Nível de estresse dos professores equivale ao de um técnico de enfermagem na emergência

Unisinos Investiga
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7 min readMay 20, 2015

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Por: Ana Fukui, Rafaela Dilly Kich e Roque Vilande

Suzana* é professora do ensino fundamental em Dois Irmãos há 25 anos. Para a docente, se colocar na frente de um grupo de pré-adolescentes com a tarefa de educá-los é um processo contínuo, porém árduo. E nem sempre prazeroso. Parte da desilusão vem do desrespeito, que começa inconsequente e pode acabar em agressões de todo o tipo — o que não é um fenômeno apenas das grandes cidades.

“Fui agredida verbalmente por um menino de 13 anos, que me mandou tomar no “c**”, em frente à turma, revela Suzana. Xingamentos como esse não são incomuns e são a principal queixa dos professores. Entretanto, no caso dela, a violência foi além: “Já fui até mesmo chutada em sala de aula”.

O caso foi levado à família, e o pai acabou indo até a escola: “Esse pai abriu o casaco e me mostrou o cabo de uma faca. Então expliquei que só estava tentando ajudar”, conta. O pai, então, respondeu: “Ainda bem…”. Suzana observa que essas agressões são predominantemente contra mulheres. “Um único professor foi agredido — e ele era homossexual.” No entanto, sobre a possibilidade de dar queixa na delegacia, a docente afirma: “Não registramos, pois isso só coloca mais lenha na fogueira. O aluno acaba agredindo novamente, riscando o carro e essas coisas”.

Outro caso é o da professora Viviane Machado. Ela é docente no Ensino Fundamental da Escola Municipal Maria Edila Schmidt e leciona há 12 anos: “Essas ocorrências dependem muito da localização da escola, sendo mais comuns nas áreas da periferia”, explica. Para diminuir as agressões entre os alunos e também contra o professor, ela tomou uma atitude: criou um projeto e convidou comissários de polícia para darem palestras na escola. Surgiu, assim, o programa Educação Mais Educação, envolvendo também os pais dos estudantes. O grupo mais violento, que já havia sido pego armado e traficando drogas, não foi mais flagrado dentro do colégio.

Denise Maria Maldaner é diretora do Projeto Global (Centro Integrado de Educação Complementar de Dois Irmãos). Em sua escola, já vivenciou de perto três casos de agressão física contra professores. “Esses casos foram resolvidos na escola. Houve conversa com aluno, chamamos a família, registramos a indisciplina, houve suspensão do aluno e encaminhamento ao Conselho Tutelar. A metodologia da escola para a solução é: primeiro conversar com o aluno; depois conversar com os pais; por fim, se houver necessidade, encaminhar ao Conselho”, sublinha.

Em Dois Irmãos, escola cria projeto para reduzir a violência. Foto: Roque Vilande

Estresse: 49% dos professores podem estar em sofrimento psíquico

As entidades representativas dos professores das escolas públicas e privadas vêm monitorando a violência escolar. Uma das principais maneiras de levantarem dados sobre o cenário das escolas é através de pesquisas realizadas com professores associados.

Alguns desses recentes levantamentos esboçam um pouco melhor o quadro da situação. O resultado de duas pesquisas realizadas pelo Centro dos Professores do RS (CPERS) trazem perspectivas diferentes: a primeira, faz um levantamento da saúde dos profissionais da educação, e a segunda, lida com a percepção da violência na escola.

Os dados mais recentes são de 2011. Um questionário aplicado a 3.166 trabalhadores da educação pública do Estado do RS mostrou que 49% deles podem estar sofrendo de transtornos psíquicos tais como pensamentos depressivos, humor depressivo-ansioso, decréscimo de energia e sintomas somáticos. É um nível de estresse equivalente ao de técnico em enfermagem de um grande hospital. Pesquisas dão conta de que 53% desses profissionais da saúde podem estar em sofrimento psíquico.

O Sindicato de Professores de Ensino Privado (SINPRO), por sua vez, traz outros indicadores sobre a violência escolar, a partir do trabalho do NAP — Núcleo de Apoio aos Professores. Algumas das agressões identificadas foram: destituição da autoridade do professor (relatada por 84,1% dos entrevistados), agressão via internet (relatada por 23,6% dos entrevistados) e agressão física (relatada por 14% dos entrevistados). Os resultados da pesquisa apontam ainda que 37% dos professores consideram a direção da escola omissa nas situações de violência, e 80% dos encaminhamentos dessas questões têm uma solução considerada insatisfatória.

A agressão a professores é frequentemente associada às escolas públicas. No entanto, os dados do SINPRO mostram outra faceta do problema. “As escolas particulares relutam em admitir a existência de violência escolar em seu interior e tendem a minimizar o problema”, conta uma professora de São Leopoldo que prefere não ser identificada.

