Zoológico de Sapucaia do Sul, sobra área verde, falta estrutura

Inaugurado em 1º de maio de 1962, o parque parece ter parado no tempo

Unisinos Investiga
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8 min readJun 23, 2015

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Arquivo pessoal da repórter Tuanny Prado

Em meados do ano de 1996, data do registro fotográfico acima, a girafa Dorotéia perambulava pelo Zoológico de Sapucaia do Sul. A única nascida no Rio Grande do Sul, morava no Zoo com os pais Paquito e Dorinha, que vieram da África em 1974.

Quando os pais morreram, Dorotéia passou a conviver apenas com a girafa Fifi. Porém, acabou ficando sozinha quando a amiga também faleceu, em julho de 2010, com 25 anos de idade. Há 5 anos, o Zoológico do Rio Grande do Sul não tem mais girafas.

Após a morte de todas as girafas, houve uma mobilização entre as organizações de defesa dos animais, e o Zoológico foi impedido de trazer um novo exemplar do animal da África. Não há mais girafas e o Parque parece cada dia mais carente de estrutura. Um dos problemas é a falta de funcionários. São 78, entre biólogos, veterinários, agrônomos, engenheiros e administrativos para uma área de 160 hectares, ou seja, o equivalente a pouco mais do que 4 Parques como o da Redenção, na capital gaúcha. A área fica na Reserva Florestal do Parque Zoológico Padre Balduíno Rambo e possui 1.065 animais, sendo:

286 mamíferos

634 aves

145 répteis

A falta de espaço

Arquivo pessoal da repórter Tuanny Prado, Jaula do Tigre em 1983

Apesar da extensão do Parque, alguns animais parecem estar confinados, e demonstram a insatisfação, como os irmãos Dan e Baruk, dois tigres que andam de um lado para o outro constantemente. Percebe-se que a pequena área destinada aos mamíferos, com pouco mais de 50 m2, é muito pequena para gastar tanta energia.

Créditos: Tuanny Prado, Jaula do Tigre em 2015. Trinta anos se passaram e a estrutura é a mesma.

Maria Lucchese é coordenadora do curso de Biologia da Unisinos e estagiou no Parque Zoológico durante o período de graduação. Para ela, um dos grandes problemas dos zoológicos, incluindo o de Sapucaia, é a falta de espaço. A deficiência é percebida também por quem não é especialista no assunto, como o visitante Fábio Schirmer. “Alguns animais têm um espaço pequeno demais. Também faltam guias para dar informações de localização”, comenta.

De acordo com Lucchese, “os mamíferos selvagens têm muitas semelhanças com os seres humanos e precisam de quilômetros para caminhar e sentir­-se bem. Imagina você presa numa jaula, podendo dar apenas três passos para cada lado. Qualquer pessoa ficaria desconfortável”, afirmou. Além disso, ela ainda comenta que animais que naturalmente vivem em bando, podem sentir-­se solitários, e acabarem adoecendo.

Créditos: Jonara Cordova. Único elefante sobrevivente no zoológico de Sapucaia do Sul.

Pink é um exemplo. A elefante fêmea, que vive no zoológico, é a única da sua espécie, e mesmo sendo um animal que necessita viver em bando, está morando sozinha desde que a sua amiga Mila morreu, em julho de 2013.

Visitantes reclamam

Antiga área de lazer, hoje completamente tomado por mata fechada. Créditos: Tuanny Prado

As áreas de lazer e piquenique, que costumavam ter um grande espaço com locais para sentar, com mesas e churrasqueiras, foram tomadas, quase que em sua totalidade, pela vegetação que cresceu sem cuidados, nem manutenção. Mas não é de se admirar, já que são 160 hectares de área total na responsabilidade dos três únicos funcionários que fazem parte do Setor de Jardinagem do zoológico.

Outra problema é a falta de atendimento ao Decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004, que regulamenta as Leis n°s 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas com deficiência, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. O Zoo é repleto de escadas, desníveis no solo, corredores apertados, ponte e grandes distâncias a serem percorridas, o que impossibilita a locomoção.

