Escapar
Consegui sair. Finalmente vou poder escapar dessa prisão escura, mofada e sem vida. Não sei como conseguir aguentar até então, mas finalmente terei minha chance. Só preciso ter cuidado e irei sair e ser livre. Livre! Tudo o que eu tanto ansiei por esses anos.
Ali estava a escada que dava para a saída dessas profundezas obscuras e agonizantes. Cada guarda, cada novo carrasco, era como se não houvesse fim e estava ali para ser o brinquedo e a fantasia de cada nova pessoa que aparecia. Era a dor sem fim, cada vez uma nova dor, cada vez uma nova forma de tortura…
Mas agora é o fim. Agora estarei livre.
Comecei a subir a escada. Era uma escada espiral bem escura e com degraus bem curtos, apenas metade do meu pé cabia em cada degrau. Além de ser escorregadia e úmida. A perfeita armadilha para quem estava prestes a ser livre. Uma pisada errada, um pequeno vacilo e sairia rolando por todos aqueles degraus e Deus sabe se continuaria vivo após a terrível queda.
Porém continuava com a determinação que nunca tive. Não poderia perder a oportunidade que estava presente a mim: nenhum guarda, nenhuma vigia, nenhum prisioneiro, ninguém além de mim.
Uma oportunidade única e como nunca. Aquela era minha chance.
Comecei a subir os degraus em espiral e perdi a conta de quantas vezes levantei o pé. Tudo era muito escuro e perigoso. E o cansaço depois de tanto tempo de prisão, de mal-nutrição, de falta de contato social, não sabia nem mais contar nem mais palavras dizer.
No entanto, continuava na subida.
E enquanto subia uma pequena luz apareceu, fraca e debilitada, porém o suficiente para iluminar um pouco. Era uma tocha em um nicho que adentrava aquelas paredes frias e monótonas de pedra. Um nicho com uma silhueta ao lado.
Uma silhueta humana, com ombros largos, aparentemente cabelo curto e sentado nesse espaço em aberto.
Um homem.
Aproximei a cada passo que dava pela escada. E a cada passo mais nítida ficava a figura.
Cheguei e comecei a ouvir uma voz grossa, porém gentil ao mesmo tempo:
- Imagino que tenha sofrido muito. Não posso imaginar o quão agonizante foi até então. Espero que consiga chegar ao fim e ser livre.
Vi uma figura de um homem, nada demais, bem genérico, mas sentado com uma tranquilidade e um leve sorriso enquanto dizia essas palavras.
De início levei um susto pensando que poderia ser um guarda ou alguém para me levar de volta para a prisão, porém trajava como uma pessoa comum e não se moveu em nenhum momento enquanto se aproximava. Apenas deixou eu seguir enquanto ignorava-o.
Continuei seguindo as escadas. Logo estaria livre e não teria mais nada para me impedir. Não haveria muito mais a seguir antes de chegar ao térreo e me livrar desse lugar.
Continuava as espirais escuras e úmidas, quando novamente vi outra fonte de luz. Novamente fraca e apenas o suficiente para diferenciar as silhuetas e os limites dos meus arredores.
E ali novamente estava uma figura humana com a sombra lançada pela luz.
Porém, dessa vez era uma figura feminina. Seus contornos a delatavam e sabia que era outra pessoa.
Dessa vez uma voz leve e adocicada falou:
- Oh, que pena de você! Quanto sofrimento desnecessário! Torço pela sua liberdade!
Estranhei a figura estar ali, porém não parecia nada mais que apenas uma mulher sentada ali.
Uma pessoa em si já era muito estranha, duas ainda eram mais. Ainda mais uma mulher. Naquele lugar não havia muitas mulheres e sua presença continha uma inquietação em minha mente que não sabia explicar. Porém continuei seguindo…
A cada volta que dava nas escadas, sentia que estava mais perto do fim. Subia com tanta determinação que nada poderia me parar!
Subia e subia!
Porém a cada conjunto de voltas aparecia uma tocha acompanhada de uma figura humana ao seu lado.
