O poder popular e a democracia revolucionária

O poder popular na literatura marxista-leninista e na história

theoriapura
Unidade e Luta
6 min readJun 29, 2017

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Olhando a partir de uma perspectiva histórica, a literatura acerca da possibilidade de o povo exercer o poder político é farta e se entrelaça com a consolidação da democracia, mas não se realiza nela, pois nos sistemas onde houve uma experimentação democrática tiveram suas potencialidades entravadas pela subordinação a uma estrutura econômica com classes de interesses contraditórios. Em nossos textos, artigos do jornal e até em palavras de ordem é comum nos depararmos com o termo “Poder Popular”. Esse conceito é muito atrativo por que o poder popular nos transmite uma idéia de democracia plena, o poder político para as massas, e é exatamente isso que essa categoria significa: a realização dos interesses da maioria que garante o seu poder através de suas instituições representativas. Afinal, só existe democracia onde as massas possuem voz e ampla participação política. O artigo segue com o objetivo de demonstrar, através da história, como foi constituído o Poder Popular e seus mais recentes desenvolvimentos através da teoria marxista-leninista.

A primeira experiência efetiva de realização do poder popular através de um governo operário mobilizado em armas foi a Comuna de Paris. A resistência heróica ante os invasores estrangeiros e ousada afirmação da soberania do povo em forma de levante revolucionário expulsou todos os aristocratas, industriais burgueses e latifundiários da cidade transformando as estruturas políticas e dando a elas um caráter profundamente popular, democrático e radical. Lenin considerou a causa da Comuna como imortal por que expressa o anseio universal de todos os povos oprimidos em querer consolidar sua emancipação política e econômica na forma de ditadura do proletariado. A destruição da máquina de exploração das elites dominantes se viu realizada pela primeira vez na história, o povo tomou o céu de assalto.

A efetivação do poder popular encontra em si exemplos distintos embora igualmente legítimos no decorrer da história. A elaboração dos primeiros sovietes em 1905 expressa uma fração dessa tendência. A revolução de 1917 representa o estágio absoluto desse movimento, o momento no qual a efervescência política demandando as liberdades a tanto negadas ao povo extravasa o que foi determinado e limitado pelas elites dominantes que se viam estrategicamente encurralados, pois tudo o que elas tinham a oferecer para as massas não seria suficiente para concretizar as aspirações revolucionárias do proletariado em luta.

O CONCEITO DE DEMOCRACIA PARA AS CLASSES DOMINANTES

O conceito de democracia quando usado pelas classes dominantes é contraditório em sim mesmo. Há uma evidente contraposição entre um sistema político democrático dentro de um arcabouço econômico excludente. Em uma sociedade de classes, o poder político sempre vai estar nas mãos de uma classe dominante que molda os mecanismos em que se exerce o poder para atender os seus interesses objetivos mesmo que isso signifique submeter à maioria as regras de poucos.

A mais significativa experiência democrática da antiguidade é a democracia ateniense. Em Atenas, todas as decisões políticas eram debatidas entre os cidadãos atenienses, grandes discussões ocorriam em praças públicas e os cidadãos tinham o direito de participar de assembléias, reuniões etc. Porém, o conceito de cidadania em Atenas era extremamente excludente, já que eram apenas considerados cidadãos aqueles que eram homens livres, filhos de pai e mãe ateniense, maiores de 18 anos e possuidores de terras, enquanto a maior parte da população de Atenas eram escravos que não possuíam direito político algum. Trata-se de um empecilho imposto pelas elites — as únicas que atendia os critérios impostos por elas mesmas — para exercer o seu domínio.

A exclusão das massas da participação política, na Grécia, se dava por meios institucionais, já na democracia burguesa, essa exclusão se dá por fatores subjetivos e objetivos recorrendo às clássicas restrições institucionais apenas em casos extremos de revolta popular em que as liberdades democráticas tornam-se uma ameaça ao próprio funcionamento das instituições.

As condições objetivas que excluem a população da política se iniciam a partir das contradições do próprio capitalismo que concentra não somente a riqueza na mão de uma minoria, mas também toda gama da produção literária acerca da política e das ciências e, no que tange a esse assunto, privam concretamente o sujeito revolucionário — o proletariado — de seus instrumentos subjetivos para o cumprimento de seu programa, a exemplo do revisionismo e da social democracia, que apresentam uma falsa solução com o objetivo de fazer a manutenção de toda a ordem vigente.

