Growth é cultura. Pare de falar somente de aquisição e performance

Renato Galisteu
uncoolbr
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6 min readSep 8, 2020

Growth é uma cultura, não uma área. Quem é “de Growth” avalia todas as oportunidades em que a empresa pode crescer mudando determinados processos (ou mesmo os adicionando). E essas oportunidades de melhorias e correções de rotas estão em todos os departamentos da companhia. Por exemplo:

Melhorar processos de onboarding de novos funcionários para manter a “lua de mel” por mais tempo, entregando conteúdo que ajude os entrantes a entender a cultura da empresa, os processos e os times, assim como os papéis e responsabilidades, é primar pela “retenção” dos talentos.

Desenvolver um guia de cultura, como os da Netflix ou Hubspot, pode auxiliar e muito na adaptação ao novo ambiente de trabalho e às novas rotinas e metodologias. Sabemos que manter um funcionário é, em média, 2,5x mais barato que contratar novamente — e um funcionário engajado entrega mais e melhor.

Fazer otimizações para os motores de buscas na web (SEO) e lojas de aplicativos (ASO), alavancando aquisição orgânica é uma forma de growth. Criar uma estratégia de conteúdo que engloba uma série de formatos (podcast, vídeo, infográficos, ebooks etc) e uma boa distribuição aumenta o reconhecimento da marca e, com isso, a compreensão dos produtos e serviços, trazendo clientes que potencialmente vão ficar mais tempo com a sua empresa (melhorando o lifetime value — LTV).

O crescimento de uma empresa, afinal, é um conjunto de fatores.

Sean Ellis | Foto: Divulgação

… originalmente “Growth” veio de “Growth Hacker”, termo cunhado por Sean Ellis, em meados de 2010, que definiu esse profissional como alguém cujo verdadeiro compromisso é o crescimento — e todos os recursos são direcionados para melhorar o potencial de crescimento. Ele falava sobre startups com poucos recursos e que tinham que tirar o melhor do que tinham para mostrar seu potencial de crescimento e habilidade de gestão financeira.

Na sequência, a coisa desandou para a substituição do marketing “tradicional” para um “orientado a dados”, com esse photoshop de growth.

Side note:

Pesquisa qualitativa, ibope, TGI etc, são dados. Pergunta na Ambev, para o Ricardo Dias, se o marketing das cervejas era feito somente por intuição até a chegada do "growth", "data science"…

Andrew Chen | Foto: Divulgação

Notadamente, Andrew Chen (General Partner da Andreessen Horowitz, empresa de capital de risco do Vale do Silício, e ex-Uber), mudou a conversa da visão global (empresa) para a local (departamento) quando escreveu, em 2012, um artigo intitulado “Growth Hacker é o novo VP de Marketing”.

Ele exclui, nas discussões seguintes, branding, conteúdo, relações públicas e tantas outras funções do marketing e comunicação, dizendo que o marqueteiro tradicional não conseguiria compreender uma série de integrações tecnológicas para alcançar resultados. É uma ode ao marketing liderado por uma cabeça de engenharia.

Side note:

Como se construir uma marca e dar uma voz a ela não fosse um processo exaustivo, longo e emaranhado de canais de distribuição, materiais, pesquisas, dados e formatos.

E o que temos visto é exatamente isso acontecer: máquinas de aquisição de usuários, mas sem nenhuma estratégia de retenção, manutenção ou cuidado de fato com usuários. LTV ladeira abaixo, mas Custo de Aquisição por Cliente (CAC) mensal sempre controlado.

Depois disso, com a expansão do termo no Vale do Silício e o boom das startups, todas as conferência sobre o tema (que acontecem desde 2011) são sobre “o novo marketing”, “data-driven marketing” e essas buzzwords fortes que encantam aqueles que acreditam que mudar nomes de funções significa inovar (ou causam a sensação de inovação).

Growth requer a adoção de uma determinada metodologia, dados, processos e pessoas.