A falta de funcionários é nítida quando se observa a quantidade de seguranças que trabalham no local. A reportagem visitou o parque duas vezes, uma em abril, e outra em maio deste ano. Após cerca de uma hora circulando pelo local, apenas dois guardas foram vistos. Um deles foi Paulo Gavião, que trabalha há dois meses no zoológico como funcionário terceirizado da empresa Epavi.

“Nós estamos entre dez seguranças, sendo que oito ficam em pontos fixos e outros dois circulam de motocicleta pelo zoo”, explicou Gavião.

Muitos dos que visitam o Zoológico não deixam de perceber a sua atual depreciação e se decepcionam com o passeio. Micheli de Oliveira e Fábio Schirmer, visitaram o parque em abril:

“Venho no zoológico há muitos anos e continua tudo igual, sem manutenção”, disse Micheli.

Na página do Zoológico de Sapucaia do Sul no Facebook, são vários os comentários de descontentamento com a situação do lugar. As reclamações vão desde jaulas precárias, animais solitários, falta de espécies, área de lazer degradada, pouco investimento, entre outras.

Muitos visitantes questionam para onde é destinado o valor que pagam na entrada, já que não percebem melhoras no Zoológico. Os ingressos custam R$ 4,50 para estudantes e idosos, R$ 9,00 para adultos e R$ 45,00 por automóveis. Crianças de até 10 anos de idade são isentas. A unidade chega a receber 450 mil visitantes pagantes e 50 mil estudantes de escolas ao ano.

Conforme a administração do parque, são arrecadados 3,1 milhões de reais anualmente com os ingressos. A despesa de custeio, de acordo com documento obtido pela Lei de Acesso, é de R$ 3,2 milhões, além de R$ 7,3 milhões com apenas 78 colaboradores.

A privatização

Devido ao corte de gastos instituído pelo atual governado estadual, está sendo estudada a privatização de autarquias e empresas públicas. O Zoológico de Sapucaia do Sul é uma delas. O governo alega querer melhorar o tratamento aos visitantes e modernizar a gestão do local. A intenção é que tenham trilhas guiadas, lojas com produtos e lembranças do zoológico, placas informativas e espaços para lazer.

A ideia de entregar o Zoológico de Sapucaia para a iniciativa privada tem causado preocupação e dúvidas em funcionários e visitantes. Além de acreditarem que a privatização tornará mais cara a visitação, para a população gaúcha, os funcionários públicos temem a possibilidade da perda do emprego.

Créditos: Jonara Cordova. Protestos do 1º de maio contaram com panfletos, carros de som e faixas.

No dia 1º de maio, Dia do Trabalho e data em que o zoológico comemorou 54 anos de existência, diversos colaboradores se manifestaram contra a iniciativa de privatização. No parque, fizeram panfletagem a respeito do protesto durante a manhã. A passeata ocorreu à tarde, no centro de Porto Alegre.

No folheto entregue pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do Rio Grande do Sul (Semapi), filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), constava que “O Parque Zoológico é patrimônio do povo Gaúcho! Não está à venda”.

“O Zoo e os trabalhadores precisam ser valorizados pelo importante trabalho que é executado, e não pelo lucro financeiro que damos ou deixamos de dar aos cofres públicos”, salientou o texto do Semapi divulgado no material.

No dia 3 de junho ocorreu uma audiência pública proposta pelos deputados Altemir Tortelli (PT) e Manuela D’Ávila (PCdoB) para debater a situação do Zoológico de Sapucaia. Foram convidados para a ocasião o governador José Ivo Sartori, representantes das secretarias estaduais do Meio Ambiente, Casa Civil, Fazenda, além de funcionários do parque, dirigentes da Fundação Zoobotânica e a comunidade em geral.

A resolução proposta na audiência foi a criação de uma frente parlamentar e social em defesa dos parques públicos estaduais. O grupo é composto por parlamentares, associações de funcionários, entidades, ONGS e movimentos sociais, que acompanharão a situação dos parques e analisarão documentos, estudos e visitas técnicas.

