A Guerra pela Água

Daniela Cristófoli
Unisinos Investiga
Published in
8 min readNov 17, 2015

Possível privatização faz com que Prefeitura de Gravataí e Corsan iniciem “uma batalha” pelo controle dos recursos hídricos

Imagem: reprodução internet

Mais uma falha mecânica no sistema de bombeamento da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) prejudica os moradores de Gravataí. Aproximadamente 40 mil pessoas ficaram sem água no sábado, dia 14 de novembro de 2015. É como se a população inteira de Santo Antônio da Patrulha, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, tivesse o abastecimento interrompido. As Moradas do Vale I, II e III foram os bairros mais afetados. Segundo a Companhia, este sistema fica localizado junto à Estação de Tratamento de Água de Cachoeirinha, cidade que também teve problemas com o fornecimento.

No grupo criado por moradores da cidade, para avisos de utilidade pública, na rede social Facebook, intitulado “Acorda Gravataí”, as reclamações devido a falta de água começaram cedo no sábado. Dezenas de pessoas comentavam sobre o problema e cobravam soluções dos órgãos responsáveis. Os usuários pediam mais investimentos, cuidado com a população e até mesmo a privatização do serviço de fornecimento de água na cidade: “Aqui a falta de água é real, ficar sem o abastecimento, é ficar sem banho e sem roupa lavada”, desabafou Priscila Wolf, moradora do bairro Morada do Vale I. Já para Ivana Rauber, que também mora no bairro, não é surpresa o que acontece: “Assim que funcionam as coisas por aqui, dormimos com água e acordamos sem. Fui tomar banho logo que acordei e ao abrir o registro não tinha água. Liguei pra Corsan e disseram que retornaria só após as 22h”. Mesmo com a previsão de retorno para o sábado, muitas casas ficaram sem água também durante o domingo, quando o fornecimento foi totalmente regularizado.

Privatização da Água

Dos 100 maiores municípios brasileiros, Gravataí ocupa a 94º posição no estudo “Ranking do Saneamento”, realizado pelo Instituto Trata Brasil, no primeiro semestre de 2015. A cidade esta entre as que piores atendem a população no que se refere ao tratamento de água e esgoto. Segundo a assessoria de imprensa do Trata Brasil, o ranking é feito desde 2009 em cidades acima de 250 mil habitantes. O estudo se utiliza de dados publicados pelo Ministério das Cidades através do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Mais de 60 mil pessoas não possuem fornecimento de água potável em Gravataí, isso representa quase um quarto dos 255.660 habitantes que vivem na cidade, conforme dados do IBGE, publicados em 2010. Somente 22,29% dos moradores possuem o esgoto tratado, mais da metade da população tem seus efluentes domésticos jogados direto no Rio Gravataí, sem tratamento. Cenas, como a do vídeo a seguir, são comuns.

Após receber e avaliar o estudo “Ranking do Saneamento”, a Prefeitura publicou, no dia 29 de julho deste ano, no Diário Oficial da União, o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), para dar início ao processo de concessão da privatização da água na cidade, após divergências com a Corsan, que atualmente presta serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto no município. O processo de concessão é conduzido por dois gestores: o prefeito Marco Alba, na época secretário estadual de Saneamento; e o secretário geral do Governo Municipal Luiz Zaffalon, que foi presidente da própria Corsan, cargos importantes na questão da água e do esgoto, durante o governo Yeda Crusius.

Foi criado em Gravataí, um grupo de trabalho para definir o que deve ser feito com relação ao tema. O relatório desse grupo diz que o modelo atual de concessão à Corsan não serve para a cidade. “Esse é um serviço que já deveria estar universalizado há muito tempo. É um sistema falho, as respostas para os problemas são muito lentas. Os 75% da população que são atendidos sofrem uma série de problemas de desabastecimento. O diagnóstico é que a companhia não tem as condições de atender ao município”, disse Zaffalon.

No dia 29 de junho de 2015 em uma audiência pública na Câmara de Vereadores da cidade, que tinha como tema a “Privatização da água em Gravataí: quem vai pagar a conta?”, o Diretor-Presidente da Corsan, Flávio Ferreira Presser, defendeu que a empresa tem todas as condições de atender às demandas do município. “Nos comprometemos a aplicar R$ 459,5 milhões no saneamento do município durante a vigência do atual contrato, enquanto o Plano exige investimentos de R$ 456,9 milhões” disse Presser no encontro.

O secretário Zaffalon, informou que a prefeitura deve escolher o melhor projeto até o início de dezembro. A análise irá orientar o edital de licitação para a contratação da nova empresa de abastecimento de água e coleta de esgoto. A intenção é lançar o certame até o final de 2015. Como o PMI e a futura licitação estarão abertas a todas as empresas interessadas, até mesmo a Corsan poderá concorrer.

O Presidente do Conselho do Meio Ambiente de Gravataí (CMMA), Sérgio Cardoso, informou que durante seu mandato o tema privatização da água ainda não foi debatido. Para a Associação de Preservação da Natureza Vale do Gravataí (APN-VG), entidade que ele representa dentro do Conselho, devem ser separadas as questões da prestação de serviço da Corsan, onde entendem que deve ser melhorado o atendimento, do que permitir que uma empresa com objetivo apenas no lucro assuma. “A entrega da água como uma mercadoria sem critérios de acesso as pessoas de mais necessidade social parece um equivoco de gestão” defendeu Cardoso. Para a APN-VG o total desconhecimento da legislação de saneamento, permite grandes possibilidades de teses sem bases jurídicas sejam levantadas, inclusive desrespeitando o interesse coletivo regionais. Segundo Cardoso, atualmente, o município de Gravataí não possui autonomia técnica gerencial do uso da água dentro de seu território, tendo assim que importar água de outras fontes para abastecer o sistema municipal.

