A identificação das potencialidades e suas influências na formação íntegra do homem

Giovanna Araujo
UNIV Inspire Br
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16 min readOct 7, 2020

Beatriz Pinto Lustosa, Giovanna Ferreira Araujo, Leticia Maria Trigueiro Fontes, Lunna Ferreira Araujo, Tatiana Soares Marcondes

Resumo: A sociedade liquida definida por Zgymunt Bauman possui um caráter temporário, no qual as relações sociais são superficiais, baseadas em prazeres impulsivos. Diante das consequências negativas desse cenário no desenvolvimento da pessoa humana, esse trabalho visa compreender a potencialidade
humana para uma formação íntegra em meio a uma sociedade líquida. Para isso, foi realizada uma análise intertextual baseada nos escritos de Karol Wojtyla, Carl Rogers e Ricardo Yepes. A partir disso, abordou-se a diferença entre indivíduo e pessoa, identificando a liberdade como a
característica determinante que possibilita o processo de “tornar-se pessoa”. A psicoterapia pode ser considerada um meio eficiente para vivenciar esse processo.
Abstract: The liquid modernity, defined by Zgynybt Bauman, has a temporary aspect, in which the social relationships are superficial and based on impulsive pleasures. Considering the negatives consequences on the human development brought by this situation, the current study tries to understand the human potentiality to be formed in integrality, living in a liquid modernityy. Hence, an intertextual analysis was done based on writings of Karol Wojtyla, Carl Rogers and Ricardo Yepes. From that, the difference between individual and person was broached, identifying the freedom as a determinant characteristic to allow the process “on becoming a person”. Psychotherapy can be an effective way to experience this process.

Introdução
Na física, os fluidos podem ser definidos “como uma substância que se deforma continuamente sob a aplicação de uma força ou tensão” (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial). Já os sólidos são caracterizados por sua estrutura rígida e é resistente às mudanças de formato e volume. Diferente do fluido, o sólido não molda de acordo com seu recipiente ou ambiente (Department of Education Open Textbook Pilot Project, 2020). Se usarmos
uma analogia, seria como a interação entre uma rocha fixa no rio, a água do rio e uma segunda rocha que é levada pela água. Quando a água do rio, um fluido, encontra com a rocha fixa, essa contorna a rocha tomando sua forma.
Enquanto a segunda rocha, ao encontrar com a rocha fixa acarretará em uma colisão. Se essa colisão não for forte, não haverá modificações nos aspectos físicos da rocha como uma rachadura.

Pode-se associar essa analogia com a sociedade líquida-moderna do sociólogo Zygmunt Bauman. Em sua obra Vida Líquida, o autor define essa forma de viver como uma vida que tem a tendência de ser carregada e que,
pelo estilo de vida acelerado e constante mudança, o formato e curso não são fixos. A validade acaba, padrões e comportamentos se tornam ultrapassados rapidamente, o funcional se torna infuncional aceleradamente. Logo, a
relação indivíduo-sociedade, em uma sociedade líquida, não é de interação e vivência, mas de contato. Assim como a água que teve um contato com a rocha se moldou, mas logo seguiu, pois o curso d’água é contínuo. “A vida líquida é uma sucessão de reinícios” (Bauman, 2005), está sempre mudando perante a situação que se encontra, não tendo tempo de um desenvolvimento e um processo completo.

No parágrafo anterior, encontramos o termo indivíduo-sociedade, o qual traz um contato breve e superficial do indivíduo com o meio. Mas para que o contato não seja breve e que, de fato haja uma interação, é importante que o indivíduo seja uma pessoa. Qual a diferença? Wojtyla traz essa diferenciação na questão do comando. Isto é, se alguém me governa, eu sou um mero indivíduo, objetificado pelo meio. Porém, se eu me governo, sou uma
pessoa, dono de mim mesmo, e dessa forma é possível que assumamos que nós somos. (Bonfim, 2017, p. 41) A partir desse passo, com o exercício pleno da liberdade -que é a busca pela verdade-, é possível a formação da pessoa
de forma sólida na sociedade líquida, pois tudo passa pela verdade, não simplesmente um consumismo impulsivo, como escreve Bauman, em outras palavras, sobre a atual sociedade (Psychoanalysis and Humanities, 2017).

