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Velas Negras

Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras
5 min readJul 30, 2024

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Só consigo ver a luz amarela-alaranjada, pulsante e dançante. A minha visão está bem embaçada e não consigo distinguir formas e figuras. Apenas a luz que toma e sobrepuja toda e qualquer cor daquele ambiente exceto pelas áreas em que a luz não consegue alcançar.

Forço a me levantar, porém meu corpo está muito pesado e estou desprovido de forças. Tento mover meu braço mas nada acontece, nem um leve tremor que causasse qualquer agitação.

O que está acontecendo comigo?

Minha respiração começa a ficar rápida e curta. Começo a sentir uma pressão e um aperto perto do meu peito e sinto que minha boca está salivando algo ácido que faz minha boca formigar aonde a saliva encosta, mas mesmo assim uma secura adentra minha garganta e parece que estou com algo entalado nela.

Aos poucos vou recobrando minha visão e começo a distinguir os detalhes mas meu estado já não está bom o suficiente para observar muito… vários galhos, o teto parece ser feito de galhos entrelaçados com cipós e folhas secas formando um telhado côncavo de cor de madeira quase acinzentada.

Não me recordo de como vim parar aqui, mas estou deitado sem conseguir reagir e este lugar está me dando nos nervos…

Tento olhar ao redor e distinguir alguma coisa, mas o ambiente ainda está muito escuro mesmo com a luz… consigo ver algumas chamas… duas… elas estão dançantes e pulsantes e como a luz assim que acordei, porém não consigo ver muito.

Com esforço consigo virar minha cabeça para olhar para o outro lado e vejo grandes formas negras, com as silhuetas bem delineadas em contraste com a luz que vinha de suas costas, provavelmente de velas como as que vi no outro lado.

Forço minha visão… forço ainda mais e consigo perceber que aquelas formas são… mantos? Mantos negros que cobriam o que só poderiam conter pessoas dentro dado seu tamanho.

Porém silêncio.

Nenhuma palavra sendo dita, nenhum som sendo emitido.

O meu nervosismo começa a tomar meu corpo e sinto o formigamento fluir da minha

cabeça para o restante do corpo tornando a paralisia ainda mais angustiante e inquietante. Minha respiração está afobada, em ritmo acelerado, como se corresse para respirar e adentrar o ar, mas ele logo foge de meu corpo e preciso tentar novamente capturá-lo mais uma vez para meus pulmões antes que fujam novamente.

Uma das figuras pretas começa a se movimentar em minha direção com um leve ziguezague dançante, com um passo rápido e um tempo parado de “descanso” para o corpo e o manto se juntarem.

E dá um passo. Mais outro. E um terceiro… mesmo com cada passo não consigo distinguir nenhuma face, nenhum traço humano naquela forma… e se mergulha em minha direção como uma onda de fumaça negra que se choca e quebra com o meu corpo.

Não sinto nada. Nem como se fosse uma brisa que se chocasse com o meu corpo.

E a figura some.

Assim que se choca com meu corpo forma essa nuvem enegrecida que aos poucos se dispersa e não há mais nada.

Repentinamente minha visão começa a ter flashes pretos, como se estivesse vendo outra coisa mas que meus olhos ainda não eram permitidos a ver.

Mais uma figura se aproxima com o mesmo ritmo dançante… como… como… uma valsa?

A figura se aproxima e se choca contra meu corpo novamente como uma onda do mar que vem com força para te derrubar mas não faz nada quando atinge seu corpo…

Estou no meio de uma floresta… está bem nublado e as árvores são altas e com tronco acinzentado, porém folhas verdes em tons mais escuros.

Sinto que estou atravessando esse lugar em um ritmo rápido até me deparar que estou correndo… estou com dificuldade de respirar, ofegante… porém continuo correndo através dessa floresta densa e sem sinal de vida…

Minha visão volta para a cabana e outro vulto se aproxima de mim, porém minha visão fica alternando entre eu correndo na floresta e eu deitado e imóvel na cabana com o vulto se aproximando…

Corro e corro e começo a sentir minhas coxas queimarem, meu pulmão ter dificuldade de manter o ar… e assim que a figura se choca contra mim…

“Você é nada…”. Um sussurro vindo da direção do vulto chega até meus ouvidos.