Ministério Público intervem pelo bem da população

O Ministério Público informou que ajuizou ação civil pública, no mês de janeiro de 2014, contra a Corsan. Nesta ação diversos pedidos foram feitos pedidos para invalidar do contrato celebrado entre o Município e a Corsan, um diagnóstico de todo o sistema instalado no Município, medidas emergenciais para regular o problema de abastecimento de água, fixar, nos casos de interrupção do serviço de abastecimento de água por questões de ordem técnica e operacionais, a obrigação da Corsan de efetuar o restabelecimento do serviço em até 12 (doze) horas contadas a partir da ciência de cada ocorrência de interrupção, entre outras solicitações. O processo está correndo na 2ª Vara Cível de Gravataí e já teve dois pedidos liminares acatados pela justiça. O primeiro deles obriga a Corsan a melhorar o serviço de abastecimento de água e, em caso de falta, forneça caminhões-pipa para que a população não fique desabastecida. O outro, obriga a empresa a informar a população sobre interrupções do fornecimento, a causa e o tempo em que deve ocorrer.

Segundo o MP não há processo referente à privatização em curso no órgão, “sobre o tema “privatização” do abastecimento de água, a questão não constitui objeto da ação, inexistindo qualquer expediente em curso, nesta Promotoria de Justiça, para apurar o fato, pois não existe qualquer definição do Município quanto ao seu propósito de efetivamente conceder o serviço de saneamento básico à iniciativa privada”, informou a Assessora Jurídica, Évelin Sofia de Oliveira, da Promotoria de Justiça Especializada de Gravataí.

Fotografia: Daniela Cristófoli

Investimentos e melhorias

A Corsan, através de sua assessoria, informou que está executando uma nova rede de 300 milimetros na Estrada Itacolomi, de Gravataí, canalização que levará água da ETA de Gravataí aos bairros Bom Sucesso e Vila Branca, atualmente abastecidos com água de Cachoeirinha. Essa obra liberará mais água para o sistema dos bairros Morada do Vale, beneficiando a região. Além disso, há projeto de implantação de novas redes de adução e investimentos nas casas de bombas de Cachoeirinha, obras que deverão estar concluídas no próximo ano e que deverão estabilizar o fornecimento de água desses bairros.

O Sistema de Abastecimento de Água integrado e a Falta de Água constante

Os sistemas de abastecimento da Região Metropolitana são, em sua maioria, integrados. Isto é: um mesmo sistema abrange mais de um município, tendo em vista os locais de captação, a qualidade das águas dos mananciais, a topografia da região e a quantidade de pessoas a ser atendida. Segundo a Corsan, estes sistemas são pensados para dar maior segurança no abastecimento da população.

É o caso dos bairros Morada do Vale I, II e III, abastecida pela ETA de Cachoeirinha, que trata e distribui para Gravataí água bruta captada no município de Canoas. Segundo informações da Corsan, em dias de consumo elevado, problemas na captação de água ou até mesmo na distribuição, a Morada do Vale pode sofrer queda de pressão, às vezes impedindo que a água chegue às residências.

Segundo informações da assessoria de imprensa da prefeitura de Gravataí os bairros mais atingidos pela falta de água, além das Moradas, são: Parque dos Eucaliptos e Cohabs (A, B e C). Estes bairros, em especial, enfrentam problemas de abastecimento de água há mais de 20 anos, causando dificuldades para a população.

O abastecimento dos bairros Cohab A, B e C é feito a partir da Estação de Tratamento de Água (ETA) de Gravataí. No verão de 2013, que registrou um calor bem acima da média histórica para aquele período, ocorreram alguns problemas de intermitência na distribuição desta região da cidade. A Companhia disse que investiu cerca de R$ 3 milhões no aumento da adução e na instalação de novas redes de distribuição, segundo a companhia, este investimento teria solucionado o problema nesses locais.

Porém alguns moradores ainda sofrem com a falta de água, Kamyla Dias,residente no bairro Cohab C, fala sobre a sua experiência com a falta de água: “a qualidade da água oferecida pela Corsan é péssima, o cheiro e a coloração são alterados, tivemos que optar por utilizar água de um poço, pois infelizmente se tornou inviável consumir á água. Na minha casa agora temos somente uma torneira com água da Corsan, mas mesmo assim pagamos um preço relativamente alto pelo serviço que é pouco utilizado. Com a falta de água os vizinhos buscam água em nossa casa”, explicou. Já outra parte da população diz que após os investimentos em 2013 houve melhoria no abastecimento de água, “Até 2013 tínhamos grandes problemas de abastecimento na região, até que foi feito conserto na rede, depois disto não faltou tanta água, somente quando acontece algo que atinge toda a cidade”, disse a dona de um Salão de Beleza localizado na Cohab C, Lidiane Ávila. Moradora do bairro Cohab B, Regina Jones também disse que o abastecimento tem melhorado, “apesar de ainda ter diversos problemas quando chove muito ou faz muito calor, depois de 2013 realmente melhorou o abastecimento de água no nosso bairro”, afirmou.

Para Gravataí a insatisfação dos serviços oferecidos pela Corsan justificam o fim do contrato entre as duas partes, por caducidade, ou seja, perda de validade. Com o rompimento do contrato, a empresa perderá o terceiro maior município da sua área de atendimento.

Fotografia: Daniela Cristófoli

O que resta para toda a população é esperar pela possível mudança. Enquanto isto ficam diversas dúvidas pelas ruas da cidade. Dúvidas como as da professora e moradora do município, Lorena Garcia:

“E se a privatização da água se concretizar será uma diferença só no abastecimento ou também no nosso bolso? Quais garantias temos?”.

--

--