Aquele texto sobre vacinas
Você já viu alguma criança ou adulto que sofreu as consequências da Poliomielite? Bem, se você tem por volta dos 30 anos, provavelmente não, pois o último caso da doença no país foi registrado em 1989. A erradicação da doença no país se deu, especialmente, com a criação do programa Nacional de Imunização(PNI) nos anos 70 e com a criação do dia nacional da vacinação contra a Poliomielite, nos anos 80. Porém antes disso, era perfeitamente possível observar crianças e adultos que sofreram desse mal. Deste 1994, o Brasil obteve certificado internacional de erradicação da transmissão autóctone do vírus (quando ocorre dentro do território nacional).
Faça um teste: Pergunte para seus pais ou avós como era uma pessoa com poliomielite, também conhecida como paralisia infantil apesar de acometer adultos também. Você pode fazer uma pesquisa rápida no Google imagens e entender emocionalmente as consequências quando não vacinávamos (Não tínhamos o conhecimento científico para trata-la).
Porém, agora em 2018, as taxas de imunizações começam a registrar uma queda. A vacinação de crianças atingiu o nível mais abaixo no Brasil em pelo menos 16 anos. O Ministério da Saúde divulgou no dia 3 de julho uma lista de 312 municípios onde a vacinação contra poliomielite em crianças ficou abaixo de 50%, criando um alerta para o risco do retorno da doença.
Em 2017, pela primeira vez, todas as vacinas indicadas para crianças com menos de um ano ficaram abaixo da meta (que é imunizar 95% das crianças dessa idade). Entre as vacinas com redução na cobertura estão aquelas que protegem contra poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, difteria, varicela, rotavírus e meningite.
É o caso do sarampo. Desde 2002, a taxa de cobertura da vacina tríplice viral, indicada para menores de um ano, ficava próxima a 100%. Porém nos dois últimos houve uma redução de quase 20%.
O sucesso das campanhas de imunização no Brasil, que já eliminaram a poliomielite, sarampo, rubéola tem causado na população uma falsa sensação de que as vacinas não são mais necessárias. Porém os riscos ainda existem pois muitas dessas doenças ainda não forma eliminadas no mundo inteiro. O sarampo ainda existe em alguns países da Europa e recentemente voltou a ter casos nos Estados Unidos e no Canadá. Os movimentos migratórios recentes também podem carregar consigo algumas dessas doenças. E se aqui ainda há pessoas não vacinas, existe o risco de reintrodução. Como acontece em alguns estados do norte do País.
Atualmente, Roraima soma 172 casos confirmados de sarampo, a maioria entre venezuelanos que vieram ao Brasil fugindo da crise no país vizinho. Há também ao menos 147 casos confirmados no Amazonas e 5 no Rio Grande do Sul. Juntos, os três estados somam ainda 1.240 casos em investigação. Em 2016, o Brasil recebeu da Opas (Organização Pan-americana de Saúde) um certificado de eliminação do sarampo. Agora, o país corre o risco de perdê-lo se a transmissão não for interrompida.
Entre os motivos que são listados recentemente pelo ressurgimento de algumas dessas doenças segundo Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) estão a falta de percepção da gravidade dessas doenças, despreparo de alguns profissionais de saúde que nunca vivenciaram essas doenças e que não viram crianças morrerem ou ficarem com sequelas. Desta forma, acabam cobrando menos dos pacientes que eles tomem as vacinas; a falta de vacinas nos postos de saúde. Se nas cidades os postos de saúde são de “fácil” acesso, em regiões mais remotas do país, isso pode levar um dia inteiro de não trabalho.
E o movimento antivacina ?
Na outra ponta do país, no Rio Grande do Sul, também houve uma redução na cobertura de vacinação. Aproximadamente 20% nos últimos 5 anos. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, é a proliferação de notícias falsas (fake news) que espalham rumores sobre doenças ou efeitos colaterais (https://glo.bo/2PfOT4S).
Tal situação também é recente em muitos países primeiro mundo, que já colocaram em alerta a OMS. Nos Estados Unidos e Europa já é grande o grupo de pessoas que se opõem às vacinas, os chamados “anti-vaxxers”.
Em 2017, as autoridades de saúde pública de Minnesota, EUA, pediram a mais de 200 pessoas para ficarem em quarentena depois que 12 casos de sarampo, todas crianças não vacinadas com menos de 6 anos, foram diagnosticados em menos de 2 semanas.
