O último capítulo de brTT
Quanta história cabe em um minuto?
Ontem, 09 de dezembro de 2019, às 14:37, o vídeo de um minuto que brTT publicou em seu Twitter, pode não ter exatamente surpreendido a comunidade, tamanha cobertura jornalística que essa janela de transferências têm atraído.
Mas quem olha pro tempo sem saborear enquanto ele passa, vai perder — literalmente — segundos importantes.
O maior jogador da história do League of Legends brasileiro, aos 28 anos, possui mais passado do que futuro.
Não é dúvida de seu potencial, é apenas a constatação de que hoje, brTT escolhe como poucos o último movimento antes do invariável xeque-mate da sua carreira.
Por muitos anos, aposentamos brTT por desempenho, idade, enfim.
Mas nunca antes eu tinha sentido o arrepio na espinha de pensar que esse 2019, após o penta campeonato brasileiro e o Mundial, seria o último.
Os vinte e oito anos.
A esposa e a família.
Os cinco riscos abaixo do olho.
BrTT, não precisa provar nada. Há tempos que não.
Ao menos não para os outros.
Essa luta é dele consigo mesmo.
E é por isso que escrevo esse texto sobre o brilhante anúncio publicado pelo jogador — e não pela equipe.
BrTT se abre as portas.
Enquanto brTT corre e seus cinco campeonatos brasileiros passam na tela, a feição de determinação não vacila, mesmo após os sete anos de carreira renderem suor na testa do Atirador.
O vestiário vazio, no entanto, é o soco que sentimos ao final do Mundial 19.
BrTT está pronto para pendurar o mouse e o teclado.
Só nós que não entendemos ou aceitamos isso ainda.
Quase que de forma cruel, tal qual Sísifo, toda a torcida, os filhos e filhas, os títulos, a mídia e a pressão de ser a maior figura de esports no Brasil, pesa de maneira com que brTT pareça até amaldiçoado a continuar e continuar.
Num cenário carente de ídolos e figuras que exalam profissionalismo, maturidade, responsabilidade e habilidade — todos ao mesmo tempo, tarefa dura, mas conquistada — , não estamos prontos para o final dessa jornada.
Mas só ele tem a resposta para isso.
Sentado no vestiário, brTT observa um passaporte, com bandeiras americanas de fundo. Alusão ao convite da Team Liquid para o Atirador entrar para a equipe Academy.
Para qualquer jogador profissional de League of Legends, jogar no exterior é um sonho, e tenho certeza que um dia também foi o de brTT.
Mas ele é patrimônio brasileiro.
Nunca antes um jogador daqui disputou duas vezes o Mundial, reconhecido internacionalmente, vencedor de quaisquer “Craques da Galera” que quiser.
Talvez nem todos torçam por equipes, mas certamente a maioria torce para brTT. Sair do país, além de impactar sua vida pessoal, também cria certo distanciamento com seus filhos e a comunidade brasileira.
E poucas coisas são tão importantes para ele quanto os filhos.
Tenho certeza que o amor da vida do Gonçalves são os fãs —
Caju
Caju simboliza não só o passado e o presente de brTT, que teve sua imagem construída com uma base muito sólida: a própria Caju, mas também o futuro.
A casa, comprada, mobiliada e aproveitada em 2019.
As férias para a Disney, Universal e Cancún.
Os filhos — biológicos.
Com tantas conquistas nas costas, brTT nem chega a voltar para espiar mais uma vez o passaporte. A decisão é clara, ele ia se aposentar…
… até que Kami entra em cena.
Kami representa mais do que apenas o convite da paiN Gaming.
Ele representa a nostalgia da melhor época do League of Legends brasileiro.
Allianz Parque lotado.
“Isso aqui não é um time. Essa porra é uma família”
Passeio no Wildcard.
Duas vitórias no campeonato Mundial.
Reeditar a parceria de Kami e brTT, somando alguns dos principais jogadores brasileiros por posição (Yang, Minerva e TinOwns) e dois coreanos, mistura a nostalgia de um passado no qual o Brasil era apontado como a próxima região major com um futuro em que importações de outras regiões e investimentos serão quase que regra para botar fogo em um cenário isolado, desmotivado e chacota de sua própria comunidade.
Mas, novamente, brTT não precisa provar nada a ninguém.
Ele já fez mais pelo cenário do que qualquer outro.
E, às vezes, somos reféns de nossos próprios heróis.
No vídeo, sem pestanejar, o Atirador balança a cabeça e volta a caminhar para Caju, que copia a negativa para estranhamento do jogador.
Se por muitas vezes brTT cogitou a aposentadoria em prol de sua família, mesmo não sendo protagonista da história de Felipe, Caju foi quem ajudou Gonçalves a entender o que se passa em sua própria cabeça.
Um amor não é feito só de concessões ou carinho.
É preciso brigar por seu ponto de vista, às vezes, desalinhar para realinhar é o melhor caminho para ambos crescerem, como foi com brTT e Caju durante a separação neste ano.
E brTT é o fruto do amor deste casal.
O talento e perseverança de Felipe,
A firmeza e inteligência de Giuliana,
Lapidado a cada jogada por brTT,
Polido a cada influência de Caju.
BrTT é dono de suas próprias decisões.
Mesmo que brTT sejam duas pessoas.
Sabe, Barata, já acompanho essa história há muito tempo, e como toda a comunidade sou humano e tenho meus receios para o futuro do League of Legends e do esports no Brasil.
Claro, uma parte dele se refere a você. Uma figura que significa tanto para os mais velhos quanto para quem chega agora. O ídolo de qualquer geração.
Símbolo de perseverança e, acima de tudo, vontade de vencer a qualquer custo, mesmo pessoal.
Mas eu perdi esse receio, brTT. Porque você merece.
Merece tomar a decisão pensando em você e na sua família.
Voltar para a casa que ficou — e talvez ainda seja — pequena para o pai.
Tentar o mundo, porque o Brasil já não é mais suficiente pra sua ambição.
Em 2020, vencer ou perder significa menos do que ter o prazer de te ver em Summoner’s Rift novamente.
E mesmo que seja pela última vez, fazer valer a pena a sua história e o seu sacrifício.
Bruno “LeonButcher” Pereira
Obrigado por todos que leram! Nesta semana, reativei o meu canal no YouTube e postamos o primeiro vídeo com a ilustre presença do brTT.
Será que o pai relembra os principais momentos da carreira?
