A sós
Curioso,
do lado de fora do estúdio, converso com o elenco da INTZ, vencedor da semifinal da Segunda Etapa do CBLoL 2019. Felizes, os jogadores debatem momentos do 3–1 contra a KaBuM eSports. Minha atenção se volta rapidamente por um vulto que passa por detrás deles, a passos largos, rumo ao calçadão que se estende até o final da rua.
Moletom com capuz fechado, calça preta e tênis vermelho, reconheço a figura. Me despeço rapidamente dos Intrépidos com um aceno geral e aperto o passo em direção à figura que vai diminuindo de tamanho conforme a distância aumenta.
Quase que sem pensar, chamo.
“Ranger!”
Reparo que o jogador já não caminhava rapidamente, e enquanto a dúvida sobre chamá-lo crescia em mim, arrisquei novamente.
“Ranger!”, falei, mais alto, no momento em que meus pés pararam de andar já entendendo que eu não deveria ter feito aquilo.
Para minha infelicidade, do lado do meu carro o passo do caçador da KaBuM cessou, e ele se virou. Cabeça baixa, óculos nas mãos. Rosto vermelho e muitas lágrimas, algumas que haviam vencido o esforço de Ranger e descido pelas suas bochechas.
“Cabeça erguida”, falei finalmente, estendendo a mão para cumprimentá-lo, enquanto meu interior ferozmente me atacava por tirar o jogador de um momento só seu.
Ranger poderia muito bem não ter estendido a mão de volta, apesar de ter. Apertou minha mão como se não tivesse, bem como fugiu do meu olhar e se esquivou da fala. Virou-se como quem nem sequer tivesse parado, e pronto retomou a marcha fúnebre que acompanhava sua derrocada naquele campeonato.
Observando o caçador, me crucifiquei. Logo você que preza por compreender que as pessoas merecem seus momentos a sós. Minha mão foi ao celular para tirar uma foto do jogador se apequenando perto do final da rua, mas eu já havia roubado seu momento tempo demais. Ao perder a semifinal, ele conquistou o direito de sofrer à sua maneira, e esta era sozinho.
Por isso que este texto não tem imagens.
Passamos tempo demais a um clique de distância de colocar as pessoas em julgamento popular. Sei que na imagem única de Ranger sofrendo à sua maneira estão muitos outros Rangers, Dynquedos, Anys, Damages, Takeshis, Klaus e quaisquer outros jogadores que trabalham diariamente para vencer, às vezes esquecendo que o mais comum é perder.
Porque a comunidade e a mídia judiam, as organizações e companheiros cobram, mas ninguém baterá mais forte do que suas próprias expectativas.
Momentos de sofrer devem ser prezados, para quando chegar os de comemorar, o façamos em dobro.
Em Ranger vi o retrato de um cenário brasileiro que quer mais, que não quer se contentar com poucas vitórias e, principalmente, que não se importa com as vitórias que não vão nos levar a lugar algum.
Em Ranger entendi que, aos poucos, respiramos sem aparelhos. Deixando de lado desculpas para trabalhar e suar mais, querer mais e, eventualmente, conquistar mais.
Em Ranger tive o exemplo de que evolução profissional e pessoal não necessariamente vai te premiar com uma vitória. Que por mais que em nossa opinião achamos que estamos prontos, às vezes não estamos.
Curioso,
já estou no meu carro há um tempo, e Ranger há um tempo não está mais em minha vista, mas ainda assim consigo senti-lo. Pois dentro de mim a única certeza é que vem mais suor pela frente.