Autocontrole em prol do grupo durante o COVID-19: Conseguiremos?

Thais Guimarães
Unidades Imaginárias
2 min readApr 7, 2020

--

Ontem, assistindo ao jornal daqui, da Bahia, prefeitos de algumas cidades do interior suspenderam o decreto para o fechamento do comércio. Eles alegam que não há pessoas infectadas com COVID-19 na cidade ou que, mesmo tendo pessoas infectadas, Deus ajudará (“faz por ti que te ajudarei”). Ao mesmo tempo, em outras cidades da Bahia existem decretos determinando valores de multas para impedir que pessoas abram seu comércio, fortalecendo a medida protetiva de isolamento social.

Esta questão me faz pensar que durante o meu doutorado um dos pontos de minha pesquisa foi sobre autocontrole em situação de grupo. Fizemos um análogo experimental de autocontrole a nível de grupo (tecnicamente, autocontrole ético), no qual três pessoas poderiam se comportar coordenadamente para produzir consequências atrasadas para o grupo (isto é, em prol do grupo) ou poderiam se comportar para produzir consequências imediatas individuais (podemos chamar de agir impulsivamente, prejudicando a produção do grupo). Uma das variáveis manipulada foi a retirada de consequências produzidas pelo grupo quando um dos membros se comportava impulsivamente (tecnicamente, punição negativa).

No geral, os dados demonstraram a seleção de comportamentos em prol do grupo, quando a retirada de consequências estava presente (maiores detalhes no artigo indicado abaixo).

O que quero dizer até aqui? Semelhante à descrição acima, estamos vivendo um momento de conflito entre consequências. Realizar isolamento social (gostei do termo “isolamento físico” que li em alguma postagem, visto que a aproximação social tem ocorrido via internet, por exemplo), lavar as mãos e usar álcool em gel são comportamentos em prol do coletivo, porém as consequências são atrasadas, no geral. Sair tranquilamente para desempenhar atividades poderá ocorrer daqui a alguns meses, por exemplo.

Sair para locais com aglomeração, fazer festinha em casa, são comportamentos impulsivos, prejudicando o coletivo (com maior probabilidade de pessoas infectadas) e promovendo, no geral, consequências imediatas individuais (a exemplo da agradável sensação de papear presencialmente). Apesar de estarmos em contato com conflitos entre consequências o tempo todo, quis explicitar conflitos pertinentes ao tópico deste texto.

Por fim, levanto alguns questionamentos: os decretos com multas (retirar dinheiro da pessoa que se comporta abrindo o comércio) podem ser medidas eficazes para a seleção de comportamentos autocontrolados em prol do grupo? Quais outras medidas (legais e éticas) podem ser adotadas para selecionar comportamentos autocontrolados em prol do grupo?

Indicação de leitura

Guimarães, T. M. M., Picanço, C. R. F., & Tourinho, E. Z. (2019). Effects of Negative Punishment on Culturants in a Situation of Concurrence between Operant Contingencies and Metacontingencies. Perspectives on Behavior Science, 42(4), 733–750. https://doi.org/10.1007/s40614-019-00224-z

--

--

Thais Guimarães
Unidades Imaginárias

Doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Atuo como pesquisadora, docente e psicóloga nas áreas de desenvolvimento humano e de práticas culturais.