O que eu quero que você entenda de uma vez por todas

Cartas de um Flaneur — #011

Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira
9 min readJun 18, 2020

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Estava ansioso para escrever sobre esse tema. É uma das coisas que mais acredito, e pauto a maioria das minhas decisões, tanto pessoais quanto financeiras, nas conclusões acerca do assunto. Tenho que revelar que não foi fácil compilar tudo o que gostaria de dizer sobre isso, mas espero que o resultado seja satisfatório. Nem mesmo dentro da UNIFEI Finance Itabira o assunto é unanimidade, sendo motivo de discussões homéricas entre os membros. Estou aqui para passar como enxergo e quais as implicações desses conceitos.

Quero que você entenda de uma vez por todas: Volatilidade não é risco!

Em qualquer busca rápida pela internet você vai encontrar que a volatilidade é a métrica mais famosa usada para calcular o risco de mercado, e que sua medição é feita por meio de um instrumento estatístico chamado desvio padrão. Quanto mais volátil for um ativo, mais significativa é a sua variação em relação às flutuações de mercado e mais arriscado esse ativo é.

Pronto, agora você pode esquecer tudo o que leu no parágrafo anterior e seguir o texto daqui para frente, se quiser entender como esse conceito é tratado de forma errada pelos mercados.

Começando pela definição de risco, que nada mais é que a possibilidade de perda permanente de capital. Nada tem a ver com volatilidade. Quando estamos incorrendo em algum risco de mercado, há a real possibilidade de que esse capital se perca permanentemente, e isso que devemos evitar, não incorrendo em riscos desnecessários.

Dito isso, vamos entender outro conceito. Creio que a maioria deva conhecer a curva gaussiana, ou curva em formato de sino. Qualquer pessoa que tenha estudado estatística básica já se deparou com essa curva. Pois bem, utilizaremos dela para entender um pouco mais sobre o risco.

A curva de Gauss é uma representação da distribuição de probabilidades pela sua frequência de ocorrência. Trazendo para o nosso contexto, os riscos mais prováveis de ocorrer estão no centro da distribuição, enquanto os que são menos prováveis, ou não mensurados, estão nas caudas da distribuição.

Quanto maior for a concentração de eventos observáveis, menor a variabilidade entre eles, ou seja, a curva adquire caudas mais longas e um pico muito maior. Essa ausência de variabilidade empurra os riscos para as caudas, suprimindo-os e negligenciando a ocorrência deles, tendo em vista que são poucos prováveis de acontecer. É justamente aí que mora o perigo.

Para tornar mais claro o que quero dizer, recorro ao problema da indução de David Hume, exemplificado na história do peru de ação de graças de Bertrand Russell. Imagine um peru que é alimentado diariamente. A cada refeição servida, a crença de que será alimentado no dia seguinte se reforça. A partir da observação dos dias anteriores, cada vez mais cresce a confiança de que o granjeiro preza por sua saúde e alimentação. Isso acontece por 999 dias sem que a ave tenha sua confiança, ou sua vida, ameaçada. O que acontece é que o milésimo dia é justamente o dia de ação de graças e … SURPRESA! Ele vira a refeição.

Sua confiança aumentou à medida que o número de refeições cresceu, assim como sua sensação de segurança, apesar de sua morte ser cada vez mais iminente. A sensação de segurança atingiu o ponto máximo no mesmo momento que o risco estava no ponto mais alto. Justamente no momento de menor volatilidade de sua vida e de maior confiança, foi quando ele estava correndo o maior risco. Algo funcionou no passado, até que não funcionou mais. E o que aprendemos do passado se mostrou irrelevante, falso, ou até mesmo enganador.

De forma análoga temos o descobrimento dos cisnes negros. Para quem não conhece a história, vou apresentar rapidamente aqui. No século XVII acreditava-se que todos os cisnes eram brancos, pois toda observação feita confirmava essa premissa. Toda essa crença foi por água abaixo quando um cisne negro foi avistado na Austrália. Bastou uma única observação para falsear toda afirmação feita anteriormente.

