Acadia University Hall, Wolfville, Nova Scotia, Canada

O experimento

Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras
7 min readOct 5, 2022

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Andou com uma prancheta na mão na direção dele. Estava com um movimento apressado e nervoso, com a ansiedade à flor da pele. Era um grande evento e queria que tudo acontecesse como o esperado. Não poderia ter falhas. Já foi dizendo assim que chegou:

- Senhor, tudo está pronto.

- Quantas pessoas vieram? — respondeu.

- Conseguimos trazer quase metade da cidade. O restante ainda está resistente de vir.

- Esperei por mais, mas essa quantidade já deve servir.

- Concordo senhor. Já iremos começar?

- Sim, pode começar os preparativos, irei até eles.

A pessoa com a prancheta foi em uma direção contrária ao homem com quem falara, parecia que iria conversar com todos os envolvidos para poder estar tudo nos conformes e pronto para o seu momento.

O senhor foi se movendo para sair daquela ala mais escondida, os bastidores, e seguiu para o auditório, entrando pelo palco.

Olhou para a plateia.

Boa parte das cadeiras estavam preenchidas e nunca havia visto tantas pessoas reunidas. Talvez não caberia muito mais. Porém, isso estava dentro do previsto. O palco com base amadeirada era espaçoso e permitiria andar enquanto fizesse sua apresentação. Os alto falantes estavam bem posicionados e o teste de som já havia sido feito.

Moveu-se para o palanque pequeno e discreto, apenas com um microfone, enquanto acenava para a audiência e sorria.

Se ajeitou e começou com:

- Boa tarde senhoras e senhores! Muito obrigado por virem até aqui.

Foi recebido com alguns aplausos, tímidos e espaçados. Não parecia haver muito interesse na plateia e poucos realmente estavam engajados naquele momento. Não deixou-se abalar por isso e continuou:

- Chamei vocês aqui para lhe mostrar algumas verdades. Para mostrar o que os outros têm medo de admitir! Mas não se preocupe, pois eu prometo ser verdadeiro e não tentar enganá-los! — falou em tom alto e confiante.

- Sem mais delongas, vamos começar.

Apontando na direção que veio disse:

- Por favor, podem trazer.

Com isso, o assistente nervoso chegava acompanhado de duas pessoas que estavam empurrando uma caixa com estrutura metálica e paredes de vidro. Na parte frontal em relação a plateia havia um grande buraco, maior que uma bola de tênis. E dentro, tinha uma pessoa.

O assistente cochichou em seu ouvido algumas palavras e logo se foi com os dois assistentes após deixarem a caixa bem no centro do palco. Enquanto isso, vinha uma terceira pessoa com uma arma em mãos, parando próximo da caixa.

- Estão vendo essa pessoa? Esse é um bandido! Essa é uma pessoa que estava querendo fazer mal a vocês! — alguns emitiram um som de surpresa e outros de horror — Porém nós conseguimos pegá-lo antes de fazer qualquer coisa. Não temos mais nada a fazer a não ser nos proteger de um perigo desse!

A plateia começava a ficar agitada e nervosa. Pareciam com medo daquela pessoa, mesmo dentro da caixa. Como podiam deixar um bandido perigoso assim tão perto deles!

Vendo a agitação, prosseguiu:

- Não se preocupem! Entendo que estão com medo, mas temos aqui a solução! Nosso assistente ao lado irá nos ajudar com isso.

A pessoa que estava dentro da jaula começou a entrar em desespero ao ouvir essas palavras. Começou a bater contra as paredes de vidro e gritar por socorro, apenas assustando ainda mais a plateia.

Não demorou muito para o assistente se posicionar na parte frontal, colocar a ponta da arma pela entrada que o buraco deixava e descarregar a arma até não ter mais nenhum tiro. Ao mesmo tempo, a pessoa ia gritando de dor até o momento que não pode mais, e internamente, a caixa ficar toda marcada de sangue.

- Viu? Disse para não se preocuparem! Resolvemos esse problema e agora ele não é mais nenhum perigo a sociedade!

Mal terminou de falar as palavras e algumas pessoas já iniciaram palmas e assobios de aprovação. Ainda era uma parcela pequena daqueles envolvidos, mas eram mais do que inicialmente.

- Por favor, retirem.

Ao mesmo tempo em que o assistente armado ia embora, dois assistentes vinham às pressas para remover a caixa do palco.

- Acabamos com essa ameaça aos cidadãos de bem! Nenhum de vocês, cidadãos de bem, precisam ter mais medo! Estou aqui para resolver esse problema.

Olhou como que sinalizando para continuarem a apresentação. Novamente, os dois assistentes vieram trazendo outra caixa bastante parecida, porém essa com um buraco no fundo. Trouxeram uma mangueira grossa e estranha, e a colocaram no buraco, vedando qualquer espaço que tivesse entre os dois. Ali dentro, uma mulher estava.

Agilmente, um dos assistentes trouxe uma pequena mesa que continha uma máscara e um martelo, colocando ao lado da caixa. Voltou ao lugar de onde veio.