Em 2015, o ano mais recente para o qual há dados disponíveis, apenas 72% das crianças nos EUA receberam sete vacinas essenciais recomendadas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, que juntos protegem contra 11 doenças potencialmente mortais. Isso é realmente uma melhoria em relação a 2011, quando o número era de 69%, mas também indica que muito trabalho ainda precisa ser feito.
Na Europa, uma menina portuguesa de 17 anos não vacinada morreu de sarampo além de outros surtos que reflete espasmos em casos na Alemanha, Itália e Romênia. O sarampo afetou 21.315 pessoas e deixou 35 mortos na Europa em 2017. Número de casos representa aumento de 400% em relação a 2016, quando 5.273 infecções foram detectadas.
Segundo a OMS, a principal razão por trás do aumento de casos de sarampo na Europa são as falhas nos programas de imunização, além de pouca cobertura de grupos marginalizados, interrupções na entrega de vacinas e falhas nos sistemas de vigilância sanitária de diversos países. Além disto tudo, o movimento antivacina é, em parte, responsável pelo problema europeu.
Há muita desinformação a respeito das vacinas em diversos grupos nas redes sociais. Curiosamente, grupos que se opõem à vacinação frequentemente podem são os mesmos associados a modismo nutricionais ou mesmo a tendência de terapias alternativas. Eventualmente, acabam colocando muitas dessas vacinas, importantes nos primeiros anos no mesmo balaio, negando todo o histórico e benefícios que a vacina trouxe a população (infográfico abaixo mostra o número de casos registrados nos EUA de várias doenças que possuem vacinas)
Proteção de grupo ou rebanho
Algumas pessoas, infelizmente, não podem receber vacinas. Ou por serem muito novas, ou mesmo por alergias. Há também pessoas que possuem uma imunidade baixa devido a quimioterapia, transplantados, portadores do vírus HIV. Essa parcela da população, acaba se beneficiando da imunidade em grupo. Isso é, quando a maioria da população é vacinada e acaba blindando a passagem da doença para os que não podem ser vacinados. Assim, vacinação é uma ação em grupo, que toda a sociedade se beneficia. Quando você opta em não vacinar seu filho, acaba criando condições para que a doença entre mais facilmente em diversos meios. Assim, não só seu filho é vítima, mas o ambiente de convivência também.
Mas afinal, de onde vem movimento antivacina ?
Em 1998, o médico britânico Andrew Wakefield publicou um estudo na revista científica Lancet sugerindo que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (Tríplice viral) poderia desencadear o autismo. Nos anos seguintes, as taxas de vacinação entre crianças de 2 anos de idade na Inglaterra caíram abaixo de 80%. Porém a história começou a se desenrola em 2014, após a denúncia o jornalista Brian Deer que relatou conflito de interesses do médico, a qual havia solicitado patente para uma vacina própria contra sarampo.
Entre as informações desencontradas, manipulação de dados e sobre questões ética, a revista Lancet retirou o documento de suas publicações em 2010. Logo após o conselho médico geral do Reino Unido ter retirado permanentemente a licença médica de Wakefield.
Em 2016 novamente a correlação entre autismo e a tríplice viral é manchete como o lançamento de um filme documental Vaxxed, dirigido pelo ex-médico andrew Wakefield. No filme, novas suposições que alegam encobrimento do centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) sobre a relação da vacina com autismo.
Tais alegações provocaram uma série de estudos que não encontraram evidências de que a tríplice cause autismo. Por exemplo, uma meta-análise de 2014 da revista Vaccine examinou estudos envolvendo aproximadamente 1,3 milhões de pessoas, não encontrando qualquer relação. Naquele mesmo ano, um artigo no Journal of American Medical Association relatou que não existia diferença nas taxas de autismo entre milhares de crianças vacinadas e não vacinadas.
E o mercúrio em vacinas age como uma neurotoxina?
Em 2005, as revistas Rolling Stone e Salon publicaram uma reportagem do advogado ambiental Robert F. Kennedy Jr. (sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy) alegando uma conspiração do governo para encobrir evidências de que o timerosal, um conservante contendo mercúrio usado em vacinas, pode causar problemas cerebrais, incluindo autismo. Múltiplas correções logo apareceram, incluindo uma notando que Kennedy declarara incorretamente os níveis de mercúrio. Em 2011, a Salon retratou e removeu a história, observando “revelações contínuas das falhas e até mesmo fraudes que mancham a ciência por trás da conexão”.