Porém, como uma forma superficial de mostrar que startups e empresas de tecnologia são grandes centros de inteligência e exemplos no uso de dados para aquisição de clientes, tudo virou Growth Marketing.

Só que dentro do Growth Marketing, essas mesmas empresas adicionaram somente a disciplina de performance em mídia para melhorar o CAC no curtíssimo prazo (um mês), desconsiderando uma série de outras coisas para fazer com que o LTV seja o ideal para o negócio.

Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), a matemática preferida do Twitter

Exemplo: se cada cliente novo custa pra você R$ 10, significa que você gasta R$ 100 para dez novos usuários no primeiro mês de atribuição.

Porém, no segundo mês, apenas 50% daqueles usuários do mês anterior estão usando seu produto/ serviço. Ou seja, o custo de aquisição desses clientes ativos subiu para R$ 20 cada. Em três meses, apenas três clientes se mantêm ativos (um custo para cada de R$ 33,33).

Em três meses, a empresa perdeu 70% dos usuários (churn) adquiridos recentemente. E, aí, entram os custos de CRM para reativar usuários (normalmente com algum sistema de bonificação ou cuponagem, acarretando mais custo).

O que as empresas fazem de modo geral? Corrigem o sistema de onboarding e a jornada dos novos usuários, para que eles engajem de modo recorrente com o serviço/ produto? Não.

A galera vai lá no time de data science para criar um novo modelo de aquisição para diminuir o CAC de R$ 10 para R$ 6.

Problema resolvido de verdade? Claro que não, a perda de usuário continua. Como diminuir a perda é, também, o que deve ser atacado.

Doido é que muito modelo de negócio que investidor compra é 100% baseado na capacidade de aquisição de usuários e não de engajamento e evolução do produto e entrega dos serviços.

Juro, já vi plano de negócio baseado no custo de aquisição do Facebook e de Joint Business Plan (JBP) do Google. Zero sobre desenvolvimento e melhoria do produto, ações de ativação e aumento da aquisição orgânica.

Em entrevista recente, Sean Ellis comentou sobre essa enorme confusão romântica em torno do significado do termo que cunhou — e do fato de que as coisas começaram a ser avaliadas por uma óptica microscópica.

“Growth hacking é sobre executar experimentações inteligentes para gerar crescimento para o negócio. Marketing é sobre experimentação para gerar crescimento também. O problema é que marketing também é sobre uma série de outras coisas”.

Nessa mesma entrevista, Sean Ellis afirma que (SIC) “A maior parte das coisas que os profissionais “tradicionais” de marketing faz não é atribuído de modo adequado no crescimento (da empresa).

Resumindo: as pessoas começaram a culpar os marqueteiros sobre gastos e desperdícios, em vez de criar modelos para validar as ações e atividades executadas por eles. Integração entre CRM de vendas e marketing para ter um rastro único do cliente? Não. Bora colocar tudo no Google "pois dá para prever". Típico.

No final das contas, parece que essas empresas que aplicam cegamente "Growth" como performance, em vez de se preocupar com as atividades core de seus produtos e serviços para manter as pessoas ativas, se tornam grandes empresas de mídia: “tenho 26 milhões de usuários”. UAU.

Growth, de fato, olharia todo o funil de aquisição, engajamento e retenção, e teria ações recorrentes e direcionadas (data science entra aqui para definir comportamento, tipos de uso etc) para manter os diferentes usuários ativos e dando sentido para o produto com o passar do tempo.

Se você só olha CAC, só cria modelo matemático para mídia e meios de distribuição, você não é uma pessoa de growth ou muito menos um hacker. Você é um cara de mídia, de performance, gastando rios de dinheiro com a justificativa de teste.

Cuide do crescimento de fato da empresa. Promova a cultura de Growth de modo amplo. E, acredite, um mundo onde criatividade e ciência de dados andam juntos é melhor que ficar procurando culpado.

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Renato Galisteu
uncoolbr

Marketer and Comms Pro. Noah’s dad, coffee addicted. Startups, leadership and marketing related topics only.