Créditos: Pedro Belo Garcia | Agência ALRS. Deputado Altemir Tortelli falou durante audiência pública, que tratou da situação do Parque Zoológico de Sapucaia e demais parques do Rio Grande do Sul

“Defenderemos na Frente Parlamentar e Social em Defesa dos Parques Públicos Estaduais, que o Zoológico e demais espaços verdes devam continuar sob a gestão pública, contribuindo com a conscientização ambiental, educação e lazer de baixo custo à população”, afirmou o deputado Tortelli em entrevista cedida para a reportagem.

O deputado preocupa-se com a monetização do zoológico e de seus animais, pelas empresas privadas. “ Os grupos corporativos são motivados pela busca incessante de dinheiro, o que, muitas vezes, não coincide com o interesse da coletividade. Vale lembrar que o Zoo pertence a uma valorizada área de terra localizada nas proximidades da BR-116. Seguramente, ela interessa à especulação imobiliária, que pode dar múltiplos finalidades ao local, como shopping centers, condomínios fechados, instalação de hotéis e empresas”, explicou.

Créditos: Luiz Morem | Agência ALRS. Audiência pública, tratou da situação do Parque Zoológico de Sapucaia e demais parques do Rio Grande do Sul.

A reportagem tentou entrar em contato com a administração do zoológico, mas não obteve resultado. Durante audiência pública, na Assembleia Legislativa, no dia 3 de junho, o presidente da Fundação Zoobotânica, Juliano Panizza Fakredin, afimou que o objetivo do governo é conceder “a parte comercial dos parques”, permanecendo com o quadro funcional.

“O processo se encontra na Secretaria do Planejamento, que deverá lançar ao mercado, nas próximas semanas, uma ‘manifestação de interesse’. As propostas recebidas passarão por um estudo técnico e por uma análise de viabilidade econômico-financeira, antes de serem levadas à discussão com os servidores”, disse Fakredim.

O diretor de Biodiversidade da Secretaria do Meio Ambiente, Gabriel Ritter, que também esteve a audiência pública se mostrou favorável às concessões em atividades relacionadas atividades ao turismo e à visitação, argumentando que “São muitas tarefas para poucos servidores. Não queremos os técnicos fazendo tudo, cuidando de bilheteria e de estacionamento, mas dedicados à preservação e à pesquisa”.

Os outros parques zoológicos do Estado

O Rio Grande do Sul conta com mais três locais com exposição da fauna e da flora: o Pampa Safari, em Gravataí; o Jardim Zoológico da UCS, em Caxias do Sul e o GramadoZoo, em Gramado. Deles, apenas o da UCS possui entrada franca, mas conta com uma gama dez vezes menor de animais que o de Sapucaia do Sul.

Já o Gramadozoo, por exemplo, possui 1.500 animais espalhados por seus 1.200 metros de passeio, de uma estrutura muito mais moderna e organizada. Além da visitação normal, ainda oferece o agendamento de caminhadas noturnas.

Por ser um empreendimento privatizado, seu ingresso é muito mais caro do que o Parque Público, sendo cobrado R$ 48,00 o equivalente a 5 vezes o ingresso cobrado para o de Sapucaia do Sul. Mas mesmo essa estruturação com mais verba não é sinônimo de conforto para os animais. A coordenadora do curso de Biologia da Unisinos, Maria Lucchese, reforçou que lá também a área para os animais de grande porte é tão reduzida quanto à do Zoológico de Sapucaia.

A privatização do Parque ainda está em discussão, e levará um tempo até que uma decisão final seja tomada. Resta saber o preço que a populaçao estará disposta a pagar para melhorar esta situação. Seja pela via da pressão, ou pelo aumento de recursos na hora de passar na catraca do Zoológico.

Por Jonara Cordova e Tuanny Prado

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Reportagens produzidas em aula pelos alunos de Jornalismo da Unisinos/RS para a disciplina de Jornalismo Investigativo