Índice de gravidez na adolescência em Porto Alegre é o maior da região sul

Paola Sartori
Unisinos Investiga
Published in
9 min readDec 4, 2015

Porto Alegre é a capital da região sul com maior índice de mães jovens de 10 a 19 anos, conforme dados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), do Ministério da Saúde. A gravidez precoce representa 17% de todos os nascimentos na capital, segundo dados compilados do Observa Poa e IBGE, de 2013.

São casos como os de Bruna Rodrigues, 16 anos. Ela engravidou aos 15, e seu filho Davi tem 3 meses. Quando descobriu sua gravidez tinha recém ingressado no 1° ano do segundo grau na vila Safira Bairro Mário Quintana em Porto Alegre. O bairro, segundo dados do Observa Poa, é o que mais concentra adolescentes grávidas, conforme será mostrado na sequência.

Hoje ela mora com o pai da criança, um metalúrgico de 24 anos, na cidade de Eldorado do Sul na região metropolitana de Porto Alegre. Por falta de dinheiro Bruna deixou de ir à aula, seu namorado deixou de estudar quando estava no ensino fundamental.

A adolescente começou o pré-natal com 5 meses de gestação quando uma vizinha a incentivou a ir ao posto de saúde. Admite ter levado um susto ao saber que tudo o que ela fazia influenciava na formação do bebê.

A vida de uma adolescente que gostava de sair em festas durante a madrugada para beber,parou. Além disso conta que aquela menina que adorava ser cuidada pelos outros, agora tinha em suas mãos a vida de outra pessoa. O convívio social com amigos foi diminuindo e muitas vezes, ela relata, batia o arrependimento por não ter usado uma forma de prevenção, pois achava que uma gravidez indesejada nunca fosse acontecer com ela.

Foto: Bruna Rodrigues e o filho Davi (Arquivo Pessoal)

“O Davi me mostrou que o maior amor é o de mãe, e que somos capazes de tudo”

A rotina dela é cuidar do pequeno Davi, que nasceu em agosto, medindo 50 cm e com 4,3 kg. Acorda pelo menos 4 vezes durante a madrugada para alimentar o bebê: “ Apesar de tudo virou uma excelente dona de casa, mãe e esposa” diz o marido. Os gastos são muitos e o casal sobrevive também com ajuda de outros parentes, principalmente com roupas e fraldas. Sem saber onde trabalhar nem o que procurar, pois não possui experiência em nenhuma área e com a formação prejudicada, Bruna pretende voltar a estudar e encontrar um emprego para aumentar a renda da casa.‘Não tenho tempo para mim mesma, e aqueles sonhos de viajar para fora um dia, eu não vou realizar, mas eu amo meu gordinho, estou pagando por um erro, um dia vou realizar tudo que eu sonhei”. Relata Rodrigues.

Em Porto Alegre, conforme o Data Sus, houve 2.826 nascimentos entre jovens de 15 a 19 anos e 124 nascimentos entre meninas na faixa de idade de 10 a 14 anos no ano de 2013. O maior número ocorrências, proporcionalmente ao total, ocorreu no bairro Mário Quintana, na zona norte, com 25% dos registros. Já os menores índices ocorreram nos bairros Três Figueiras (zona Norte), Jardim Isabel e Pedra Redonda (ambos da zona Sul), onde não foi registrado nenhum caso.

A relação é diretamente proporcional aos indicadores sociais destes locais. O bairro Mário Quintana, localizado na região nordeste de Porto Alegre, tem o Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo da Capital, 0,638 pontos. De acordo com dados de 2012, um em cada quatro nascimentos de bebês foi proveniente de mães entre 10 e 19 anos. Nessa região da cidade, ao contrário do restante, a taxa de natalidade entre jovens permanece muito acima da média do município e estável (confira os gráficos).

Em comparação, os bairros Três Figueiras, Jardim Isabel e Pedra Redonda, que não tiveram registro de gravidez na adolescência, detêm índices altos de IDG, acima de 0,800.