Continuou correndo e minha visão fica alternando entre a cabana e a floresta e outro vulto vem em outra direção…

Na floresta começo a ficar exausto e cansado, mas preciso correr. Preciso correr! PRECISO CORRER!!!

  • Me ajudem! Por favor, alguém me ajude! Estou cansado!

Outro vulto se choca contra mim… “Uma decepção…” num sussurro com um tom de prazer ácido porém sutil.

  • SOCORRO! NÃO AGUENTO MAIS! ALGUÉM POR FAVOR ME AJUDE! POR FAVOR! — começo a gritar em tom cada vez mais desesperador.

Outro impacto! “Ninguém aqui para você…” num tom paradoxalmente calmante…

Começo a entrar em desespero e meu corpo tenta futilmente se movimentar e chacoalhar, porém nada acontece. Nada acontece.

Minha respiração está ofegante.

Muito ofegante.

Não sinto o ar entrando.

Algo está preso na minha garganta.

Grito e grito! GRITO! GRIIIITOOOO!

EU PRECISO GRITAR! EU PRECISO!

  • ALGUÉM? ALGUÉM ME AJUDE! POR FAVOR! NÃO AGUENTO MAIS!

Enquanto sinto que meu corpo está correndo no máximo e no limite da exaustão, todo ardente, como se meus músculos estivessem indo além do limite.

“Você nunca terá alguém…” — o choque vindo com uma risada de deboche logo em seguida das palavras.

Frio.

Sinto muito frio.

Mesmo correndo. Mesmo sem parar. Frio.

Por favor, por favor, alguém me ajude…

Sinto parte do meu corpo quente, como se algo emanasse calor e estivesse sendo expelido do meu corpo… porém… muito… muito frio…

Sinto que… sinto que…

Mesmo com a respiração ofegante, mesmo com os delírios da floresta… ou seriam os delírios da cabana? Meu corpo se esvai… decai… está em declínio…

Corro e corro e parece que a floresta está se fechando e escurecendo ao meu redor…

Não aguento mais. De verdade, eu não aguento mais. Quero poder desistir e parar. Quero poder só desistir, mas meu corpo não para e não consigo. Não aguento… por favor, alguém me ajude… por favor, eu quero parar…

E os choques continuam… cada voz… cada vez vindo de um lugar diferente… cada vez uma mensagem diferente… cada vez mais me deixando…

A floresta escurece ao ponto de que não vejo mais nada… e ali estou de volta à cabana.

Dessa vez, não há mais flashes. Não há mais intercalação entre duas realidades, entre dois momentos.

Só silêncio.

Só a paz inquietante e perturbadora.

A luz da vela balançando, se projetando por todo aquele ambiente…

Olho uma das velas.

A luz é forte e não consigo focar muito, mas desce uma gota de cera.

Uma gota negra.

Preta, como puramente desprovida de qualquer cor ou luz.

Que se move ao descer a vela.

Até alcançar o castiçal…

Tão escura…

E assim que minha visão sai da vela, vejo novamente as figuras ao meu redor.

Várias.

Mesmo sendo difícil de distinguir onde começa e termina uma, sinto que ali tem muitas…

O frio…

O frio domina meu corpo…

Mas sinto partes do meu abdômen, entre as costelas, um calor desconfortável…

Algo saindo de lá.

Olho na direção no máximo que pode e apenas vermelho… rubro…

Sinto que meu corpo entra em um estado de calmaria… e percebo que todos os vultos dessa vez fazem o mesmo movimento dançante, o mesmo passo de valsa em direção ao meu corpo…

E passo a passo, todos vem em cima de mim de uma vez e só consigo ver a Escuridão…

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Ricardo Rachaus
umvagabundosempalavras

Gosto de escrever estórias e pretendo começar a escrever artigos relacionados a programação.