a caixa de spam?
RP: Dá, mas pra gente que trabalha aqui é indiferente, tem que enviar mesmo assim.
Narrador: E no caso de - um exemplo hipotético - alguém que vai morrer com uma machadada na cabeça? Até esse tipo de morte é possível evitar?
RP: Não, machadada não. Porque é passional, né.
Narrador: Mas e se for um acidente?
RP: Não também.
Narrador: E se um dia alguém conseguir derrubar o sistema? O que acontece?
RP: Não tem como. É tecnologia alienígena. A gente mesmo já tentou. Ninguém quer trabalhar nesse departamento, é só dor de cabeça.
Narrador: Agora, uma pergunta mais técnica: como vocês sabem que alguém morreu?
RP: Aparece lá no sistema.
Narrador: Mas como o sistema sabe?
RP: Ah, é a tecnologia deles lá, alienígena.
Narrador: Pra finalizar: como eu vou morrer?
RP: Apagado na segunda edição do livro.