Contra a burocracia

O que diz a experiência do movimento comunista sobre o fenômeno da burocracia? A sua correta apreensão é necessária para a sua exposição cientificamente precisa e correção pela prática revolucionária.

theoriapura
Unidade e Luta
8 min readJun 25, 2017

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Todo o problema está então em saber em que condições o Partido se forma e se mantém como representante da classe operária, como pode ele revolucionar permanentemente a sua vida interior e as suas relações com as massas, para se proteger de toda paralisia. Dado que o revisionismo começa com o abandono dos princípios leninistas no Partido, todo o problema reside em destruirmos em nós próprios esta parte do nosso pensamento e da nossa ação que é suscetível de se isolar das massas, ceder ao sentimento de propriedade privada ou ao egoísmo individual e familiar característico da sociedade burguesa.

É que, com efeito, os comunistas devem receber a formação técnica ou econômica, necessária ao exercício do seu papel dirigente. Mas a sua missão própria não é agir sobre as coisas, é sim de mobilizar e de formar homens; se eles a não cumprem o conjunto das instituições, das realidades sociais, perde todo o espírito militante. As consignas administrativas substituiriam a vontade de vencer. Mesmo os quadros comunistas do aparelho de Estado, não devem nunca raciocinar como tecnocratas. O seu papel é atuar, sem descanso, pelo desenvolvimento, junto dos trabalhadores, de uma compreensão ideológica e política das suas missões para organizar e mobilizar totalmente estes trabalhadores.

Deste ponto de vista, a célula, a organização de base constitui o elo mais sólido da cadeia. Só ela pode analisar e aplicar as diretivas do Partido. Também só ela consegue fazer com que as necessidades das massas sejam formuladas e se tomem na lei do Partido. É preciso desconfiar do interesse exclusivo pelos números do plano. O problema consiste em aplicar uma prática de combate contra todo o modo de agir estranho ao socialismo — gosto pela autoridade “de cima”, servilismo, falta de espírito crítico da base, egoísmo a todos os níveis.

Para fazer face a uma tal missão, o Partido deve responder a um certo número de condições. Antes de mais, é preciso que ele conte, nas suas fileiras, com um número crescentes de militantes de origem operária.

Certamente que na Albânia do rei Zobu, a indústria se encontrava muito pouco desenvolvida e era sobretudo pela sua ideologia que o proletariado desempenhava o papel dirigente. Mas hoje já não é a mesma coisa e os trabalhadores representam uma parte importante da população. É preciso, portanto, assegurar a sua presença em todos os escalões — da base ao topo — sem cair na armadilha revisionista de um recrutamento composto por intelectuais, de técnicos e de quadros. Em todas as regiões o PTA (Partido do Trabalho da Albânia) vela a fim de poder contar, nas suas fileiras, com uma proporção suficiente de operários de cada nível de qualificação. Também não seria aceitável que as camadas principais da produção sejam mantidas longe deste movimento. Numa palavra, 36,41% dos membros do Partido trabalham em fábricas. A envergadura destas medidas práticas, precisas, realistas, não escapará a ninguém. Se se pretende que o poder político do Partido seja o da classe, é preciso que o Partido represente efetivamente a classe, não no sentido parlamentar de um delegado designado por quatro ou cinco anos e livre de trair, mas no sentido de uma proximidade material e moral, de uma comunidade e de aspirações. O PTA coloca as suas organizações de base sob o controle operário, isto é, estas escolhem os novos membros, designam os responsáveis, fixam a ordem do dia, excluem os aderentes, passivos ou indignos, após consulta efetiva da massa, da gente simples que vive à sua volta. A procura ativa da opinião dos sem partido é, cada vez mais, considerada como a missão importante, para não dizer fundamental, dos militantes. Todos os meios possíveis são postos em ação: colocação de cartazes, discussões individuais ou de grupos por oficina, abertura das reuniões de célula aos trabalhadores que o desejem. Assim, pela composição, pelo funcionamento, pela escolha dos seus dirigentes, a organização de base exprime a vida concreta do homem, do homem trabalhador no local de trabalho e também de habitação. Ao mesmo tempo, o recrutamento deixa de por unicamente problemas de ordem individual. É certo que se trata de acolher os melhores revolucionários albaneses na organização, mas também de recrutar os operários que, ali onde estão, podem exprimir o ponto de vista de uma certa parte de sua classe. É por isso que importa que, em todos os setores, em cada fábrica, em cada oficina, a corrente passe dos sem partido aos membros do partido. É lógico que a corrente não passa num sentido com a exclusão do outro.

O papel dirigente da organização de base, no seio da classe operária, exerce-se exatamente da mesma maneira e no mesmo momento que o controle da classe operária, no seu conjunto, se exerce sobre o Partido. O debate político na célula, as diretivas que lhe são transmitidas do Comitê Central e da Federação, o esforço para as compreender, discutir, aplicá-las às massas, não pode exprimir-se, nem afirmar-se ou realizar-se, na oficina ou na fábrica, sem que os trabalhadores no seu conjunto saibam que todos os acontecimentos da vida e do Partido lhes dizem respeito. Em suma, se o Partido tivesse por missão principal agir sobre as coisas, ultrapassar ou vigiar o aparelho de Estado, ele não teria absolutamente nenhuma necessidade desta presença física nas empresas. O que transforma os dados do problema é que a organização tem como objetivo essencial trabalhar entre os homens, ser realmente, e não no papel, o partido da classe operária, o instrumento de sua ditadura, no sentido marxista do termo, isto é, do seu poder político.