Primeiro o homem, depois a mulher, depois uma criança, depois um senhor, depois uma senhora, depois outra mulher, depois outra criança, depois outro homem, depois uma senhora, depois um senhor… cada um diferente e sem relação com a pessoa anterior, mas ao mesmo tempo com um mesmo aspecto de similaridade. Uma pessoa genérica em que não era possível distinguir muito de suas características, mas cada uma diferente da outra e que estava sempre sentada ao lado da tocha que aos poucos iluminava o caminho.
Voltas e voltas e não parecia ter fim.
E cada pessoa tinha algo diferente a dizer.
Com o tempo, alguns falavam:
- Essa semana parece não ter fim né?
Outros diziam:
- Perdi a conta de quantos dias já se passaram!
E com cada volta que eu dava só parecia piorar a passagem do tempo:
- Já tem um ano subindo? Como passou rápido!
Seguido de:
- Já estou perdendo a contagem dos anos! Foram quantos? Cinco já? Uma década?
E continuava subindo a escada sem fim. Sabia que se continuasse uma hora estaria livre! Finalmente a liberdade que tanto desejei!
E com o tempo as palavras foram mudando e o meu humor também. E assim começou:
- Não está cansativa essa subida? Quer uma ajuda?
- Tem certeza de que quer continuar assim? Está com tanta sede!
- Sinto que já emagreceu tanto desde que começou a subir, está bem?
- Que figura pálida! Preciso te ajudar agora mesmo!
…
E cada vez sentia minha força de vontade diminuir. Como que uma mera escada poderia levar tanto tempo? Não sabia mais a quanto estava subindo e tentando fugir, mas sabia que precisava fazê-lo!
Continuava e continuava.
Porém, a cada pessoa que aparecia, a ajuda parecia mais e mais tentadora.
Queria apenas escapar e ter a minha liberdade. Apenas ser livre mais uma vez e poder viver a minha vida como deveria viver!
Continuei e continuei, até o momento que as aparições começaram a parecer tentadoras.
- Tem certeza de que não quer uma ajuda? Apenas uma mãozinha para sair daqui?
- Suas pernas devem estar cansadas, vamos logo sair desse ambiente deprimente!
- Pobre criatura que não tem um pingo de paz!
E cada vez aquelas vozes me faziam questionar e vinham com propostas tentadoras. Já estava cansando de tanto subir e uma ajuda não seria de todo mal. Afinal, se fosse realmente alguém que fosse me prender e jogar de volta à cela, já teria o feito a muito tempo.
Continuei ignorando e subindo aos poucos, até que finalmente apareceu uma figura diferente. Dessa vez era uma mulher muito bonita, bem elegante e fina.
Estava sentada como as outras pessoas que eu via, porém ao me aproximar, levantou-se e moveu-se lentamente em minha direção. Disse com uma voz bem suave e materna:
- Deixa eu te ajudar, prometo que logo você será livre. Pode confiar em mim.
O cansaço era tão grande que parei por um momento e refleti. Uma ajuda não seria de todo mal. Desde que saísse dali.
Esperei um pouco e apenas disse “eu aceito”.
Lentamente ela moveu seu rosto perto do meu e deu um beijo caloroso em minha bochecha. Aquilo fez todo meu cansaço e desânimo sumirem! Foi revigorante! Agora tinha energias suficientes para sair.
Ao continuar subindo ela deu um leve sorriso sonoro e continuei. E continuei.
Cada passo, cada novo degrau a luz aumentava e parecia que finalmente estava perto da saída. Finalmente livre!
Subi e subi até a luz ficar tão forte que era cegante e não via nada mais em minha frente.
Passou-se algum tempo e finalmente a luz cedeu.
Havia escapado!
A luz lentamente foi enfraquecendo e com isso pude ver.
Ali estava.
Dentro de uma cela, escura e úmida.
Sem vida.
Havia me movido em direção às grades e ali apareceu. A mesma mulher que vi pela última vez na escada. Com um leve e delicado sorriso. Tão materna e calmante, enquanto dizia:
- Achou que iria fugir? Isso foi apenas parte da minha brincadeira.
E assim encontrava-se novamente na mesma cela que estive por tantos anos…