Em 2001, bem antes do artigo de Kennedy ou de seu livro relacionado, o timerosal havia sido removido de todas as vacinas infantis nos Estados Unidos, exceto os frascos multidose da vacina contra a gripe. “Se isso causasse autismo, a previsão seria que, uma vez que o mesmo fosse retirado das vacinas, o número de casos de autismo deveria ter se estabilizado ou diminuído. Mas isso não aconteceu”, diz Frank DeStefano, diretor do Departamento de Segurança de Imunização do CDC. Um boato de que a incidência de autismo caiu na Dinamarca após a remoção do timerosal em 1992 também não é verdade. O boato aparentemente surgiu de uma má interpretação dos dados epidemiológicos.
Em meados da década de 2000, junto com uma onda de preocupações sobre o timerosal, o médico de Maryland Mark Geier e seu filho, David, começaram a promover uma teoria de que uma interação patológica entre mercúrio e testosterona explicava muitos sintomas do autismo. Essa afirmação veio depois que os Geiers publicaram alguns estudos sugerindo uma ligação entre o timerosal e o autismo, estudos que o Instituto de Medicina caracterizou como tendo “graves falhas metodológicas”. Apesar dessa revisão, os Geiers prosseguiram com seu trabalho controverso. Eles estabeleceram um tratamento não aprovado que envolvia injeções diárias de leuprolide (Lupron), uma droga usada para tratar o câncer de próstata e castrar quimicamente criminosos sexuais. Em crianças, o medicamento é aprovado apenas para tratar a puberdade precoce, uma condição rara na qual a puberdade começa antes dos 8 anos de idade. Os efeitos colaterais em crianças podem incluir danos nos ossos e no coração. A leuprolida também acarreta um risco de exacerbar os distúrbios convulsivos, uma condição comumente associada ao autismo. Os Geiers, por vezes, emparelharam essas injeções com aquela ação química, um tratamento arriscado para pacientes com intoxicação por metais pesados.
Para vender seus tratamentos a pais e seguradoras a um custo de mais de US $ 5.000 por mês, os Geiers diagnosticaram indevidamente crianças com puberdade precoce, sem realizar os testes diagnósticos necessários. Eles também enganaram os pais a acreditarem que o regime foi aprovado para tratar o autismo, de acordo com uma investigação de 2011 do Conselho de Médicos de Maryland. O conselho revogou a licença médica estadual de Mark Geier, dizendo que sua prática “excede em muito suas qualificações e conhecimentos”, e outros estados seguiram o exemplo.
Bem, se você ao final de quase 2000 palavras, ainda está cético de quanto avanço as vacinas trouxeram, ou mesmo tem medo de vacinar seus filhos por diversas crenças, lembre-se que há pouco mais de 70 anos, quando diagnosticadas com tais doenças, era um atestado de morte.
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Referencias
MEREDITH WADMAN, JIA YOU. The vaccine wars: Debunking myths, owning real risks, and courting doubters. SCIENCE28 APR 2017 : 364–365.
KAI KUPFERSCHMID. The science of persuasion: Vaccines save lives. But what is the most effective way to convince worried parents? SCIENCE28 APR 2017 : 366–369
LINDZI WESSEL. Vaccine myths: Health officials say vaccines are safe, so where do common vaccine concerns come from? SCIENCE28 APR 2017 : 368–372
MEREDITH WADMA. Vaccines on trial:vaccine court weighs real versus bogus risks.SCIENCE28 APR 2017 : 370–373 The U.S.
Gazeta do povo: Ativistas anti-vacinas podem trazer doenças erradicadas de volta ao brasil
Folha de S. Paulo: Vacinação de crianças no país atinge índice mais baixo em 16 anos.
Expresso sapo : Surto de sarampo atinge comunidade somali nos EUA que foi alvo de campanha antivacinas
G1: Casos de sarampo aumentaram 400% na Europa em 2017, alerta OMS
G1:Taxa de cobertura de vacinação cai mais de 20% em cinco anos no Rio Grande do Sul
BBC:Vacinação em queda no Brasil preocupa autoridades por risco de surtos e epidemias de doenças fatais