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Bombeando

Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras
4 min readJul 16, 2024

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O som do pneu cantando contra o asfalto era gritante, para mostrar como estava ansioso e queria logo pôr o motor a trabalhar como se fosse a razão de viver ou apenas respirar.

Continuou por um tempo e parou.

Desligou o carro, desceu e fechou a porta num movimento de angústia e tédio enquanto balbuciava “eu nasci pra correr, não para ficar parado esperando” e emitia um grunhido de resmungo.

Moveu-se para frente do capô do carro e se apoiou enquanto olhava a vista: uma viela sem saída rodeada de prédios abandonados, pichados e sem vida. Parecia um ótimo lugar para ser assassinado e nunca mais encontrado. A única luz era dos farois de seu carro que davam um contraste de luz branca com vermelha em cada direção.

Esperava impacientemente quando ouviu um som de outro carro se aproximando. Era um som calmo e quase suave apesar do ronco do motor ser potente. Era como uma cobra espreitando a presa e se aproximando lentamente para o momento do bote e atacar sua presa sem piedade.

O carro moveu-se de forma quase maleável enquanto achava um lugar na pequena viela para parar.

Deste saiu um cara inexpressivo e que o ar ao seu redor parecia desprovido de som. Foi em direção ao homem que já estava ali e apenas disse:

  • “V8” — enquanto acena com a cabeça como num sinal de saudação.
  • “Silenciador” — replicou de forma ríspida.

Ficaram os dois em silêncio apenas com o som dos motores dos carros enquanto o restante da gangue ainda estava a aparecer.

Minutos passaram com V8 ficando cada vez mais impaciente e começando a andar para um lado e para o outro rapidamente, quase como se ele estivesse acelerando numa corrida contra si mesmo, enquanto Silenciador não se mexia e parecia quase como um carro que morreu e estava desligado, até o próximo som começar a se aproximar.

Era um carro possante, com vários escapamentos que explodiam dessincronizados e em um padrão sem muito ritmo ou musicalidade, uma cacofonia de pequenos estouros.

O carro soltou parte de sua estrutura e de lá se destarrachou uma cadeira de rodas em que um jovem usava suas mãos para empurrar as rodas e se aproximar dos outros dois.

Mal teve tempo que logo V8 olhou para ele e soltou com uma grande gargalhada de deboche:

  • Rodinhas! Você chegou! Tem cuidado bem das suas rodinhas? Não queremos que mais uma coisa aconteça com você e… não sei, você fique tretaplégico! Coisas acontecem né? — terminando com um sorriso malévolo.
  • Cala a porra da boca V8, se você soubesse dirigir eu não estaria nessa situação, mas nem todo mundo que pega num carro sabe usar ele né? Quantas vezes você já destruiu essa sua lata velha? — Riu em tom de satisfação.

V8 nem respondeu e já foi se dirigindo na direção de Rodinhas quando uma voz interrompeu todos os sons do ambiente:

  • Quietos! Agora que todos estão aqui vamos começar… — falou com um forte sotaque russo.

Sem saber de onde vinha a voz, tiveram dificuldade até perceberem que em um dos prédios uma porta de garagem se abria e lá estava imponente o russo, alto e com os braços cruzados.

  • Venham! Iremos para o topo do prédio.

O russo foi em frente sem esperar enquanto V8 e Silenciador ajudavam Rodinhas o carregando pela curta e apertada escada.

Chegando ao telhado do prédio, conseguiam ver toda a cidade abaixo deles.

Estavam numa elevação e numa parte abandonada daquela cidade que já em si era bem abandonada pelos seus próprios moradores.

Estava anoitecendo mas o céu era um amarelo doente que descia e se misturava com um verde musgo até o próprio preto da falta de luz dentro da cidade. Era como se alguém tivesse passado mal e aquela vista era o resultado depois de ter vomitado.

Uma cidade sem vida com apenas alguns pontos de luzes vindo das janelas de alguns prédios.

V8 nem esperou muito e empolgado indagou:

  • Mais uma corrida? Mal posso esperar para deixar vocês e todos os outros comendo poeira.
  • É alguma carga que precisamos levar? — prosseguiu Silenciador.

Rodinhas logo percebeu que algo estava diferente no semblante do russo. Ele era bem difícil de ser lido, mas algo estava lhe dando uma sensação de estranheza que se rastejava por debaixo de sua pele.

  • É perigoso né? Bem perigoso? — acabou soltando.

V8 tirou o sorriso da cara e o Silenciador mostrou uma pequena expressão de surpresa.

O russo pegou um galão de gasolina, deu um grande gole e logo em seguida acendeu um cigarro.

V8 tentando quebrar a tensão fez uma leve piada:

  • Toma cuidado pra não se queimar com o fogo? — enquanto ria de forma desajeitada.

O russo continuava olhando para a vista da cidade e disse:

  • Iremos tomar essa cidade.

Com ninguém entendendo, ele terminou seu cigarro, pegou uma mangueira, ligou ao galão fazendo um movimento de sugar para a gasolina sair e ligou a outra ponta da mangueira em uma de suas pernas.

Os outros estavam transtornados e apreensivos. O russo não era uma pessoa muito aberta mas também não transmitia nada que lhes davam preocupação. Mas sabiam que dessa vez era diferente. Não era apenas mais uma corrida, mais uma entrega, mais uma baderna qualquer.

Enquanto bombeava o restante da gasolina na sua perna disse:

  • Essa é das boas! Ha! É triste que tudo vai ser gasto.

Fez alguns segundos de silêncio e disse:

  • Dessa a gente não vai voltar. Mas iremos tomar a cidade e marcar a história para sempre.

Terminou de bombear a perna e tentou tomar alguma gota que sobrou do galão.

Desceu e entrou no seu carro que estava estacionado na garagem.

Conectou sua perna no carro e logo chamas azuis começaram a sair de escapamentos laterais.

Deu um riso e acelerou enquanto queimava os pneus se preparando para logo em seguida acelerar e entrar nas ruas da cidade:

  • Agora é a hora da diversão! — falou para si mesmo em tom agressivo e animado.

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Ricardo Rachaus
Ricardo Rachaus

Written by Ricardo Rachaus

Gosto de escrever estórias e pretendo começar a escrever artigos relacionados a programação.