O ser-pessoa que Wojtyla fala sobre, é exatamente em qual posição que a pessoa se encontra na sociedade. Ela é objetificada sendo apenas um meio para a sociedade, ou ela é a finalidade, colocando a sociedade como um
meio para sua formação? A forma que interagimos com os acontecimentos da vida, com toda a sociedade, é o que vai nos definir. Entendemos como “integralidade” a busca pela verdade, a plenitude do ser, no qual a pessoa está
em um constante processo de conhecimento, unindo cada momento, cada experiência e cada sentimento, para forma-se e completar-se enquanto pessoa. Essa busca vai formando o homem íntegro, tendo uma formação sólida, independentemente da situação e momento de vida que ele se encontra. O ser humano, com toda sua potência, usa
do meio para tornar-se.

Para a Psicologia humanista, essa potencialidade é intrínseca à natureza humana, ou seja, todo ser humano possui. Essas estão ligadas com as capacidades que cada um tem; um exemplo seria a ampliação da consciência
(Boainain).

Segundo Rogers (2009, citado por Oliveira e Muraro, 2014), tornar-se pessoa está relacionado a um processo de continuidade e profundidade em busca de si mesmo. Esse processo abarca a abertura total às experiências e situações vivenciadas no instante presente, a confiança no próprio organismo, um funcionamento mais pleno do indivíduo (Rogers, 2009). Em outras palavras, ser quem se é significa viver coerentemente e verdadeiro. Isso é, exercer, de modo respeitoso, o que se passa em seu organismo. Caso contrário, sintomas e
desequilíbrios podem acabar surgindo, dificultando o funcionamento pleno.

Diante do exposto, temos como objetivo geral do nosso estudo compreender a potencialidade humana para uma formação íntegra em meio a uma sociedade líquida, para isso definimos como objetivo específico, identificar a liberdade como uma forma de viver a potencialidade humana. Foi escolhido o método filosófico realizando uma análise intertextual.

Desenvolvimento
Usar a metáfora de “liquidez” de Bauman (2005) sobre a sociedade moderna parece ser apropriada, pois tudo flui, muda, passa e nada permanece ou tem uma condição sólida. A amizade, os significados, casamento, profissão e tanto mais. Ao analisarmos os exemplos, o que há de comum entre eles é o fato da pessoa estar no centro. Mas se a pessoa está no centro, cercada de situações voláteis em que essa pessoa vai se firmar? Na própria opinião, no que a sociedade diz ou no seu coração impulsivo?

Pela inteligência e a vontade, o ser humano pode buscar sua realização de forma consciente, da mesma forma com que pode deixá-la escorrer por suas mãos. A inteligência permite a busca pela verdade, direcionando a
ação em busca pelo bem, de maneira a atender o que deseja de acordo com sua finalidade (Wojtyla 1982, citado por Silva, 2019). Já a vontade está voltada para “o centro da vivência daquela causalidade”, ou seja, de acordo com a intenção da ação. (Wojtyla 1982, citado por Melo 2014). Ambas, compõem a racionalidade humana. Assim, de acordo com o pensamento de Ricardo Yepes, é característica do humano a capacidade de dar a si mesmo fins e de escolher os meios para alcançá-los. Nesse ponto, pode-se caracterizar a verdadeira liberdade, em que o homem, sendo dono de seus fins, é dono de si. É, portanto, pessoa e não mero indivíduo moldado pelos seus instintos. Essa diferenciação entre pessoa e indivíduo também pode ser encontrada nos estudos do polonês Karol Wojtyla. Bonfim (2017) escreve sobre os estudos de Wojtyla diferenciando o indivíduo como um ser chefiado enquanto a pessoa é
chefe de si mesmo. Isso só acontece porque a pessoa tem a autodeterminação, no qual pode e sabe escolher o que fazer através de uma reflexão interior, que de acordo com Wojtyla, é reconhecer a realidade externa e reagir se
empenhando em afirmar o seu próprio ser. Há uma busca incessante da pessoa pela autodeterminação, no qual é expressa nas suas ações, porque isso é fruto do livre arbítrio, da busca da felicidade e busca da verdade (Wojtyla
1982, citado por Silva, 2019).

