Por que tirar as castanhas da mesa de jantar?

Cartas de um Flaneur — #004

Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira
6 min readApr 23, 2020

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Imagine-se em um jantar na sua república. Enquanto a típica lasanha de miojo está no forno, você e seus convidados estão a mesa bebendo e comendo uns tira gostos. Em poucos minutos o pessoal já comeu mais da metade dos petiscos e você, com receio de que isso comprometa o apetite dos convidados, coloca os petiscos na cozinha, retirando-os do alcance. Todos ficam satisfeitos com a sua atitude, pois ninguém quer deixar de saborear uma incrível lasanha de miojo, não é mesmo?

Esse pequeno exercício de imaginação serve para exemplificar vários dos nossos vieses comportamentais. Retirar os petiscos da vista não impede de querer continuá-los beliscando, ou, ao mantê-los ao nosso alcance, poderíamos simplesmente optar por não comer mais, para assim esperar o jantar. Então, por que tirar os petiscos da mesa? Porque nós somos humanos!

A teoria econômica construiu o Homo Economicus, um modelo de ser com capacidade de tomar as melhores decisões baseando-se somente na racionalidade e otimização de escolhas. Os Econs (carinhosamente chamados assim por Richard Thaler) são a representação do comportamento das pessoas no mundo econômico, onde as escolhas são sempre tomadas para maximizar os benefícios e minimizar os custos.

Com os avanços da economia como ciência e da incorporação da psicologia e sociologia em seu campo de estudos, surgiu a linha da economia comportamental. Essa nova abordagem veio para lembrar que nós, seres humanos, somos dotados de emoções, sendo assim, o uso da racionalidade pode ser limitado. Nem sempre o autocontrole se faz presente e nossas preferências podem mudar de acordo como algum problema é apresentado diante de nós.

As duas principais autoridades no assunto são Daniel Kahneman e Amos Tversky, dois psicólogos israelenses que foram os precursores nos estudos de finanças comportamentais e responsáveis pela teoria da perspectiva. Kahneman chegou a ganhar o prêmio Nobel de economia em 2002 (Tversky já tinha falecido nesta data) por esse trabalho.

Daniel Kahneman e Amos Tversky

Para exemplificar a teoria da perspectiva te proponho um problema bem simples:

Problema 1: O que você prefere?

Conseguir R$ 4.500,00 com certeza OU 90% de chance de conseguir R$ 5.000,00

Problema 2: O que você prefere?

Perder R$ 4.500,00 com certeza OU 90% de chance de perder R$ 5.000,00

A grande maioria das pessoas, provavelmente você está entre elas, é avessa ao risco no problema 1, preferindo a primeira opção. O valor subjetivo de um ganho de quatro mil e quinhentos reais é maior que a probabilidade de 90% de ganhar cinco mil reais, por mais que o valor esperado seja o mesmo.

Já no problema 2, se você for como a maioria das pessoas, a opção foi pela aposta. Para explicar a escolha da segunda opção podemos usar o mesmo conceito do problema 1. O valor subjetivo de perder quatro mil e quinhentos reais é muito maior que 90% de chance de perder cinco mil reais.

Temos uma aversão muito maior a perda certa, e isso nos impulsiona a correr o risco. Isso significa que, em geral, não temos aversão ao risco e sim uma aversão a perda. O risco é aceitável quando se buscar evitar uma perda líquida e isso contradiz totalmente a teoria econômica, onde teríamos que ser consistentes e optar pela mesma opção de maneira racional.

Existem diversos vieses e heurísticas estudadas por Kahneman, Tversky e vários outros psicólogos que se dispuseram a entra no ramo da economia comportamental. Suas contribuições têm ajudado bastante a comunidade financeira de modo geral a entender e interpretar melhor as decisões que tomamos em nosso cotidiano. Gostaria de apresentar mais alguns conceitos que julgo importante para o desenvolvimento e formação de bons investidores.

Gostaria de começar apresentando a heurística da disponibilidade. Nada mais é que a tendência de julgar as probabilidades com base em quão fácil os exemplos vêm à mente. Muitas vezes nos baseamos em eventos específicos, mas que são facilmente lembrados, superestimando a ocorrência desses eventos e excluindo outras informações pertinentes.