Em Porto Alegre, conforme dados do Observa POA, entre 2004 e 2013, a taxa de nascimento de mães adolescentes é de 15%, acima da meta da Secretaria Municipal de Saúde, que é de 13%. No bairro Mário Quintana, a taxa ultrapassa os 20%, sendo o segundo pior ano da série histórica o ano de 2012. Porém, a SMS de Porto Alegre afirma que “os números não se mantiveram estáveis e sim sofreram oscilações inclusive com aumento em 2013 e com baixa em 2014 com o patamar menor que 2012”. Em 2013, não foi divulgada a taxa de nascimentos por bairro em Porto Alegre, contudo, a SMS relata que em 2014 a Gerência Distrital (que administra ações de saúde em regiões da cidade) constatou que os bairros com maior índice de gravidez precoce foram Partenon e Lomba do Pinheiro, mas não nos forneceu os números exatos.

Para melhor visualização, clique nos gráficos:

No Brasil, a capital gaúcha fica em sétimo lugar no ranking de gravidez precoce. Já a vizinha Florianópolis, ocupa o segundo menor percentual de nascimentos de grávidas adolescentes do país, ficando atrás apenas de Belo Horizonte. Os dados são de 2013, os últimos divulgados.

Divisor de águas para as adolescentes

A gravidez na adolescência é um divisor de águas para as jovens. Elas deixam de ser crianças para cuidar de outras crianças. Mesmo com políticas públicas de combate a gravidez precoce sendo reconhecido como problema de saúde pública por autoridades da área e por governos desde os anos 1970, as jovens que engravidam cedo ainda preocupam? Por quê?

Conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde), a gravidez na adolescência delimita-se à faixa etária entre 10 a 19 anos. Entretanto, no Brasil, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), criado em 1990, propõe que os adolescentes são os jovens entre os 12 e 18 anos. Porém, para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e para a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, o que vale para estruturação dos dados e das políticas públicas, são as idades estipuladas pela OMS.

As ações de combate à gravidez na adolescência no Brasil remontam ao ano de 1989, através do PROSAD (Programa de Saúde do Adolescente). A prevenção dos jovens ocorre através de resoluções baseadas na educação sexual e no acesso a métodos contraceptivos.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre existem projetos permanentes prevenção a gravidez precoce no município. São eles: Programa Saúde na Escola (PSE) que atinge 10.148 alunos de escolas participantes que recebem visitações das unidades de saúde. Já o Fique Sabendo Jovem, a unidade móvel estaciona em pontos específicos da cidade, públicos ou não, e aplica ações de conscientização e atendimento, como testes rápidos para constatar HIV e consultórios médicos.

A PMPA ressalta que além dos riscos físicos que essas jovens correm, muitas vezes por não ter o corpo formado completamente, há os sociais. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco) e o Ministério da Saúde, a gravidez precoce é a principal causa de evasão escolar do sexo feminino entre meninas de 15 e 17 anos no Brasil.

Lílian Azambuja hoje com 34 anos, casou-se aos 14, pois segundo a entrevistada seus pais “tinham problemas de relacionamento em casa e então meu pai sugeriu que eu casasse para diminuir os problemas deles. Se eu não casasse iriam se separar porque o meu namoro, com um cara 8 anos mais velho que eu, causava brigas”.

Na época, Azambuja cursava o 1º ano do ensino médio e trabalhava em uma loja de roupas. Quando casou pensava que poderia ter um filho, afinal era o que pessoas casadas faziam. Então largou a escola para se dedicar ao trabalho. A gravidez veio aos 2 meses de casada. Júlia nasceu em junho de 1997, porém, Lílian só conseguiu retomar os estudos em 2000, quando terminou o ensino médio, com então 19 anos.

A estudante comenta ainda que apesar de ter tido orientação sexual no período em que frequentou a escola, em nenhum momento foi abordado as consequências de se ter um filho tão jovem e toda a responsabilidade que vem junto com o bebê.

Aos 19 anos, após 5 anos casada com o pai de sua primeira filha, veio a separação. Teve que se desdobrar em muitas para criar uma filha sozinha, manter uma casa e voltar a estudar. Porém, quase um ano após se separar, Lílian casou novamente com o pai de sua segunda filha.