Distintamente de um animal irracional, a inteligência do homem pode ordenar sua vontade, a partir do que se aprende. A inteligência é a principal característica que distingue a pessoa humana dos demais seres corpóreos.
Com isso, é nítido que a formação do indivíduo é um fator primordial para ser de fato pessoa, afinal a formação permite que o ser humano tenha a habilidade de reger. Tal habilidade faz com que o homem seja um agente atuante e, consequentemente, realiza a ação, isto é, um ato autêntico. Toda ação possui uma intenção, fundamentado na vontade (Wojtyla, 1982), então por meio dessa ação podemos compreender a pessoa. Em outras palavras, segundo Wojtyla, a “ação que revela e realiza a pessoa” (Gaspar e Mahfoud, 2009, p. 60). Para que haja essa realização, é indispensável a totalidade dos dinamismos humanos. Todas as forças e faculdades. Assim sendo, como todas, a razão deve ser bem formada (Damasceno, 2017, p. 46).

O homem é o único ser que não pode alcançar sua realização se está preso apenas aos seus instintos. O impulso por si só, pode prejudicar a autonomia da pessoa, entrando em conflito com a autodeterminação, pois o dinamismo impulsivo carrega características de acontecimento involuntário. Entretanto, quando trabalhado concomitantemente com a inteligência e a vontade, o impulso serve como orientação e inclinação para a ação (Wojtyla 1982, citado por Silva, 2019).

Toda a vida de um ser humano se baseia em um constante processo de aprendizagem, constituído por diversas experiências. A experiência humana é o que fundamenta o processo do reconhecimento da verdade das coisas em si mesmo. Para Wojtyla (1979, citado por Melo, 2014), o conhecimento de si é sustentado pela experiência, uma forma de ver e compreender algo externo e internalizá-lo. O conjunto de experiências de cada pessoa humana é formado por um conjunto de sensações ou emoções que serão ordenadas pela mente, no processo de internalização. Com isso, é certo dizer que a experiência não é produzida em um único momento e sim faz parte do processo de conhecimento. “Essa experiência do homem é a experiência do “eu”” (Melo, 2014). Essa formação vai constituindo o homem em ser-pessoa, levando-o, a cada dia mais, a viver com inteligência, com a vontade e com os afetos.

Quando a razão não é bem formada e com isso não controla os instintos tem-se uma sociedade líquida. Uma sociedade formada por indivíduos que vivem a busca pelo prazer a todo e qualquer custo; não se pensa nos fins, mas é orientada apenas pelos meios. Quando isso ocorre, o humano é objetificado e se torna apenas um indivíduo, não mais o senhor de si, pois depende de algo externo para agir. O homem em vez de ser a finalidade da ação, se torna o meio, se torna volúvel ao ambiente, vivendo o utilitarismo. Vivendo dessa maneira, o homem se afasta cada vez mais do autoconhecimento e da autodeterminação, se opondo a característica principal do ser humano, o amor. Segundo Wojtyla, o amor faz entender a pessoa como um bem que não pode ser nivelada a um objeto utilitário, a um meio para um fim (Wojtyla 1982, citado por Silva, 2019).

Acompanhado dessa busca pelo prazer, apresenta-se a libertinagem, uma sensação de liberdade, um achar-
se dono de si, quando na verdade se é controlado pelos desejos mais externos e superficiais da carne. A consciência

de si é um fator importante na diferenciação de liberdade e libertinagem visto que, por meio dela a pessoa conhece o mundo e o interioriza baseado em sua experiência humana. Para Wojtyla (1982, citado por Gaspar & Mahfoud,
2009) é na consciência que o “eu” é expressado da forma mais real. É por meio dessa expressão real que entendemos o agir como “um ato humano intencional, consciente e voluntário que realiza a estrutura propriamente humana” (Wojtyla, 1982, citado por Gaspar & Mahfoud, 2009). Logo, podemos diferenciar a liberdade da libertinagem. Em um ato de libertinagem, não é a pessoa que se governa, mas os seus desejos, impulsos. Torna-se, mesmo que inconsciente, prisioneira. Enquanto que quando se é livre, é capaz de “agir a partir da correspondência entre os objetos que se lhe apresentam como valor e o próprio eu como centro da avaliação”. Eu, uma pessoa, e não os impulsos no centro da avaliação. Aqui não estamos criticando e anulando esses impulsos e a afetividade como um todo. Dizemos apenas que eles não podem ser o centro e que o centro deve ser o eu, um ser que atua em sua
totalidade.

