Upskilling na prática: como desenvolver as habilidades dos novos futuros

Syl Ramon Verjulio
unboxlab
Published in
9 min readMay 14, 2020

Começo o recorte desse tema com três ingredientes que juntos servem como pano de fundo para este nosso momento, mas, que às vezes, a gente enxerga de maneira separada ou por um descuido a gente deixou passar:

· O primeiro ingrediente é o contexto do mundo VUCA (e agora BANI). Certamente, todo mundo viu esse termo em algum momento. Na TV, na internet, num workshop ou durante um papo cabeça com amigos.

· O segundo ingrediente é aquela espiadinha que fazemos do futuro pesquisando por listas mágicas de “novas carreiras; “carreiras do futuro”, sempre perseguindo o spoiler daquele dado alarmante de que até 2030 cerca de 85% das carreiras serão novas.

· E, o terceiro ingrediente que acrescento é o imperativo de aprendermos sempre. É a busca protagonista para aprendermos continuamente no fluxo das nossas vidas. São os conceitos embarcados em lifelong learning e em learning in the flow of life.

Muito tem sido falado sobre esses assuntos. Por isso, vamos conectá-los… Se o mundo é incerto, ambíguo, complexo, volátil; se as novas carreiras serão criadas a partir de novos negócios e ofertas (que ainda nem existem); se devemos aprender todos os dias no fluxo da vida; se a aprendizagem é um processo; por que aprender ainda é embalado como um produto, é linear, controlado e desenhado para ser praticado fora da emergência diária?

Este contraste da forma como lidamos com a aprendizagem me chamou muito a atenção quando me deparei com o upskilling e reskilling que todos nós faremos nestes possíveis novos futuros. Todos nós, em algum momento, precisaremos aprimorar nossas habilidades atuais e aprender habilidades inteiramente novas. A pandemia do Covid-19 só reforçou isso.

Tradução e interpretação livre

A resposta para esta nova lente requerida na aprendizagem não é simples, muito menos exata. Porém, temos pistas interessantes para um novo caminho. Pegue o seu café e vamos refletir juntos… 😊

A primeira inquietação aparece no livro “Range: Why Generalists Triumph in a Specialized World” (em português, “Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas”), onde o autor David Epstein traz provocações e contrapontos à hiperespecialização precoce.

“Muitas vezes, aprendemos que, quanto mais competitivo e complicado o mundo fica, mais especializados devemos nos tornar (e mais cedo devemos começar) para navegá-lo.” David Epstein

Epstein cita exemplos de atletas que chegaram ao topo do mundo em suas carreiras e destaca uma curiosidade quase sempre oculta de suas trajetórias: a especialização tardia. Profissionais completos em sua especialidade, mas que tiveram momentos de experimentação liberal no início de suas carreiras. Separei este gráfico do livro que mostra os atletas de elite focando numa prática deliberada somente na adolescência. Lembrando que os atletas têm uma carreira bem curta, portanto, o “normal” é que desde muito pequenos eles tenham treinamentos intensivos e dedicados aos seus esportes.

By “Range: Why Generalists Triumph in a Specialized World”, David Epstein

O livro também cita como exemplo, a própria seleção de futebol da Alemanha que venceu a Copa do Mundo no Brasil. Muitos atletas alemães, responsáveis pelo famoso massacre de 7x1 na seleção brasileira, passaram a infância no futebol amador e praticando outros esportes, somente depois é que eles focaram no futebol profissional.

Fora do esporte, o autor faz outras constatações:

“Encontrei uma série de estudos que mostraram como os inventores tecnológicos aumentaram seu impacto criativo acumulando experiência em diferentes domínios, em comparação com os colegas que se aprofundaram mais em um; eles realmente se beneficiaram com o fato de sacrificar um mínimo de profundidade, de forma proativa, pela amplitude, à medida que suas carreiras progrediram. Houve uma descoberta quase idêntica em um estudo sobre artistas”. David Epstein

Este trecho é bem interessante pelo termo AMPLITUDE.

A nossa vantagem injusta para responder aos problemas complexos desse mundo VUCA caminha, na minha opinião, de mãos dadas com o nosso repertório. Com a nossa bagagem plural, com a capacidade de realizarmos conexões. Caminha com o pensamento lateral. Com as lentes de diversidade e de exploração abrangente de cenários. A inovação, um elemento tão requerido nos tempos atuais, nasce assim.

