Estratégia, do grego strateegia: como diferenciar a boa da ruim

Eduardo Maria Terra Morelli
Único
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6 min readAug 17, 2021

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Fonte: unsplash

Vivemos em um mundo em constante transformação. As empresas, nossas carreiras e até mesmo as políticas públicas precisam se preocupar em estar sempre acompanhando as mudanças que, no fim das contas, transformam o mundo à nossa volta. Nunca foi tão importante termos prioridade, organização e, principalmente, estratégia. Um tema que existe há muito tempo (2.228 anos, para ser mais preciso), mas parece que não recebe o cuidado que deveria.

Mais frequente do que gostaríamos, alguém usa a palavra “estratégia” (ou derivada) para impressionar a plateia:

  • A minha estratégia de vida é …
  • Fulano é um recurso estratégico para a companhia
  • A estratégia da companhia é vender 50% mais do que no ano anterior

Como todo termo “impressionante”, sua utilização cai no gosto popular e muitas vezes tenta-se encaixá-lo em situações nem sempre adequadas ao real significado.

Vamos propor uma definição bem sucinta:

Estratégia representa uma resposta coerente a um desafio relevante

A História nos apresenta Aníbal Barca, um guerreiro cartaginês, como “pai” do que hoje conhecemos por estratégia. Ele foi capaz de infligir duras derrotas a exércitos romanos muito melhor equipados do que o dele. Em particular, veja como foi a épica batalha de Canas, em 2 de agosto de 207 AC.

Uma boa estratégia consiste, portanto, em uma forma de resolver um problema; uma abordagem para superar um desafio. Não é apenas o QUE estamos tentando fazer, mas também o PORQUÊ e o COMO.

Assim, a elaboração de uma boa estratégia passa por 3 etapas:

  1. Diagnóstico (QUE)
  • identificar o desafio relevante; descrevê-lo como objetivo a ser superado e, de preferência, eliminando detalhes desnecessários; criar uma abstração (modelo!)

2. Princípios (PORQUÊ)

  • certamente existem algumas regras a serem seguidas, normas invioláveis, verdades inegociáveis. Por exemplo, aqui na unico nada pode ser elaborado sem levar em conta a privacidade de uma pessoa e a transparência de como seus dados estão sendo usados.

3. Ações (COMO)

  • lista coerente de tarefas que mostre claramente como superar o desafio proposto.

O interessante é que durante a etapa inicial surgem os fatores críticos representando os maiores empecilhos à superação do desafio relevante. Assim, ao elaborar a lista coerente de tarefas, estes fatores servem como referência.

Uma consequência imediata de uma estratégia bem alicerçada é o foco. É tanto desafio, que se não tivermos uma clara definição do que NÃO fazer, os recursos à disposição (tempo, por exemplo), acabam se diluindo e nada sai do lugar (inércia). E ter foco significa fazer escolhas, muitas vezes causando incômodos. Isto explica o pouco apreço de muitos líderes pela elaboração de boas estratégias, aquelas que realmente resolvam dores da empresa.

Existem inúmeros casos de sucesso de empresas que obtiveram enorme sucesso graças a uma boa estratégia. Tome-se o exemplo da unico:

  1. Em 2016, os fundadores visitaram o Vale do Silício, a Estônia e a China. Voltaram convencidos de que, em breve, o Brasil estaria pronto para uma IDTech. Isto se chama antecipação inteligente.
  2. Os squads e as tribos têm grande autonomia em propor soluções para problemas reais de clientes. Um conjunto de princípios reduzido torna desnecessárias inúmeras reuniões nas quais se discutiriam o que se pode e o que não se pode fazer.
  3. Foi construída uma engrenagem na qual centenas de desenvolvedores realizam tarefas específicas e coerentes com as missões de cada produto. E os produtos se complementam, sempre mantendo a missão da companhia como referência. Isto se chama projeto robusto.
  4. Tendo como carro chefe uma solução baseada em biometria facial, as tentações em se desenvolverem muitas aplicações utilizando a mesma tecnologia eram enormes. Por exemplo, decidiu-se não abordar soluções de vigilância. Isto se chama foco.
  5. A unico possui uma política agressiva de contratação e retenção de talentos em um mercado profissional altamente disputado. Enquanto esta política for mantida, será um tremendo diferencial em relação aos concorrentes. Isto se chama usar uma vantagem.
  6. Algoritmos de reconhecimento facial somente agora alcançaram sua maturidade, graças às novas tecnologias ditas Big Data (profusão de dados, poder computacional, nuvem). E o algoritmo sendo desenvolvido dentro de casa tem se mostrado imbatível. Isto se chama surfar uma onda de novidades tecnológicas.
  7. Nenhum concorrente foi tão perspicaz ao ponto de criar um conjunto de produtos que rivalizem com aqueles oferecidos pela unico. Isto se chama aproveitar a inércia e a entropia de rivais.

