Adaptabilidade Ágil e Transdisciplinaridade: as camadas do lifelong learner

Syl Ramon Verjulio
unboxlab
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8 min readNov 18, 2020

As tecnologias exponenciais puxaram a transformação digital em todas as esferas, mas, esta transformação não é apenas tecnológica. Ela é um processo (longo e complexo) que requer um novo jeito de pensar e de fazer. Requer uma estratégia que envolve transformações na cultura, nos processos, no mindset, nos modelos de negócios e na sociedade como um todo.

A aprendizagem é uma das lentes que nos empodera a fazer esta transição pessoal e profissional com menos atrito e com mais protagonismo. Mas, para aprender neste novo contexto precisamos de uma estratégia pensadamente digital, e isso significa que precisamos desaprender modelos, ferramentas e formatos para aprender de novos jeitos. Aprender a combinar recursos, remixar mídias, hackear teorias, mas, também aprender a incluir a diversidade, aprender sobre nós mesmos e reaprender a aprender.

Parece um jogo confuso de palavras (desaprender, aprender, reaprender), mas é pré-requisito para a complexidade cíclica e acelerada deste momento. Os sinais de mudança indicam que nossas atuações no mercado de trabalho serão cada vez mais transdisciplinares. Isso porque os problemas estão cada vez mais globalizados e complexos e nós estamos expostos a ondas constantes de novas tecnologias, que implicam em novas profissões formadas a partir da combinação de diferentes habilidades.

Além disso, acredito que a nossa empregabilidade estará cada vez mais evidenciada pelo que conseguimos fazer, demonstrando adaptabilidade ágil e cada vez menos pelos títulos que possuímos em profissões obsoletas ou com potencial de obsolescência. A senioridade adquirida em algumas skills não será passaporte para migrar automaticamente de profissão ou de função sem que você se torne um novato novamente. Em alguns casos, teremos até que desaprender técnicas que dominávamos.

Mas, o que está diferente? Você pode indagar. Talvez, a grande diferença é que nas décadas passadas, a gente mudava de função para outra muito bem mapeada, com um “job description” estruturado. Eram passos firmes e quase sempre lineares. Atualmente, essas mudanças são mais radicais e quase nunca há uma receita completa do que você precisa ter na bagagem ou precisará fazer para cumprir suas novas tarefas. Quando as novas tecnologias são inseridas na rotina de uma função, os colaboradores começam a combinar suas habilidades e capacidades para se reposicionarem. É um ajuste orgânico para aprender como continuar eficiente e estratégico apoiado pelas novas tecnologias. Por isso, você é um novato à vera, desbravando o seu próprio caminho, aprendendo coisas novas e somando experiências.

O futurista Kevin Kelly, um dos principais nomes sobre impacto das tecnologias emergentes na sociedade como um todo, enumera 3 motivos para acreditar que seremos eternos novatos e em ciclos muito rápidos:

Inevitável, Alta Books — Força “Tornar-se”.

Já o futurista brasileiro e membro do corpo docente da Singularity University, Tiago Mattos, tem mencionado muito sobre o sinal de mudança das “profissões virando skills”, com diversos exemplos em que as pessoas extrapolam a principal habilidade de sua profissão transformando-a em mais uma para se conseguir entregar valor ao cliente final. A mesma pessoa que fotografa, por exemplo, “tem que conduzir a gestão, a administração, as vendas, as mídias sociais (…) ou se cria mais habilidades ou não sobrevive”, comenta Mattos. Esta é uma pista importante para a “alquimia” das habilidades que observo nos lifelong learners.

De qualquer forma, o futuro do trabalho não precisa ser algo intimidador. Tem uma frase de Jon Kabat-Zinn, um dos mestres do mindfulness, que gosto muito de usar em minhas palestras sobre aprendizagem neste mundo VUCA (acrônimo de Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo), pois ela funciona muito para este contexto e necessidade de sermos protagonistas:

Jon Kabat-Zinn

O fato de não existir receitas para estes novos cenários corrobora para a validação da hipótese de que as habilidades “do futuro”, como já sinalizado em vários reports do Fórum Econômico Mundial (WEF) e do IFTF (Institute for the Future), serão a cerca de: “resolução de problemas complexos”; “criatividade”; “colaboração”; “liderança”; “antifragilidade”; “flexibilidade”, dentre outras human e soft-skills. Em comum elas ressaltam nosso poder de empatia, análise, estratégia, comunicação e ação. Muito da adaptabilidade ágil citada no início.

Fazendo um parêntese… Nós temos a necessidade de aprender e de se reinventar, sim, mas temos também muita informação e muitos caminhos. É comum a gente não conseguir priorizar. Neste sentido, o atalho para fugirmos da paralisia causada pela infoxicação, pelo medo e pela avalanche de mudanças, é começar a resolver os problemas reais com novas lentes, se permitindo estar vulnerável. É uma postura ativa de filtragem e curadoria da nossa própria aprendizagem. Aprender e se conectar com pessoas a fim de testar rapidamente os novos conhecimentos e ganhar discernimento do que funciona ou não na cultura de onde trabalhamos e até para nós mesmos — como indivíduos.

No meu artigo anterior, comentei sobre a necessidade de fazer upskillings na prática porque o processo de aprendizagem precisa de aplicação para ser completo. Afinal, aprender tem a ver com experiência. Também cito que a responsabilidade pelos constantes upskillings e reskillings são de três atores: governo, empresa e a gente. O protagonismo é nosso, no entanto, a atualização das habilidades deve ser um papel coletivo e social. Sem o apoio das empresas para essas capacitações e sem investimento do governo para requalificar a população, o abismo da desigualdade tende a aumentar de forma alarmante.