É evidente que isso dificulta a missão da organização. É nela que se exprime a contradição dirigentes-dirigidos, que se torna, se uma tal política é corretamente aplicada, na contradição entre a direção do Partido e a classe, e o controle da classe sobre o Partido. Mas é o único meio de efetivar a frase-chave da tese de Enver Hoxha, afirmada por ocasião do VI Congresso, que “a classe em si” — inconsciente e entregue a seu destino — se torna “em classe para si”, política e teoricamente consciente, capaz de iniciativa histórica, quando tem o seu partido.

Cada organização de base, com efetivo, aceita assim um compromisso, com uma fidelidade ao mesmo tempo única no seu princípio e dupla pelo caminho: exprime os interesses dos trabalhadores, ali onde se enraíza; é portadora das perspectivas políticas que o Comitê Central emana à escala nacional, uma vez que o conjunto das necessidades e aspirações de todas as empresas, de todo o país lhe chegam ao conhecimento.

Entre o fluxo montante da base e o fluxo descendente da direção, seria absurdo negar que o encontro não possa produzir remoinhos. Em tal caso, existem dois tipo de soluções igualmente simplistas: se a vontade da base é mecanicamente sacrificada, a célula não tem outro remédio senão obedecer ao centro, que fica cortado das massas, e a burocracia toma o poder; se as perspectivas parciais da oficina ou da empresa são tomadas em conjunto pela organização, a classe operária no seu conjunto perde toda a possibilidade de se dar a uma consciência coletiva, o Partido dispersa-se numa multidão de grupos particulares, o ponto de vista empresarial elimina o ponto de vista proletário, e é a economia que triunfa sobre o pensamento político.

Só que essa contradição é uma contradição não-antagônica. Quer dizer, que ela pode resolver-se através do debate político e da iniciativa operária. Ela pode-se resolver como pode também degenerar num conflito brutal entre um centro autoritário e uma classe passiva, no pior dos casos, ou revoltada. Tudo depende dos métodos empregados, da linha de massas, daquilo a que os albaneses chamam de aplicação criadora das normas leninistas.

Porque a organização de base é a única a estar no centro do debate, a única a viver na prática esta situação difícil, cabe-lhe a ela resolver o problema; e, diz-nos Enver Hoxha, esta liberdade dos simples militantes deve ser protegida contra todas as deformações burocráticas: “tendência de uns para a falta de realidade e de coragem” portanto para “esperarem as soluções de cima, muito acabadinhas”; tendência, dos outros, dos “quadros e órgãos dirigentes do Partido a intervirem a propósito de tudo e a decidir sobre tudo” ou, ainda “a estabelecerem uma tutela intolerável através dos instrutores, esquecendo o modo como eles limitam as iniciativas das organizações e dos militantes comunistas”. “Os instrutores, com efeito, estão ali para levarem uma ajuda teórica, uma formação necessária e não para se substituírem aos militantes”. Mesmo “as diretivas, as instruções, as decisões” tomadas pelo centro não devem ser “nem longas, nem detalhadas”, para serem, ao mesmo tempo, claras e por que cabe à base examinar como fazê-las entrar na vida. O Partido do Trabalho protege-se contra todas as manifestações de intelectualismo e de burocratismo. O papel do centro é, portanto, de capital importância. Mas na condição de que todas as medidas decididas sejam tomadas em conta e postas em prática pela base: “todas as formas de trabalho e de organização de base devem contribuir para por em movimento as organizações de base e os comunistas, para encorajar a sua iniciativa, para reforçar as responsabilidades individuais e coletivas”, de cada célula e de cada comunista. Também individual, “a vida da organização de base não é apenas a sua própria reunião, mas a totalidade da atividade dos comunistas, considerados um a um e no seu conjunto, antes, durante e depois da reunião, atividade destinada a elaborar e aplicar a linha e as decisões do Partido, em todos os locais onde se vive e se trabalha.” (Enver Hoxha, Discurso do VI Congresso). É preciso ir até ao fim desta dialética. Se a organização de base luta à escala da fábrica, o próprio militante deve reagir às situações da oficina, ou no seu bairro, dado que o Partido funciona no quadro local de trabalho.

O centro não paralisa a célula se ele próprio se tornar burocrata, a célula não paralisa o militante, se cair no formalismo administrativo. “Sem comunistas revolucionários não existirá partido revolucionário”; sem “iniciativa” e sem coragem na base, não existirá um laço vivo com as massas, no topo. Sem militante lúcido e livre a teoria não é tomada na prática, na linha das massas. O que elimina o perigo burocrático não é, no essencial, um texto empinado, de uma vez por todas, a redação de um estatuto — ainda que se trate de um ponto importante — é, sim, um estilo de trabalho posto em ação cotidianamente, é uma revolução ideológica constante dos quadros e dos militantes do Partido. Ao respeito da base pelo centro, corresponde, para cada célula e para cada comunista, “a coragem de assumir a plena responsabilidade da ação que realiza”, ou ainda: “Os comunistas devem dar provas de coragem logo que as decisões, as diretivas e as instruções várias se encontrem em contradição com a justa política do Partido e não correspondam às condições particulares reais” (Enver Hoxha, Teses do VI Congresso).

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