A hipótese de que todos os cisnes são brancos, idealizada por milhares de anos de observação, foi completamente falseada por um único evento. “Ausência de evidência não é evidência de ausência”. E tomando como base esse ocorrido o filósofo Nassim Taleb cunhou sua teoria. Ele denominou de cisne negro um evento raro, de alto impacto e que parece óbvio depois de ocorrido.

Não quero aqui fazer um texto ornitológico, nem mesmo tenho qualquer experiência com aves, mas as situações acima são necessárias para a exemplificação e o entendimento dos conceitos. Taleb descreveu como é a anatomia de um cisne negro em três tópicos.

i) Raridade: O cisne negro é um outlier, pois está fora do âmbito das expectativas comuns. Nada no passado pode apontar convincentemente para sua possibilidade de ocorrência.

ii) Alto impacto: O cisne negro exerce um impacto extremo quando ocorrido.

iii) Imprevisibilidade: Apesar de ser imprevisível, a natureza humana faz com que desenvolvamos explicações para sua ocorrência após o evento, tornando-o explicável e previsível.

Gostaria de abrir um pequeno parêntesis. Se um cisne negro é um evento raro, de alto impacto e imprevisível, por que insistimos em tentar explicá-lo a posteriori? Por causa do nosso viés de retrospectiva ou do problema da falácia narrativa.

O viés de retrospectiva se caracteriza como a tendência de observar um fenômeno e achar que se sabia do resultado desde o começo. Depois, e somente depois, de ocorrido, é que o evento parece totalmente óbvio.

As falácias narrativas emergem de nossa contínua tentativa de dar sentido ao mundo. Nós, constantemente, nos enganamos construindo justificativas frágeis para o passado e acreditamos que elas são verdadeiras.

Fechando esse parêntesis e retomando o assunto principal, existem algumas definições de risco que valem a pena caracterizar. Essa exegese se faz necessária para irmos além do risco do tipo cisne negro, apesar de poder ser encontrado frequentemente nessas definições.

Risco sistêmico: É o risco do sistema financeiro e das instituições financeiras. Está associado à confiança das pessoas ao sistema financeiro. O dinheiro é, na essência, uma construção social, ou seja, ele só possui valor porque acreditamos que esse valor existe. É puramente uma questão de fé, crença. Uma crise de desconfiança pode abalar o mercado financeiro como um todo.

Risco sistemático: Este risco está associado à economia como um todo. Uma recessão ou depressão afeta todos os setores da economia de maneira geral. Poucas são as empresas que não sofrem seus efeitos. As atividades econômica e produtiva caem, o desemprego aumenta e o mercado financeiro desaba. A própria diversificação entre ações não elimina o risco sistemático, pois numa grande crise tudo vai para o mesmo buraco.

Risco não sistemático: Este risco afeta um ativo ou um conjunto restrito de ativos. Está associado à problemas particulares de alguma empresa ou setor específico. Neste caso a diversificação de ações mitiga o risco não sistemático.

Existem alguns conceitos ou índices que são ferramentas interessantes para mensurar alguns riscos específicos de maneira a deixá-los mais palpáveis.

Podemos começar com o risco de liquidez. A dificuldade ou impossibilidade de liquidar um ativo deve ser sempre levada em consideração. Seja em algum produto de crédito privado, um fundo que não condiz seu tempo de resgate com os ativos em custódia ou até mesmo aquela small cap onde o volume negociado é ínfimo. Para exemplificar o risco de liquidez existe uma frase bastante dita: “O mercado é um grande teatro com uma porta pequena”. Como não lembrar da cena do cinema pegando fogo no filme Bastardos Inglórios?

Outro risco que se deve levar em consideração ao realizar seus investimentos é o risco de crédito. Este risco é caracterizado pela possibilidade da contraparte não assumir suas obrigações financeiras acarretando em perdas. Quando se compra um título de dívida de uma empresa, instituição financeira ou do próprio país e este não cumpre o acordo firmado, o calote está dado. Muita atenção ao investir em produtos de crédito privado como CDB, LCI, LCA, debêntures e qualquer outro produto associado a emissão de dívida.