Adaptabilidade — Imagem da internet

No início da quarentena, devido a pandemia da Covid-19, o Unboxlab, o laboratório de inovação do qual faço parte, identificou que algumas funções da nossa empresa ficariam temporariamente com suas atividades suspensas, pois o modelo de negócio delas eram essencialmente presenciais. Desenhamos uma estratégia de tiro curto para promover ações de upskilling e reskilling. A iniciativa envolveu posteriormente mais algumas áreas de empresa e teve um impacto incrível de interesse, aderência e de resultados. Desde então, estamos observando as taxas de obsolescência de outras funções, assim como, presenciado a inauguração de papeis que mal sabemos nomear.

A imersão na temática do upskilling e reskilling serviu para me conectar com diversas forças, buzzwords e movimentos do que era um lifelong learner. Em linhas gerais, esse título é atribuído para as pessoas que conseguem decifrar o contexto atual e atualizarem-se constantemente por meio dos desafios e conflitos da vida como um todo. São perfis que aprenderam a aprender, que reconhecem suas fraquezas e fortalezas, são curiosos, vão além da aprendizagem formal, estão disponíveis para experimentarem novas possibilidades, não sabem de tudo, mas procuram investigar proativamente e se antecipam às coisas que fazem sentido naquele momento. São praticamente autodidatas, conectados em diversas redes, desenhando suas próprias jornadas de aprendizagem.

As referências sobre tudo isso são recentes. Sendo assim, juntamente com meu time, nos dedicamos a identificar quais eram as camadas do lifelong learner com o objetivo de compartilhar com a comunidade não apenas as possibilidades de futuros utópicos e distópicos ou de alardear caos e fórmulas mágicas, mas, de trazer consciência a todos aqueles que desejam estar mais bem preparados.

Fizemos o framework abaixo como um primeiro exercício de explicitação para hackearmos o perfil do lifelong learner e identificarmos as condições favoráveis para ocorrer a transdisciplinaridade:

Camadas do Lifelong Learner versão 1.0 by Unboxlab

A primeira camada ressalta que é necessário aprender habilidades técnicas em ciclos rápidos. Vale lembrar da menção ao Kevin Kelly de “eternos novatos”. A profundidade de conhecimento deverá ser parametrizada pelo desafio a ser resolvido por você no momento vigente. Se você identificar que precisa aprender o básico de uma ferramenta, tudo bem. Se você identificar que precisa se especializar muito em alguma metodologia, tranquilo também. Aprenda o necessário. Desapegue-se de encher o currículo com mil certificados, pois ele não diz o que você sabe fazer.

A segunda camada é a base do sucesso porque envolve o aprendizado de habilidades transversais que lhe dará agilidade para se adaptar a diferentes cenários. Aprender a aprender. Aprender a colaborar, a ser antifrágil, a enxergar holisticamente, ter letramento digital, manusear tecnologias emergentes e saber liderar, por exemplo, é o que vai tornar mais fluido a sua performance e a sua movimentação. São habilidades que lhe dão autonomia e criam possibilidades, favorecendo com que você aprenda no fluxo da vida.

A terceira camada tem a ver com nossa capacidade de evolução como cidadãos e com as nossas percepções de mundo. É uma esfera um pouco além das habilidades técnicas e comportamentais, tem a ver com o nosso poder de reflexão e de reinvenção. Manter antigas crenças e vieses podem inviabilizar a aquisição e o desfrute de novas possibilidades mais contextualizadas, éticas, justas e plurais. É a lente do que te move.

A quarta camada deixa tangível o quanto estamos praticando as camadas anteriores. O quanto estamos expostos ao novo, o quanto estamos entregando de valor em novas funções, o quanto conseguimos criar novas soluções, quais aprendizados diferentes tivemos nas últimas experiências, quais papeis temos desempenhado, o quanto estamos confortáveis por não sabermos tudo de tudo e quais recursos combinados estamos utilizando para alcançar tudo isso. Este é o seu novo currículo.

Sobre esta última camada, a transdisciplinaridade é uma capacidade riquíssima. Ela nos permite hackear a resolução de problemas complexos e aproveitar melhor as oportunidades por meio das remixagens de skills. É o saber fazer sem estar preso a caixinhas. Ao invés de utilizarmos a técnica de uma disciplina ou de outra e fazer um processo primeiro para só então poder fazer o outro, a gente passa a ter uma visão mais completa, mais contextualizada e, por isso, mais ágil de quais opções temos para avançarmos. O repertório de diversas habilidades coexistindo é uma ferramenta poderosa de intercâmbio e formação de novas disciplinas.

Por meio do mindset de adaptação ágil, propulsor da segunda camada, a gente consegue contribuir e aplicar mais facilmente a transdisciplinaridade. Estes são trunfos de um lifelong learner.

Tudo isso que foi dito até aqui está diretamente relacionado a pessoas. Porém, quando pensamos em empresas, o cenário não muda muito. As empresas têm perdido sua relevância ou ganhado destaque também pela capacidade de adaptação ágil. As companhias, de qualquer tamanho, são — no fundo — um conjunto de skills capazes de serem combinadas e de se anteciparem (ou não) aos desafios do mercado. Josh Bersin, referência mundial em tecnologias aplicadas à gestão de pessoas, diz que “não importa quantas pessoas você tenha, mas o que elas são capazes de fazer”.

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Syl Ramon Verjulio
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Thinker e maker para coconstrução de futuros mais empáticos, relevantes e inovadores. #designthinking #learning #innovation