Uma das principais diferenças entre os trabalhadores filiados ao SINPRO e ao CPERS é a sua relação com a instituição de trabalho. No SINPRO, os professores são ligados a entidades particulares de ensino e estão sujeitos à demissão, enquanto no CPERS, os professores possuem a estabilidade da carreira pública. Essa condição se reflete nos depoimentos dos professores ligados a cada esfera. Professores da escola pública têm menos receio de contar as histórias de seu cotidiano, enquanto professores da escola particular preferem fazer seus relatos de forma anônima.

A relação entre professor e aluno também se estabelece de maneira diferente. Na escola particular, por conta do aspecto financeiro, frequentemente o professor passa por um processo de objetificação, isto é, passa a ser tratado como um objeto de consumo e não como uma fonte de autoridade e saber. Os alunos são tratados muitos mais como clientes do que como aprendizes, e a escola, assim, cede boa parte de sua autoridade na manutenção de seus “fregueses”.

A escola pública por sua vez, muitas vezes, é uma das poucas instituições que pode ser associada à existência de um Estado e que deveria suprir as necessidades básicas dos indivíduos. Nessa situação, o professor é tomado com um representante de uma estrutura ineficiente e acaba por receber todas as críticas dirigidas a uma entidade difusa chamada de governo.

Prova Brasil: 33% dos professores afirmam ter sido agredidos verbalmente

Com o intuito de definir ações voltadas ao aprimoramento da qualidade da educação no país e a redução das desigualdades existentes, o Ministério da Educação — em parceria com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) — realiza a cada dois anos a Prova Brasil. Através dela, professores e diretores das turmas e escolas avaliadas respondem a questionários que coletam dados demográficos, perfil profissional e de condições de trabalho. Na última avaliação, o aumento da violência escolar foi comprovado: cerca de um terço dos professores que responderam ao teste disseram ter sido agredidos verbalmente por alunos (33%); um em cada dez afirmou ter sofrido ameaças (9,6%) e aproximadamente um a cada 50 apanhou de estudantes (1,9%).

Também de acordo com os resultados da Prova Brasil, as armas estão presentes no ambiente escolar. Respondendo ao questionário, 1.929 docentes que lecionam Língua Portuguesa e Matemática para alunos de 5º e 9º ano do Ensino Fundamental afirmaram que estudantes frequentaram a escola portando arma de fogo em 2011. O número corresponde a 0,85% do total de 224.743 respostas válidas. Em se tratando de outros tipos de armas, o número cresce: 9.079 professores confirmam que, em 2011, houve casos de alunos que entraram na escola portando facas e canivetes.

Na Polícia Civil, violência contra professores conta como agressão comum

Foto: Roque Vilande

Ao aprimorar o olhar sobre a região do Vale do Sinos é possível verificar ocorrências ligadas à violência escolar no município de São Leopoldo, terceira cidade mais populosa da região. O Delegado de Polícia, titular da Primeira Delegacia de Polícia de São Leopoldo e da Delegacia de Pronto Atendimento, Heliomar Athaydes Franco, afirma que a agressão de alunos contra professores é frequente em escolas estaduais e municipais, locais de predomínio das ocorrências de outros crimes de agressão a pessoas. “As ocorrências de agressões físicas e/ou verbais de alunos contra professores são registradas e apuradas através de inquéritos policiais”, pontuou.

O delegado entende que, quando as autoridades educacionais apelam para a polícia para resolver eventos no interior das escolas, eles estão abrindo mão de sua missão primordial: educar os jovens para o respeito e a cidadania. O problema é que estes registros não são contabilizados de forma discriminada: “Para fins estatísticos, esses registros entram na vala comum de todos os casos de agressão e ameaça de pessoas“- ou seja, não é possível fazer uma apuração exata da violência no âmbito escolar.

Legislação dificulta o problema

A legislação caminha a passos desordenados para tentar resolver tais questões. Em parte por se tratar de uma questão polêmica, divisora de opiniões, em parte também pela dificuldade de se apontar a raiz da violência e, por conseguinte, determinar ações para resolvê-la. Além disso, os trâmites da lei diferenciam-se do âmbito nacional para o estadual.

Recentemente, causou polêmica um projeto em discussão pelo Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul — que impediria as escolas de suspender, afastar ou expulsar alunos, mesmo os envolvidos em transgressões disciplinares. A norma defende que o direito do aluno de estudar não pode ser revogado por nenhuma instituição de ensino, tanto privada quanto pública.

Em outras palavras: caberia à escola resolver o problema e não expulsar o estudante. Frente à situação, O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS) contestou veementemente a proposta pelo fato da norma reduzir completamente a autoridade do professor.

A violência escolar afeta a vida dos professores, profissionais que deveriam ser, justamente, os agentes para a construção de uma sociedade mais digna. Não se pode imaginar um mundo mais correto sem a formação de cidadãos. E essa formação começa na escola, um ambiente que deve ser propício ao crescimento, aos valores de vida, à convivência pacífica.

A realidade da violência nas escolas demonstra: a origem do problema está no cerne dos pilares da sociedade. Como disse o filósofo Kant, “é na educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”.

*Nome fictício para garantir a integridade da entrevistada

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Reportagens produzidas em aula pelos alunos de Jornalismo da Unisinos/RS para a disciplina de Jornalismo Investigativo