E pego esse gancho do David porque acredito muito na transdisciplinaridade como guia do upskilling necessário atualmente. A amplitude permite você experimentar e stalkear outras habilidades, sem mudar a sua área de atuação. Mas, se você se perceber mais inclinado a mudar o rumo da sua carreira e fazer um reskilling, tudo bem. O mundo é ambíguo, lembra?

Ao que parece, o mais arriscado é tornar-se um profundo conhecedor de apenas uma parte do problema, ser megaespecialista numa única pecinha porque estamos diante de um quebra-cabeças de alta complexidade. A curto prazo a estratégia de hiperespecialização é muito boa, porém, a longo prazo, a gente pode se tornar muito restrito.

Upskilling transdisciplinar:

By Unboxlab adaptado da visão linear e não linear de carreiras da Aerolito
e do conceito de intraempreendedorimo de Sara Sarasvathy

Uma das formas mais práticas de se adquirir essa amplitude e fazer upskilling naturalmente é começar a cocriar em times multidisciplinares. É pegar um problema real para resolver e conseguir investigar suas causas raiz. É ter experts de diferentes habilidades que consigam olhar para este mesmo problema e extrair diferentes possibilidades. Esse trabalho colaborativo ajuda na expansão dos horizontes, na ressignificação do próprio problema a ser resolvido e na riqueza da solução que será construída.

É uma aprendizagem que acontece no meio do caminho, como um processo. A cada novo post-it escrito pelo grupo, uma possibilidade de: nova pergunta, nova pesquisa, novo contato, novo vídeo assistido, nova escuta do cliente, nova empresa para o seu ecossistema, novo lugar apresentado, nova demonstração realizada, novo livro acessado, nova tecnologia explorada, novo autor acrescentado, novo teste feito, novo especialista consultado, nova atividade realizada, novo mundo que se abre. É uma grande oportunidade para geração de insights e de soluções inovadoras. Bem como, é o momento que você identifica suas lacunas de aprendizagem.

Ou seja, upskilling na prática não é algo previsível, linear e extenso. Estamos falando de programas curtos e imersivos, sob demanda, com pessoas aprendendo novas habilidades organicamente no fluxo do trabalho e da vida.

Aprenda no flow — Imagem da internet

Após este tipo de experiência, normalmente presenteada pelas abordagens do design thinking e do service design, uma nova lente é adquirida. O participante agora tem um jeito mais amplo de olhar para os problemas, não só considerando a sua área de atuação e o seu viés. E, de quebra, o participante ganha uma “lista de coisas pra continuar aprendendo” com o seguinte diferencial: ela se inicia pela necessidade, urgência, interesse, um motivo real para ser alcançada. O participante sabe que vai começar a ter benefícios instantâneos ao eliminar seus GAPs. Aplicação, prontidão e necessidade são princípios básicos da aprendizagem de adultos.

Resolver problemas complexos de forma colaborativa me parece um excelente caminho para nos desafiarmos e evoluirmos. Sem esses gatilhos, você provavelmente faria várias promessas para si mesmo porque teria dificuldade de priorizar, de recortar o que você precisa aprender, como: “ah, esse ano vou estudar sobre Data Science”. “Eita, essa empresa aqui tem vários cursos com nomes suuuper descolados, vou comprar logo uns 3, só não sei quais”. “Tenho uns 10 livros empilhados me esperando, mas prometo que vou começar a ler neste sábado”. “Todo mundo falando desse tal machine learning, vou me inscrever nuns cursos da empresa e ver o que é”. “Tô seguindo 14 podcasters, só não consegui escutá-los ainda”. Se identificou? :-P

Quando olhamos as habilidades listadas para “o futuro”, temos em geral: Criatividade; letramento digital e conhecimento de novas tecnologias; pensamento crítico; adaptabilidade; resiliência; colaboração, flexibilidade cognitiva etc. Todas elas conversam muito com a amplitude generalista. Quem tiver mais repertório tende a sofrer menos impactos nas transformações.

Aliás, tem uma outra habilidade superimportante para realizarmos progressos, para alcançarmos upskilling mais ágeis. Trata-se da habilidade de “aprender a aprender”. Acredito que antes da pandemia, essa era mais uma das coisas que muita gente deixou para ver quando fosse possível. E, para variar, a crise acelerou isso em nós. Tivemos de desaprender muitas coisas e aprender muitas outras em curtíssimo prazo. Se nos conhecêssemos mais, se tivéssemos acesso a ecossistemas de aprendizagem, talvez a tecnologia teria nos ajudado a aprender com menos fricção. Ter um ecossistema de aprendizagem fluido e baseado em inteligência artificial pode ser um grande atalho para upskillings e reskillings em nossas vidas.