Ao ser questionada sobre como é olhar para trás nos dias de hoje e ver o resultado de suas escolhas, Lílian afirma que:

“Hoje minha filha mais velha tem 18 anos e sempre orientei sobre gravidez, pois sabia o quanto pesa a responsabilidade a a anulação em certos aspectos da vida. Tive sorte de tudo correr bem, apesar de todos os perrengues pelos quais passei. Consegui retomar minhas atividades, demorou, mas consegui. Claro que hoje não faria novamente, pois não sabia de todas as consequências, mas hoje somos felizes.”

Lílian Azambuja com as filhas (da esquerda para direita) Isabela e Júlia. Arquivo Pessoal.

Campanha de prevenção

A partir de 2006, a Prefeitura de Porto Alegre deu início a um programa, chamado “Adolescência: um projeto de vida”, de combate à gravidez precoce. Mas ele não foi muito longe, por causa das contestações do Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre. Lançado em novembro de 2006, por meio da parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Instituto Mulher Consciente (IMC), o programa durou até janeiro de 2007.

O objetivo era distribuir implantes de progestágeno (um hormônio sintético derivado da progesterona) da marca Implanon à adolescentes carentes com idade entre 15 e 18 anos, classificadas pelo índice de gravidez nos bairros nesta faixa etária. No Brasil, esse método contraceptivo não está entre os métodos adotados pelo Sistema Único de Saúde para controle de natalidade na adolescência. Nos consultórios privados o método custava, à época, cerca de R$ 2 mil, mas a PMPA não teria custo algum para a compra dos kits. Bastava apenas aplicá-los em Postos de Saúde e equipamentos da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc).

Entretanto, com o questionamento de que o programa não era adequado e que a Prefeitura estaria, de alguma forma, impondo a utilização do implante subcutâneo em detrimento de outros métodos contraceptivos, a campanha acabou suspensa em janeiro de 2007 e nunca mais foi retomada com essa finalidade específica.

Na época, o órgão municipal já havia recebido a doação de 2,5 mil kits. Para poder usar a doação e atender as exigências do Conselho Municipal da Saúde, o escopo de usuárias do programa de controle de natalidade foi ampliado para todas as mulheres em idade fértil da cidade.

A taxa de nascidos vivos de mães entre idades de 10 e 19, naquele ano, alcançou 17,6% do total, conforme dados da PMPA. No entanto, conforme dados colhidos pela reportagem no sistema de dados da prefeitura, nos dois anos seguintes, a taxa de nascidos vivos não retrocedeu.

Na verdade, foram registrados mais nascimentos de crianças. Só a partir de 2008, os índices recuaram da média de 17%, para uma média de 14,5%, mas ainda um pouco distante da meta de 13,65%, estipulado pela administração municipal. Em números reais, a redução de nascimentos entre mães de 10 a 19 anos chega a 400 por ano.

Atenção às jovens

O Programa de Assistência Integral à Gestante Adolescente (PAIGA), é um projeto desenvolvido pelo hospital Presidente Vargas em Porto Alegre que atua nos cuidados durante toda a gestação, auxiliando a mãe nos próximos desafios que virão. Oferecendo assistência ambulatorial a gestantes adolescentes de até 17 anos, atendimento pré-natal com assistência multidisciplinar, orientação e acompanhamento para anticoncepção após o parto e acompanhamento do bebê até os três anos de idade.

As adolescentes grávidas precisam de ajuda constante para lidar com essa nova vida, a maioria delas já vêm com histórico de violência sexual e maus tratos sofridos dentro de casa, são criadas durante a infância para trabalhar, sem nenhuma expectativa de vida melhor, relata a enfermeira Maria Luiza Schimidt que vivencia essas histórias todos os dias durante as reuniões que acontece no posto do SUS na zona sul da capital.

Na capital gaúcha as políticas municipais são balizadas através da implementação de políticas da União e do governo estadual. Porém, conforme a reportagem apurou, não é possível ter acesso aos dados anteriores ao ano de 2004 sobre maternidade na adolescência.Em comparação ao ano de 2004, 21,85% dos nascidos vivos foram de mães nessa faixa etária.

Esta reportagem foi produzida pelos alunos da disciplina de Jornalismo Investigativo da Unisinos 2015/2: Ana Carolina Oliveira, Leonardo Severo e Paola Sartori sob orientação da Professora Luciana Kraemer.

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