Como defender pênaltis

Cartas de um Flaneur — #018

Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira
5 min readOct 22, 2020

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“Por que você torce para o Palmeiras?” Talvez essa tenha sido a pergunta que mais ouvi durante minha vida. Faz algum sentido me fazer essa pergunta, até porque sou mineiro, criado no Rio de Janeiro e crescido em Brasília. Realmente é um pouco curioso como eu torço para o Palmeiras. Talvez seja mais uma obra da aleatoriedade, ditando o ritmo das nossas vidas, ou talvez seja apenas uma escolha que eu fiz. Querendo ou não os anos 90 foram gloriosos para o Palmeiras. Como esquecer daquele time que só faltou conquistar o mundo.

Não estou aqui para contar a história do Palmeiras. Acho que a torcida que canta e vibra já conhece muito bem, e os leitores que não são palmeirenses talvez não tenham nenhum interesse na história deste grandioso clube. Como diria Joelmir Beting: “Explicar a emoção de ser palmeirense a um palmeirense é totalmente desnecessário. E a quem não é palmeirense é simplesmente impossível.”

Ao falar do Palmeiras não tem como não falar de um dos maiores ídolos, não só do clube, mas de todo o Brasil. O goleiro com nome de santo, São Marcos de Palestra Itália. É difícil achar alguém que não goste desta figura do esporte. Além de um grande atleta, é um grande ser humano que trouxe felicidade a todos os brasileiros em algum nível. Conhecido por suas defesas plásticas, sua maior característica era pegar pênaltis.

Lembro de ouvir uma vez que Marcos simplesmente escolhia um canto e pulava. Sinceramente eu não sei o seu segredo, mas é inegável o sucesso que ele teve como pegador de pênaltis. Sempre decisivo, era impressionante sua capacidade de tomar a decisão de qual canto pular, frente a incerteza de qual canto o batedor irá chutar.

Sobre isso, Gerd Gigerenzer pode nos ajudar. Gerd é um psicólogo alemão e uma das grandes referências no estudo da racionalidade limitada e heurísticas na tomada de decisão. Muitos de seus estudos nos ajudam a entender como tomar melhores decisões sob ambientes de incerteza, o que é extremamente valioso no mercado financeiro (ou para defender pênaltis).

Ainda sobre o assunto futebolístico, Gerd relembra a decisão por pênaltis nas quartas de final da Copa do Mundo de 2006 entre Alemanha e Argentina. Aconteceu algo peculiar naquela decisão. O goleiro alemão Jens Lehmann lê um pedaço de papel antes de cada cobrança argentina. O jogador que vai bater se pergunta o que está escrito ali e supõe que contém alguma informação sobre seu estilo e preferências de batida. No fim, Lehmann defendeu duas cobranças e levou a Alemanha à semifinal da competição, despachando nossos hermanos para casa.

Obviamente, a imprensa atribuiu a vitória alemã ao papelzinho do goleiro. Gerd tem outra teoria. Ele traz alguns estudos que mostram que o desempenho de grandes jogadores é prejudicado quando param para prestar atenção no que estão fazendo ou pensam demais. Já para jogadores iniciantes o oposto vale: eles tendem a performar melhor com mais reflexão, tempo e atenção.

Apoiado nesses estudos sobre intuição, a interpretação de Gerd Gigerenzer toma forma. O goleiro alemão examinou o pedaço de papel calmamente, o que fez o batedor argentino conjeturar sobre o que estava no papel durante todo o percurso do meio de campo até a bola. O que o batedor não sabia é que se tratava de um pedaço de papel em branco. Não havia nenhuma informação ali.

Por fim, Gerd explica que a proficiência é uma forma de inteligência inconsciente. No momento em que conseguimos fazer um pensamento consciente se intrometer, o desempenho tende a cair. Foi justamente isso que aconteceu com o batedor argentino. A simples reflexão do que continha no papelzinho do goleiro afetou a maneira como cobrou o pênalti e facilitou a defesa de Lehmann.

Esse efeito de como a percepção afeta a situação me faz lembrar da teoria de um grande investidor, talvez o maior de todos. George Soros. Para os hereges que não conhecem George Soros, ele é um investidor bilionário conhecido por seus movimentos ousados e precisos. Em uma de suas investidas ele apostou contra a libra esterlina, faturou 1 bilhão de dólares e quebrou o Banco Central da Inglaterra, no evento que ficou conhecido como Quarta-Feira Negra. O húngaro sempre foi reconhecido pela sua capacidade de investimento, mas poucas vezes foi lembrado como um intelectual por seus estudos filosóficos e teorias a respeito dos mercados.

Soros tem uma visão única do mercado. A maioria dos investidores acredita que os preços do mercado tendem a levar em consideração os acontecimentos futuros antes mesmo que eles ocorram. Para Soros isso não é verdade. Diferentemente do consenso, o que ele expõe em sua teoria da reflexividade é que essas crenças alteraram os fatos. Mas como assim?

Para ele a distorção funciona em ambas as direções. Reflexividade. Segundo Soros: “Não só os participantes do mercado operam com um certo viés, como esse viés também pode influenciar o curso dos eventos. Isso pode criar a impressão de que os mercados antecipam os acontecimentos futuros com exatidão, mas na verdade não são as expectativas presentes que correspondem aos eventos futuros, e sim o eventos futuros que são delineados pelas expectativas presentes.”

A maneira como esse processo de percepção e realidade se afetam é o cerne da sua teoria. A realidade não existe sozinha, ela influencia a formação das expectativas, que, por sua vez, volta a influenciar a realidade, de maneira reflexiva. Exatamente como o papel na mão do goleiro Lehmann! Acho que já deu para entender.

Este ciclo dialético que se retroalimenta pode gerar certos exageros, chegando aos extremos de boom-and-bust. A chave para o sucesso nos investimentos é saber reconhecer o ponto no qual os mercados começam a se alimentar do seu próprio impulso. “Quanto maior a incerteza, mais pessoas são influenciadas pelas tendências de mercado; e quanto maior a influência da especulação seguidora de tendência, mais incerta a situação se torna.”, resumiu Soros.

Não é raro encontrar vários exemplos práticos da teoria da reflexividade. Os inúmeros ajustes das expectativas econômicas que catalisaram o Corona Crash, a farra nas opções de Cogna, a euforia e depressão das ações de IRB Brasil e mais recentemente a subida meteórica e a rápida derrocada das ações de MMXM3.

Em linha com os conselhos de Gerd Gigerenzer para tomar boas decisões, George Soros conclui que você precisa de intuição. A reflexividade como teoria não faz com que você seja capaz de prever o futuro. É preciso combinar a teoria com a intuição para ganhar dinheiro. Talvez seja exatamente esse o segredo do sucesso de São Marcos. A percepção por parte do cobrador que Marcos é um exímio pegador de pênaltis, combinada com a intuição de escolher um canto e pular.

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Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira

Estudante de Engenharia de Controle e Automação e membro da UNIFEI Finance Itabira. https://medium.com/unifei-finance-itabira