Lembra do dilema no livro do David Epstein? Agora que já exploramos problemas, degustamos novos sabores, conhecemos novos mundos é hora de acelerarmos a especialização naquilo que estiver fazendo mais sentido para a gente. Você terá mais agilidade e clareza do que buscar.

Falando em buscar… Lembrei do protagonismo. O upskilling e o reskilling pode ser responsabilidade de três atores:

· Colaborador

· Empresa

· Governo

O governo precisa manter a economia aquecida e, no mínimo, garantir um menor abismo entre os cidadãos qualificados a algum trabalho e aqueles cidadãos que começam a ser inutilizados por futuros altamente tecnológicos, mas sem empatia. As empresas precisam investir (proativamente) para ter times autônomos e antifrágeis, que produzam soluções inovadoras. E você precisa ser um camaleão, o ninja da adaptabilidade e se reinventar sempre. Invista na sua capacidade de se conectar, de aprender e de crescer.

Alguns profissionais poderão ter receio de trocar de carreira. Mas, lembrando do nosso contexto inicial neste artigo, a transição será quase inevitável. O mundo está volátil e incerto… Estamos no início de uma grande revolução do trabalho: novos mercados, novos cenários, novos modelos de negócios, novos produtos, novas tecnologias. Que tal olharmos o copo meio cheio e levarmos bagagem e experiência para novos lugares?

Um estudo produzido pela Tera e a Scoop&Co, em 2019, com mais de 400 profissionais do Brasil, aponta para a fluidez de carreiras. Os dados dizem que 63% das pessoas já mudaram de carreira e que 48% pretendem mudar em até 12 meses. Quando se investiga o motivo, temos que 70% querem uma carreira mais alinhada a seus interesses e propósitos de vida e 62% querem aprender novas habilidades e competências.

Mais uma vez, ganhar amplitude pode ser mais significativo do que a hiperespecialização precoce. Muitos profissionais extremamente especialistas e que não agregaram skills digitais generalistas em sua jornada se sentem ameaçados hoje em dia. Não recebem apoio da empresa para experimentarem carreiras laterais e não conseguem hackear novos caminhos. Falta agilidade para se adaptarem.

By @lax_tirinhas, Instagram, 2020

Para fechar essa reflexão, menciono um estudo fantástico do Boston Consulting Group (BCG), realizado no ano passado, com mais de 350 mil pessoas do mundo inteiro, que apresentava a seguinte informação: 61% dos profissionais sentiam seus trabalhos e suas habilidades impactados pelas megatendências globais. Bem provável que esse número tenha aumentado pós-pandemia com muita gente se questionando sobre a manutenção dos seus empregos, rendas, mercados, profissões, mas, o alerta já estava acionado para mais da metada da população interrogada.

O estudo sugere quatro perfis de aprendizes:

1. Lifelong learner — é o perfil de quem já está no flow da aprendizagem e de autoreinventar-se constantemente.

2. Adaptador proativo — é o perfil de quem sabe que a pressão está aumentando e já dedica um bom tempo para seu upskilling.

3. Espectador — perfil de quem não acredita muito nesse papo de grandes transformações e por isso não investe quase nada em aprendizagem.

4. Hesitante — o perfil de quem quer ver pra crer. Por enquanto, não se dedica a nenhuma ação de upskilling e reskilling.

As dicas para alcançarmos o perfil de ideal, que é o de lifelong learners, é aprender a aprender; atuar em redes colaborativas; hackear conhecimentos de outras especialidades; sair da zona de conforto e se envolver na resolução de problemas complexos; experimentar; aprender no fluxo da vida (errando); priorizar as habilidades que te dão amplitude; se especializar naquilo que fizer muito sentido; cogitar a troca de carreira e se preparar para isso acontecer com naturalidade.

Bom… Mas, e você?! O quanto está aberto e caminhando para aprender novas habilidades?

Em qual perfil de aprendiz acima você se encaixa?

#boraseadaptar

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Syl Ramon Verjulio
unboxlab

Thinker e maker para coconstrução de futuros mais empáticos, relevantes e inovadores. #designthinking #learning #innovation