A mulher dentro começou a bater e parecia pedir ajuda. Pedia para que alguém a tirasse de lá. Mas o som era abafado, ninguém conseguia ouvir, apenas ver sua face de desespero e sua boca mexendo.

Passando alguns segundos ela começou a tossir. Estava tossindo bastante. Nada parecia diferente na jaula. No entanto ela continuava tossindo e agora parecia que estava tentando respirar e não conseguia. Enquanto isso dizia:

- As pessoas pedem para eu fazer algo, mas como posso fazer? Se eu usar o martelo e quebrar o vidro, um gás mortal iria vazar para esse auditório. — a plateia dava um suspiro de medo — E a máscara? Vocês acham que uma mascarazinha dessa vai protegê-la? Se ela tiver em boa condição física, ela vai conseguir sobreviver a isso.

A mulher tentava de forma agressiva quebrar o vidro. Tentou tapar o buraco e até remover o que prendia a mangueira ao ambiente que estava. Todas as tentativas eram fúteis. E sua falta de ar apenas aumentava. O gás não deixava ela respirar. O gás estava destruindo seus pulmões e vias áreas.

Parou de se mover.

- Criticam-me. Dizem que não me preocupo com as pessoas, não tinha nada que eu poderia fazer! Eu colocaria todos nós em risco? Não, nunca iria machucar pessoas como vocês! Além disso, ela havia falado mal de muitos de vocês!

Ao ouvir essas palavras, metade da plateia se moveu com fúrias gritando a favor da morte da mulher, para logo depois aplaudir o que ele tinha feito. Como não poderiam agradecer alguém que lhes salvou da morte? E ainda conseguiu levar junto alguém tão ruim como ela! Era mais do que merecido.

Novamente, os assistentes vieram e tiraram tudo. Mas, dessa vez, uma pessoa levantou da plateia e disse:

- Você poderia ter salvo ela! Poderia ter desligado o gás! E mesmo que ela tenha falado mal de nós, ela poderia pedir desculpa! Você poderia ter ajudado ela!

Seu rosto se encheu de fúria enquanto disse:

- EU NÃO PODIA FAZER NADA, TÁ BOM!!!??? Você é um que quer fazer mal a gente! — se virou ao restante — Ele se infiltrou aqui para mentir para vocês!

Enfurecidos, começaram a atacar coisas e os mais próximos davam socos e pontapés, até que desmaiou. Sinalizou para os assistentes removerem a pessoa e continuou:

- Ainda bem que identificamos antes de coisas piorem acontecerem. Não se preocupem, meus assistentes irão garantir que ele não traga mais problemas.

Ainda mais pessoas da plateia aplaudiram.

Continuaram o evento como se nada tivesse acontecido e logo veio mais uma caixa. Dessa vez, uma mulher bem magra estava dentro. Parecia que não havia se alimentado a dias. Mal conseguia se levantar e olhar direito para o que estava acontecendo. Havia pequenos buracos na caixa, e os assistentes colocaram uma mesa e cadeira ao lado. Depois, veio um prato com um grande pedaço suculento de carne.

O palestrante saiu do palanque, foi em direção a mesa e se sentou. Começou a comer enquanto a mulher ao lado nem forças tinha para olhar o que estava acontecendo.

Ficou comendo por alguns minutos. Era muita comida. Lambuzou-se com o molho. Comia enquanto pedaços iam caindo no chão. Desperdiçava a comida e comia como se não estivesse na frente de várias pessoas.

Terminou.

Um assistente veio e limpou seu rosto. Ao olhar, a mulher já não se movia mais.

Voltou ao palanque.

- Como pode ver, olha o que ELES fizeram com a pobre mulher! Ela não comia a dias! Fizeram ela passar fome! Nunca tiveram pena de dar nada a ela, nem os restos! E ainda me culpam pela fome dela! Que absurdo!

A plateia foi ao delírio. Palmas, assobios, gritos de alegria e euforia. Nunca estiveram tão felizes. O apoio já era quase total.

Depois de a plateia se acalmar, disse:

- Muito obrigado. Muito obrigado. É bom saber que pessoas sensatas como vocês estão vendo a realidade. Eu faço o que posso, mas o mau está sempre tentando me destruir e difamar. Fazem coisas terríveis e jogam a culpa em mim. Como isso é possível?

Algumas vozes concordaram.

- Eu agradeço muito a participação de vocês. De verdade. Mas não podemos parar agora.

Dessa vez nem sinalizou e já continuou:

- Para o nosso próximo exemplo, temos essa garota de dez anos…

- Senhor, terminamos. Os resultados já estão prontos.

- Como que foi?

- Os resultados foram ótimos! A maioria das pessoas presentes aprovaram seu discurso e estão do seu lado. Elas defendem que temos que fazer algo contra o “mau”.

- Bom saber. E quanto aos que não concordaram?

- Eles estão aguardando em uma sala. Por que pergunta?

- Porque podemos usá-los nos próximos experimentos. Assim aniquilaremos eles e não precisaremos mais usar os nossos…

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Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras

Gosto de escrever estórias e pretendo começar a escrever artigos relacionados a programação.