Na mesma Grécia democrática eram chamados de “idiota” aquele que se negava a participar da vida política do país. A contribuir nos debates, defender suas posições. O sujeito passivo era o idiota, numa perspectiva puramente etimológica. A inserção dos fatores subjetivos na determinação desse afastamento do sujeito-político de suas instituições representativas é a propagação da ideologia burguesa entre a população, baseada no medo e passividade ante aos acontecimentos. Trata-se, num sentido gramatical, de um processo de idiotização do povo em geral protagonizado pela burguesia.

“O ideal dos capitalistas é que os operários e os camponeses sejam uns servos submissos que suportem sem protestar o jugo da exploração. Partindo dessas considerações, os capitalistas não quiseram desenvolver nos operários e camponeses o valor e a intrepidez, não quiseram dar-lhes a menor instrução, pois é mais fácil dominar gente atrasada e embrutecida.”

(Kalinin, Sobre a Educação Comunista)

O PODER POPULAR NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

Mas afinal, quando surgiu o conceito de Poder Popular? Vemos esse termo, na maioria das vezes, apenas como uma palavra de ordem, mas o albanês Enver Hoxha, fundador do Partido do Trabalho da Albânia e líder da Albânia Socialista foi o primeiro a utilizar esse termo na literatura marxista-leninista, e o tratava como uma categoria do pensamento socialista, já que a experiência albanesa foi marcada pelo poder popular propriamente dito.

No texto “As Massas Edificam o Socialismo e o Partido Fá-las Ter Consciência”, Enver Hoxha nos dá uma idéia clara do que significa esse conceito, contextualizando com a experiência da Albânia Socialista, já podemos ver como uma das nações socialistas mais democráticas que temos na história.

“Toda o povo sabe que esses planos foram elaborados e discutidos amplamente com as massas, enquanto a direção do Partido procedeu, em cada uma das ocasiões, à síntese da grande atividade dos comunistas e do povo, que se tinham lançado ao trabalho, vencendo as dificuldades, para edificação do socialismo de acordo com as condições do nosso país. No final de cada ano ou de cada plano qüinqüenal, a direção do Partido e todo o Partido em conjunto extraíram as conclusões de toda essa atividade e dessa luta, verificaram quais eram as melhores experiências e tiraram as lições necessárias para elaborar e realizar o plano qüinqüenal em curso. Em todas as ocasiões, a direção deu determinadas diretrizes e nunca deixou de fazê-lo. ”

- Enver Hoxha, As Massas Edificam o Socialismo, O Partido Fá-las Ter Consciência

O camarada Enver Hoxha coloca em seu texto um claro exemplo de Poder Popular na construção da Albânia socialista ao falar dos planos qüinqüenais albaneses. A participação do povo na elaboração dos planos qüinqüenais foi algo que marcou aquela experiência socialista.

O Poder Popular é a expressão da Ditadura do Proletariado. Esse termo pode causar espanto a muitos, mas basta entender que toda forma de governo é a ditadura de uma classe sob a outra, a ditadura do proletariado é a classe trabalhadora organizada como classe dominante a fim de derrubar a ditadura do capital e trazer democracia proletária.

Tomemos o exemplo dos camaradas albaneses. Através dos órgãos de Poder Popular, questões políticas e econômicas eram discutidas com a população, o povo participava das decisões, estudava os resultados e, dessa forma, dialeticamente analisavam as lições vindas das experiências obtidas com cada plano qüinqüenal.

A constituição da República Popular Socialista da Albânia garantia a participação de todo povo dentro dos conselhos populares:

Constituição da República Popular Socialista da Albânia, Artigo 5ª

A. Todo o poder estatal na República Popular Socialista da Albânia emana do povo trabalhador e a ele pertence;

B. A classe operária, o campesinato cooperativista e os demais trabalhadores exercem o poder através dos órgãos representativos, bem como diretamente;

C. Os órgãos representativos são a Assembléia Popular e os Conselhos Populares;

D. Nenhum outro, exceto os órgãos definidos expressamente nesta Constituição, pode exercer, em nome da República Popular da Albânia, a soberania do povo e suas atribuições.

Já no Brasil atualmente, é possível ver diversas expressões do poder popular dentro das organizações guiadas pelo Marxismo-Leninismo que temos em nosso país, um exemplo claro é o Movimento de Luta em Bairros, Vilas e Favelas, que através de ocupações rurais e urbanas em terrenos que não cumprem função social, colocam nas mãos das massas a posse desses terrenos e as faz construir o que pode se considerar um embrião do poder popular, o que constitui a negação direta da ordem institucional e a real democracia pelas massas, alterando radicalmente a estrutura de poder de forma que a tomada de decisão seja pela expropriação dos expropriadores.

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