Imagem da matéria “7 Tips for Working From Home With Kids When Coronavirus Has Shut Everything Down

A pandemia e A pesquisadora

Rachel Ripardo
Unidades Imaginárias
5 min readApr 17, 2020

--

Estou curiosa para saber o que a quarentena revelará sobre a “parede materna” que pode bloquear o avanço do corpo docente.

O texto a seguir é uma tradução do artigo “The pandemic and the female academic” publicado em 17/04/2020, por Alessandra Minello, na Nature.

O humor é uma maneira de as mulheres na academia enfrentarem as conseqüências da pandemia no trabalho e na vida familiar. No mês passado, uma postagem viral no Twitter dizia: “A próxima pessoa que twittar sobre o quão produtivo Isaac Newton era enquanto trabalhava em casa vai receber minha filha de três anos pelo correio!

“Rindo sem sinceridade destas animadas sugestões para um agradável e produtivo período de isolamento social. “Shakespare escreveu Rei Lear durante uma quarentena!” Impressionante — enquanto isso todos nós com crianças de menos de 5 anos de idade serão forçados a assistir Patrulha Canina até nossos cérebros entrarem em auto-combustão”

Desde que o COVID-19 fechou minha universidade em 12 de março, vi mais nasceres do sol do que no resto da minha vida anterior. Agora, eu tenho que estar trabalhando antes do amanhecer.

Noite e madrugada — quando ele está dormindo — são minhas únicas opções de gravação.

Silêncio e concentração são fundamentais para o meu pensamento e ensino. Quando gravo aulas para meus alunos assistirem on-line, é essencial minimizar o ruído de fundo. Mas meu filho tem dois anos. Na primeira lição que tentei gravar, você pode ouvir claramente o trompete de brinquedo dele durante os dois últimos slides da apresentação. Noite e madrugada — quando ele está dormindo — são minhas únicas opções de gravação.

“Como se tornar mestre em trabalhar de casa — durante a quarentena com crianças”. Imagem da matéria “How to Master Working From Home — While Under Quarantine With Kids

Outra demanda no meu tempo são colegas localizados ao redor do mundo que têm o desejo atávico de se encontrar pessoalmente on-line. A qualquer hora do dia. E foi assim que meus colegas conheceram meu filho, cuja cabecinha aparece na webcam de vez em quando.

Isso significa que tenho menos tempo para escrever artigos científicos. Em vez de trabalhar, meus colegas e eu estamos tentando sobreviver à vida cotidiana. Obviamente, quando comparado com as drásticas conseqüências de contrair COVID-19, essa é uma questão insignificante. E sabemos que todos temos sorte de ter o trabalho que realizamos. A riqueza, ou a falta dela, e outras desigualdades sociais estão afetando o acesso das pessoas ao trabalho, à assistência médica, compras e outros serviços.

Ainda assim, sou uma demógrafa social que estuda como as famílias gerenciam o trabalho doméstico e remunerado. Costumo me concentrar em mulheres acadêmicas e profissionais e agora sinto como se eu fosse meu próprio sujeito. Já estou trabalhando com colegas para configurar entrevistas e um estudo de etnografia online.

Essa pandemia pode nos ensinar uma lição importante: mães e pais juntos enfrentam uma reorganização a curto prazo dos cuidados e do tempo de trabalho. A longo prazo, essas mudanças na produtividade afetarão as carreiras. Aqueles com menos deveres domésticos estão apontando para as estrelas. Alguém na comunidade acadêmica levará em consideração nossa abordagem desequilibrada em relação ao cuidado e ao trabalho da família? Não. Todos nós participaremos juntos de uma competição aberta de promoção e posições, pais e não-pais.

O trabalho acadêmico — no qual o avanço da carreira se baseia no número e na qualidade das publicações científicas de uma pessoa e em sua capacidade de obter financiamento para projetos de pesquisa — é basicamente incompatível com o cuidado de crianças. É esperado que os dados dos registros de publicação nos próximos dois anos mostrem que os pais na academia estavam em desvantagem em relação aos não pais em 2020.

Esses dados também podem revelar as consequências para as mulheres. O trabalho de assistência é, de fato, desequilibrado — mesmo entre casais com formação superior. As mulheres dedicam significativamente mais tempo ao trabalho doméstico do que os homens. Quando mães e pais casados nos Estados Unidos são comparados, as primeiras passam quase o dobro do tempo em tarefas domésticas e em creches. Nos países com igualdade de gênero do norte da Europa, as mulheres ainda fazem quase dois terços do trabalho não remunerado. Mesmo entre casais heterossexuais com chefes de família, as mulheres fazem a maior parte dos cuidados.

No geral, a experiência do COVID-19 está mudando a maneira como a pesquisa é feita, especialmente em alguns setores: os novos mecanismos de revisão por pares estão acelerados, o aumento da quantidade e velocidade dos dados disponíveis e da distribuição de financiamento entre os setores estão alterando os equilíbrios do mundo acadêmico, e precisaremos prestar atenção aos efeitos que isso causa nas disparidades.

Então, o que acontece se os dois membros de um casal heterossexual estiverem em casa? A maior probabilidade é que isso exacerbe a desigualdade de gênero.

O início de uma carreira acadêmica é marcado por um período prolongado de precariedade, que coincide com o período reprodutivo das mulheres. O termo parede materna, referente às discriminações e limitações enfrentadas pelas mães que trabalham, está em uso há mais de uma década. Políticas como licença de trabalho garantida e acomodações para cuidar de familiares podem ser particularmente importantes para as mulheres. Uma ideia imediata é contar esse período de quarentena como licença para cuidar de qualquer membro da família dependente, e isso pode ser considerado quando pesquisadores forem avaliados posteriormente, por exemplo, em uma competição aberta para progressão na carreira. Isso pode ser extremamente útil para famílias que são ainda mais desfavorecidas durante esse período — principalmente aquelas com pais solteiros, com maior probabilidade de serem mulheres.

Imagem da postagem “Ten work–life balance tips for researchers based at home during the pandemic

Homens podem ter um papel. Paolo Brunori, economista colega da Universidade de Florença, na Itália, tem dois filhos, com 18 meses e 5 anos. A esposa dele é pediatra. Ela ainda está trabalhando no hospital, enquanto ele trabalha remotamente. Ele confessa:

“É quase impossível manter a cabeça nas tarefas de pesquisa, porque nunca tenho três a quatro horas consecutivas de paz para me concentrar. Tento dividir as coisas que tenho que fazer em muitas pequenas tarefas e fazê-las quando Silvia, minha esposa, está em casa ou quando todos estão dormindo.”

Paolo e todos os outros que estão passando por situações semelhantes devem espalhar a notícia: as horas que até os membros de nossa própria família dedicam-se a cuidar e administrar são muitas vezes invisíveis e negligenciadas.

A única solução real é a clássica: um investimento a longo prazo na igualdade de gênero.

doi: 10.1038/d41586–020–01135–9

Alessandra Minello

Alessandra Minello é uma estatística e demógrafa social da Universidade de Florenza, Itália. Contato por e-mail

Busque por esta autora em:
Pub Med / Nature.com
Google Scholar

--

--

Rachel Ripardo
Unidades Imaginárias

Professora de Evolução do Comportamento Humano (UFPA)