Voltando ao mau uso do termo estratégia, poderíamos dizer o seguinte:

  • Não faz sentido falar em “estratégia de vida”, pois deveríamos ter estratégia atrelada a desafios a serem superados. Por exemplo, poderíamos elaborar um conjunto coerente de ações para deixarmos de ser devedores, elucidando as causas do endividamento e listando os comportamentos que nos levaram a tal cenário. Naturalmente, tudo muito bem amparado por sólidos princípios (não vale assaltar um banco!)
  • Complicado afirmar que alguém seria “estratégico” em uma companhia. Talvez uma pessoa com papel preponderante na elaboração de diagnósticos, observância aos princípios inegociáveis e hábil executor de planos previamente definidos.
  • Uma boa estratégia não pode ser confundida com um desejo…

E aí vem outro engano bastante recorrente. Tenho certeza que você já ouviu falar sobre a Lei da Atração.

Basicamente, se você tiver pensamentos positivos, você acaba atraindo coisas positivas. Muito justo. O problema é quando achamos que apenas pensamentos positivos têm o poder de resolver os desafios que a vida nos dá.

Me perdoe. É preciso algo mais. Uma boa estratégia, quem sabe.

Ter um desejo é ótimo. Mas, se não o transformarmos em objetivo, nem nos preocuparmos em construir uma boa estratégia que o resolva, dificilmente teremos nosso desejo realizado. Então, quando diante de uma dificuldade, algum amigo lhe disser que “tudo vai dar certo”, ou pior, “tudo já deu certo”, desconfie.

Portanto, uma boa estratégia não seria um amontoado de palavras de incentivo para que um obstáculo possa ser superado. É muito mais! Precisamos arregaçar as mangas e elaborar um projeto capaz de nos tirar de um cenário negativo, levando-nos a outro, muito melhor.

Falamos muito sobre boas estratégias. E quanto às estratégias ruins? Antes porém vale frisar dois pontos:

  1. Ter uma estratégia ruim é diferente de não ter estratégia alguma. E acredite, muitas vezes uma estratégia ruim acaba levando você a um cenário pior do que o original.
  2. Ter uma estratégia ruim também é diferente de uma boa estratégia que deu errado. Se deu errado, corrigem-se as deficiências e tenta-se de novo!

Basicamente, uma estratégia ruim nasce a partir de 5 falhas de julgamento:

  1. A solução criada simplesmente não resolve o problema proposto pelo fato deste ser muito complexo e não termos tido capacidade de compreendê-lo em sua plenitude;
  2. Falácia da calmaria: o fato dos últimos acontecimentos não terem trazido sobressaltos, não significa a inexistência de crises à espreita. Pergunte a um velejador se ele deve baixar a guarda em dias de mar calmo e vento a favor.
  3. Incentivos à busca crescente por cenários de risco, potencialmente trazendo mais benefícios, caso a solução seja bem sucedida.
  4. Efeito manada: muitas vezes seguimos o que a maioria está fazendo, confiando na existência de algum ser mais esclarecido ditando os rumos. Infelizmente, tais guias, às vezes, estão no mesmo nível de cegueira dos demais, levando o grupo a situações imprevisíveis. Como regra geral, deve-se fugir do cardume…peixe levado pela correnteza é peixe morto.
  5. Daniel Kahneman em seu imperdível “Thinking Fast and Slow” apresenta o conceito da “visão para dentro” (inside view). Imagine o seguinte cenário: você não pretende se vacinar e tem a convicção de que nunca será pego pelo maldito vírus, já que até hoje você passou incólume pela pandemia. E mantém sua decisão mesmo sendo informado de que 95% das pessoas hospitalizadas que contraíram Covid-19 não estavam vacinadas…

Enfim, agora você já sabe. Diante de um obstáculo a ser transposto, não caia na armadilha das falhas de julgamento e foque seus esforços em uma boa estratégia!

Se você se interessou pelo assunto deste artigo, sugiro a leitura deste livro:

Richard Rumelt é um dos maiores especialistas do mundo no tema Estratégia, com décadas de experiência apoiando as mais diversas empresas. O livro, mesmo tendo sido publicado em 2011, proporciona muito conhecimento prático sobre o tema. Leitura imperdível!

Ah! E se você quiser fazer parte de um caso de sucesso com respeito à definição e aplicação de uma estratégia de sucesso, #vemserunico

Eduardo Morelli é Data Director na unico.

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Eduardo Maria Terra Morelli
Único
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Mestre em Informática (especialidade Banco de Dados) pela PUC-Rio. Autor de 4 livros (Oracle, SQL Server) e 6 cursos online (Oracle, MongoDB, Big Data, LGPD)