Por essa observação, destaca-se a liberdade como protagonista para a realização da pessoa. O líder polonês, Karol Wojtyla (2005, citado por Damasceno, 2017), define a liberdade como autodeterminação. Não é apenas
determinação, mas autodeterminação, pois por meio dela entendemos que pessoa e vontade são intrínsecas. Como explica Wojtyla (2005, citado por Damasceno, 2017), a autodeterminação só será possível através da “faculdade de conhecer a verdade”. Logo, quando a pessoa conhece a verdade, exerce a liberdade e assim coloca em prática suas potencialidades de forma integral.

A sociedade líquida descrita por Bauman (2005) revela uma realidade efêmera, em que as relações sociais não são interações, mas um simples contato que não permanece. Como a água do rio que passa pelas rochas e as
levam pela corrente, ou o encontro entre rochas fixas e soltas. A formação do ser é muito mais complexa que um simples contato que acontece em um momento qualquer que não se sabe quando, onde ou quem.

Podemos imaginar um barco a vela navegando sobre o imenso oceano que cobre a maior parte do planeta. Esse barco precisa de um capitão, que decide aonde quer chegar, aprende as coordenadas; como direcionar as velas
e o leme; precisa ter uma noção da previsão do tempo e como pode afetar o seu percurso, porque o oceano é imprevisível. Precisa saber qual tipo de barco está pilotando. Tendo em vista esta analogia, pode-se afirmar que o oceano é a sociedade líquida descrita por Bauman (2001), efêmera, imprevisível, depende de diversas variáveis, como o modelo econômico, a história, a cultura, assim como o oceano depende do clima e tempo. Em meio a esse
imenso mar, o ser humano é esse barco a vela, que não é, simplesmente, levado pelas ondas ou pelo vento, mas precisa de um piloto, alguém que conheça o barco e saiba navegá-lo.

“Ser o que realmente se é” (Kierkegaard, 1979, citado por Rogers, 2009), é conhecer o meu barco e aprender a pilotá-lo em meio a fluidez do oceano. Cada pessoa é única, tem sua própria intimidade que, de acordo com Yepes,
é a dimensão interior de cada um, algo vivo, criativo; ela manifesta esta intimidade, através da linguagem, da ação; por fim, é livre. Essa liberdade é o que define o ser pessoa, é a autodeterminação, apresentada anteriormente.

O processo de tornar-se o que se é, é explorado por Carl Rogers (2009) em sua obra “Tornar-se Pessoa”. Nela, o autor apresenta alguns aspectos que formam o processo que define como “vida boa”, uma direção que “é escolhida pelo organismo total, quando existe liberdade psicológica para se mover em qualquer direção” (Rogers,2009, p. 213). A vivência plena do ser como ele mesmo, passa pelo saber que se é livre, compreendendo que a liberdade é cheia de responsabilidade, não fazer o que quiser, mas aprender das consequências, aprender a se autodominar, sem rigidez e sempre aberto a mudança. Não é ter controle de quem se é ou quem deseja se tornar, do
ambiente, das relações, das outras pessoas, é “ser verdadeiro para ti mesmo” (Shakespeare, 1997, citado por Rogers, 2009).

Diante disso, Rogers explicita algumas etapas desse processo. A primeira delas é estar sempre aberto a experiências que acontecem interiormente atrelada à experiência da realidade externa (Rogers, 2009, p.198). De
acordo com Wojtyla (1979, citado por Melo, 2014), a experiência permite o conhecimento de si mesmo. Aprender a viver “numa relação aberta, amigável e estreita com a própria experiência” (Rogers, 2009, p. 196), mas isso não
é uma tarefa fácil. É preciso ter disposição para aceitar os próprios sentimentos, sejam eles bons ou ruins, compreender as situações que se vive. Com isso, aprender a ver a realidade como ela realmente é, sem querer
encaixar em um padrão ou em expectativas. Isso possibilita uma melhor relação com os outros também. O autor revela que, quanto mais se está aberto a experiência em si mesmo como elas realmente são, mais a pessoa se abre a
experiência do outro como ele verdadeiramente é.