Nenhum desses riscos está associado com a volatilidade, diferentemente do que grande parte do mercado acredita. Talvez sejam riscos igual ao do peru de ação de graças, quando a volatilidade está em seu mínimo, ela se manifesta e leva a perdas consideráveis.

Mas depois de falar tanto sobre os riscos, vamos trazer a volatilidade de volta para a conversa. Por mais que eu acredite que ela não é um risco, a volatilidade tem um papel fundamental.

Compartilho da mesma visão de volatilidade de Christopher Cole, da Artemis Capital, que a define assim:

A volatilidade é um instrumento de revelação da verdade. A volatilidade como conceito é algo completamente mal interpretado. Volatilidade não é medo ou o índice VIX. Não é uma estatística, um desvio padrão ou qualquer outro número derivado de uma fórmula abstrata. Volatilidade não é diferente nos mercados do que ela é na vida. Independentemente de como é medida, volatilidade reflete a diferença entre a forma que enxergamos o mundo e o mundo como ele existe, de fato. Nós só vamos prosperar se perseguimos obstinadamente a verdade, nada além da verdade. Caso contrário, a verdade nos encontrará por meio da volatilidade”.

De tempos em tempos eu releio essa definição e fico arrepiado toda vez. Colocar em palavras o que a volatilidade significa não é algo trivial. A volatilidade é o fracasso do meio, a falha de uma realidade que pensávamos que conhecíamos. É o arranhão nessa crença, o questionamento do meio que estamos inseridos, a incerteza de que esse meio realmente existe ou é viável.

A volatilidade muda conforme a sua percepção, como se fosse um quadro do M. C. Escher. Dependendo do seu ponto de vista, pode estar subindo ou descendo pelas escadas. Um risco presente pode ser transformado num risco futuro, ou um risco privado pode virar um risco público. A Volatilidade não pode ser destruída, apenas pode ser transmutada em um diferente formato.

Trazendo para nosso momento atual, não se trata de valuations distorcidos ou impressão exagerada de dinheiro. Quando a consciência coletiva deixar de acreditar que o crescimento pode ser criado pela expansão do dinheiro e da dívida, todo o meio ruirá. Caso contrário, continuará sendo real. A crença de que o meio é a realidade é o que mantém o edifício unido temporariamente, e qualquer fragilidade do meio gera fissuras na realidade.

O verdadeiro conhecimento não está no que você sabe, mas certamente está no que você não sabe. As realidades mais imediatas são as mais difíceis de ver. Se você quer saber quando a volatilidade realmente chegará, basta observar a mudança do meio. Para contextualizar, recorro aqui ao conceito de mudança de paradigma de Ray Dalio: “Identifique o paradigma que você está inserido, examine se é e como é insustentável e visualize como a mudança de paradigma ocorrerá”.

Discorrido tudo isso, cabe concluir que há algo particularmente capcioso sobre o risco. É muito difícil de medi-lo. Se você busca total controle sobre o risco, você se tornará seu servo. Não existe essa coisa de controle, existe apenas probabilidades. Em muitas situações mal sabemos o risco que estivemos submetidos, mesmo depois do ocorrido. Você não sabe o que você não sabe. É justamente os unknown unkowns de Donald Rumsfeld. Aquilo que sequer sabemos que não sabemos, vai além da nossa capacidade de mapeamento.

Os maiores riscos são justamente os desconhecidos, para os quais não estamos preparados. Devemos assumir nossa ignorância e sermos humilde perante a incerteza. Volatilidade é apenas um instrumento de revelação da verdade, em nada se assemelha ao risco. Entenda isso de uma vez por todas e …

Não seja um peru!

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Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira

Estudante de Engenharia de Controle e Automação e membro da UNIFEI Finance Itabira. https://medium.com/unifei-finance-itabira