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Não me importo

Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras
5 min readFeb 28, 2022

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Levantou tarde. Já era noite e o quarto se encontrava completamente escuro. Não que se importa-se com isso. A noite era o momento certo e a escuridão apenas indicava que estava na hora de fazer seu corpo reanimar e agir.

Levantou-se e foi para o banheiro. Olhou para o espelho. Viu o seu cabelo bagunçado e a cara amassada de sono. Pouco importava. Passou rapidamente um batom em sua boca, mexeu o cabelo em algumas direções até achar o ponto certo em que queria. Estava pronta para sair.

Não precisava se preocupar com nada. Na verdade, não se preocupava. O que era importante o suficiente a ponto de se preocupar? Se se preocupasse era sinal de que algo estava errado. Estava ali para o momento e estava preparada para ele.

Jogou umas roupas contra seu corpo que surpreendentemente se encaixaram e formavam um conjunto. Se combinavam, pouco importava. O importante era que já estava preparada para o que precisava fazer. Podia sair daquela pequena suíte. O quarto bagunçado ofuscado pela escuridão ali presente. A pouca luz do banheiro que usou para arrumar parecia mais moribunda que ela mesmo estava. Estava preparada!

Saiu pelas ruas à noite. A noite tornava aquilo tudo vivo. Aonde passava e aonde estava. Era uma sensação bizarra, dado que a luz dos neons de sinais estavam vivos mas a quantidade de pessoas na rua diminui com o minuto. Foda-se, agora era seu momento.

Moveu-se pelas calçadas e pelas ruas da noite que estava em seu início. Agora iria começar o dia e não teria nada que a impediria.

Passava pelas pessoas como se fossem obstáculos jogados contra ela para impedir seu momento, mas agora ela era a estrela principal do espetáculo que estava para acontecer e nada que fosse contra ela seria o suficiente para impedi-la. Não passavam de cascas vazias em seu caminho, cansadas do dia de trabalho e que não havia nada nenhuma alma. Era visível em seus rostos.

Chegou no lugar que queria. Um bar meio obscuro e sem movimento. Pelo menos pareceria se não fosse pelo som ecoando de dentro e o pequeno sinal de seu nome. Aquele lugar conteria muito mais do que as pessoas poderiam imaginar. Aqueles com suas vidas simples e entediantes. Trabalhadores em pequenos escritórios e escravos de um destino que só os tornavam cada vez mais insignificantes e invisíveis. Tudo o que ela não era. Tudo aquilo que nunca seria. Só um bando que poderiam muito bem serem robôs sem vida.

Entrou e já sentia a agitação no ar. Sentia o ânimo que percorria seu corpo e lhe arrepiava em cada parte do seu corpo. Sabia que aquilo era apenas o começo. Seu corpo estava apenas aonde pertencia. Depois de tanto tempo no mundo morto, não era de se esperar menos do que ele reagir contra o que encontrava até se acostumar e perceber que ali era seu habitat. Logo seu coração iria batendo na velocidade que deveria e bombeando o sangue por todo suas veias.

Se enfiava no meio da multidão de pessoas aproveitando o som da música que tocava. Aquilo que a sociedade normal chamava de barulho. Aquilo que expressava tudo o que sentia e ia além. A cantora no palco cantando em sua voz desafinada e agressiva, expressando tudo que havia guardado durante o dia, porém que aquela audiência sabia o que era e sentia o mesmo. A bateria e a guitarra com ritmo simples que apenas servia como base das letras da música. Óbvio que eram importantes. Mas a letra era aonde continha cada detalhe minucioso do que aqueles ali sentiam.

Foi em direção ao bartender e pediu a bebida mais grotesca que poderia. Não importava o sabor, importava o quão rápido iria fazer efeito. Quem apreciava o sabor não saberia a emoção de estar ali e do que sentia. Apreciar é para quem se sente mais importante do que realmente é.

Meteu para dentro e foi aproveitar no meio da multidão o que saía das caixas de som que vinham do palco. O ruído que muitos descreveriam mas que era tudo que ela precisava naquele momento.

No meio das pessoas e do som que permeava aquele lugar, percebeu que uma pessoa olhava para ela com mais intensão do que apenas curiosidade. Não importava, iria se aproveitar daquilo. Chegou e falou “Você é apenas o próximo pedaço de carne que eu vou tirar meu prazer”. Foi ao banheiro sujo e nojento. Transou com o cara como se fosse apenas mais um movimento involuntário. Não foi nada surpreendente e na verdade estava mais para decepcionante. Não era para isso que estava ali. Precisava de algo a mais.

Logo voltou ao centro de onde toda ação acontecia. Era melhor esquecer que aquilo havia acontecido e que ainda tinha muito a acontecer naquele lugar e naquela noite. Não seria a primeira vez que se decepcionaria, mas nada impediria de se surpreender e fazer aquela noite ainda valer a pena.

Continuou aproveitando a noite e aquele lugar. Horas se passaram, no entanto não parecia que mais do que alguns minutos haviam decorrido no tempo em que esteve lá. Sabe-se lá que horas eram, mas havia encontrado o que queria. Uma moça que apesar de estar naquela multidão, estava tão sozinha quanto ela mesmo estava. Sabia que era o que precisava. Não perdeu muito tempo antes de se aproximar dela e logo conquistá-la. Agora sabia que a noite não seria uma perda total.

Aproveitaram um pouco do show até decidirem voltarem para o pequeno quarto aonde ela vivia. Não tinha tempo para perder e cada segundo que passava sem aproveitar do que poderia, tornava aquela noite como uma decisão sem volta.

Chegaram no quarto do hotel vagabundo e logo se atracaram. Iria ali tirar todo o prazer que poderia. Seria isso. Mais uma pessoa de que ela usaria até achar a próxima que a satisfaria. Tirou as roupas entre uma mistura das que estavam em seu corpo e a que estavam no corpo dela. A mistura era indistinguível. Usou o corpo que estava a sua frente para seu prazer e faria a sua noite não ser uma perda de tempo.

Assim que terminou, dispensou a que estava ali. O dia estava começando a nascer e não haveria mais graça. Estava na hora de esperar até a próxima noite para poder aproveitar o que viesse, fosse o que fosse.

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Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras

Gosto de escrever estórias e pretendo começar a escrever artigos relacionados a programação.