Tomamos como exemplo algum acidente aéreo amplamente noticiado pela mídia. Com certeza esse tipo de informação vai ficar mais disponível em sua cabeça, afetando sua sensação de segurança ao voar. Você rejeita, ou não leva em consideração, toda segurança envolvida em um voo e suas baixíssimas taxas de falhas. Tem gente que cogita fazer uma longa viagem de carro, por receio de que um novo acidente aéreo possa ocorrer nesse curto espaço de tempo, mas mais uma vez, não leva em consideração que a probabilidade de acidentes rodoviários é 266 vezes maior que de acidentes aéreos.

Isso nos leva a outro erro comportamental. O viés de confirmação pode ser definido como a tendência de lembrar, interpretar e recuperar informações de maneira que confirme ou reforcem nossas convicções prévias ou opiniões pessoais. Atualmente tem-se acentuado esse tipo de viés levando-se em conta os algoritmos de recomendação que temos em redes sociais, serviços de streaming ou players de música.

Toda essa tecnologia reforça nossas preferências individuais nos deixando cada vez mais distante de um ponto de vista diferente. Ficamos imergidos na nossa própria bolha de assuntos e não nos expomos de forma a entrar em contato com o conflituoso ou o contraditório. Se uma tese não encontra sua antítese, não será possível formular uma nova síntese, superior a primeira.

Esse é um viés que estamos sempre sujeitos. Não gostamos que discordem da nossa opinião e estamos sempre buscando algo ou alguém que confirme nossas crenças. Temos que sempre ficar alertas, principalmente se tratando das nossas finanças, pois pode nos levar a tomar decisões equivocadas. Não queremos que tudo que consumimos reforcem nossas crenças, temos que estar abertos a visões distintas para assim continuarmos formando nossas ideias de investimentos. Sempre colocando a prova o que acreditamos como verdade, pois o mundo é dinâmico e não podemos ficar estáticos em uma única ideia que julgamos ser a certa.

Por fim temos uma expressão que engloba toda essa discussão. WYSIATI (What you see is all there is). Em tradução livre quer dizer, o que você vê é tudo que há. Temos a tendência de focar na evidência existente e ignorar a evidência ausente. A essência do conteúdo está baseada em qualquer informação disponível, mesmo se a quantidade de informação seja mínima e sua qualidade seja duvidosa.

Um exemplo disso é tomar uma grande decisão de investimento baseado somente em um vídeo super bem produzido do seu youtuber favorito — o que você vê é tudo que há. Aparentemente não nos demos conta da pouca informação que tínhamos. Nossa memória associativa constrói rápida e automaticamente a melhor história possível a partir da informação disponível, por pior que ela seja.

Como exemplo pessoal gostaria de compartilhar uma crença que muitas vezes é reforçada. Por gostar de finanças e investimentos e consumir esse tipo de conteúdo por um pouco mais de três anos, às vezes me pego pensando se todo mundo tem esse cuidado com seu próprio dinheiro. Todos os dias leio inúmeros e-mails de finanças, relatórios de investimentos, assisto vídeos sobre o assunto. Eu fico submerso com tanta informação disponível e tão pouco tempo para consumir tudo que me é ofertado que cada vez mais vou me afundando nessa bolha. Parece que todo mundo só fala sobre isso.

Ao confrontar essa crença pude ver que num país com 211 milhões de habitantes, 66% dos brasileiros estão endividados. Para complementar, somente 14% dos brasileiros têm o hábito de poupar e apenas 2,24 milhão possuem cadastro na nossa bolsa de valores e tem acesso a investimentos de qualidade, isso é um pouco mais de 1% da nossa população.

Levando tudo isso em consideração é possível ver a lacuna entre o mundo real e a minha realidade. Por isso me disponho a falar e escrever sobre investimentos como forma de diminuir essa disparidade financeira no nosso meio.

Dito isso, coloco a seguinte pergunta: Será que usei de toda essa informação disponível para reforçar minha argumentação e confirmar meu ponto de vista? Não sei dizer, mas se me permite te deixar um conselho: Controle seus vieses!

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Yves Hermínio
Unifei Finance Itabira

Estudante de Engenharia de Controle e Automação e membro da UNIFEI Finance Itabira. https://medium.com/unifei-finance-itabira