A segunda é a tendência do que Rogers (2009, p. 215) define como “viver plenamente cada momento”. Para ele, essa noção pode facilmente ser mal-entendida, mas na tentativa dessa explicação ela expõe a ideia de que
cada momento nunca existe exatamente da mesma maneira. Em cada um, diferentes estímulos internos e externos estão presentes. A pessoa, nesse processo da “vida boa”, entenderia que aquilo que ela será e fará no próximo
momento, nasce desse instante vivido agora. O que aconteceu não pode ser previsto nem por ela nem pelo outros. Assim, a personalidade e o eu surgem da experiência, não ao contrário. O psicólogo escreve que essa segunda
tendência “implica a descoberta da estrutura da experiência no processo de viver essa experiência.” (Rogers, 2009, p.216), ou seja, de maneira fluente, vivenciar aquilo que está presente naquele instante, sem antes ter preconcebidas.

A terceira característica desse processo (não se reduzindo necessariamente a essa ordem), manifesta na confiança crescente que uma pessoa tem como forma de atingir um comportamento cada vez mais satisfatório em
cada momento. Quando o indivíduo está aberto à experiência, faz o que sente ser bom fazer, isso é, na medida em que nos abrimos para nós mesmo, estamos abertos aos outros, não tentando controlá-los, mas permitindo que todos se tornem pessoas. Baseado em sua confiança, as atitudes de cada um, se tornam um guia eficaz. Se ela está aberta, ela tem acesso a todos os possíveis dados da situação; as condições sociais, as necessidades próprias, percepção do caráter. Com consciência, considerando cada estímulo, necessidade, intensidade, exigência, importância presente em cada situação, a pessoa percebe a atitude, que de maneira mais integral satisfaz suas necessidades. Ao considerar o organismo perfeitamente seguro, todas as informações de uma situação são usadas. Essa pessoa daria sempre a
melhor resposta para as suas necessidades de ser reconhecida, de associação a outros indivíduos, entre outras.

Quarta e última característica citada por Rogers (2009) é “o processo de um funcionamento mais pleno”. O sujeito que é livre psicologicamente, tem um movimento em direção de se tornar uma pessoa capaz de viver de forma mais plena, em cada uma das suas reações e sentimentos. Ela se torna capaz de escolher seus comportamentos livremente, levando em consideração toda a complexidade do seu organismo. Ela é capaz de confiar em si por estar
completamente aberta às consequências de cada atitude e corrigi-las caso julgue necessário. Assim, ela tem menos medo de vivenciar seus sentimentos, se coloca mais aberta para fatos que vêm de outras fontes, mergulhado
inteiramente no processo de ser e de se tornar o que se é. O psicólogo Rogers faz um resumo desse processo dizendo “o indivíduo torna-se um organismo que funciona mais plenamente e, devido às consciências de si mesmo que corre livremente na e através da sua experiência, torna-se uma pessoa com um funcionamento mais pleno” (Rogers, 2009, p. 219).

Kierkegaard (1979, citado por Caes, 2011) sustenta a ideia que o indivíduo se constitui a partir do processo de individualização, no decorrer da existência “torna-se o que é”. Para que isso aconteça, é preciso uma escolha, uma decisão. Assumir-se é fundamental para esse processo. Quando isso acontece, o indivíduo não é conduzido apenas por impulsos, mas por suas decisões.

Dentro do que Kierkegaard define como atmosfera, somente a pessoa é capaz de avaliar a condição na qual se encontra. Essa atmosfera pode ser entendida como à situação que uma pessoa vivencia discorrida por Rogers (2009). Para que ela seja de tal vivência, os dois autores defendem a importância do que acontece no aqui e agora, pois nessa temporalidade, reside a possibilidade de decisão.

O que existe não é somente a definição de indivíduo, mas ele concretamente, vivendo o instante presente, atravessado pela decisão de escolher sua existência. Para tornar-se o que é”, não há espaço para cópia e repetição,
mas originalidade. Por esse motivo, é tão necessário assumir-se, em sua individualidade (Kierkegaard, 1979, citado por Caes, 2011). Rogers (2009) acredita que o padrão mais elevado de vida reside justamente em ser o que realmente se é, de maneira livre para seguir a direção que decidir.

Em consonância com a perspectiva de Rogers (2009), o antropólogo Ricardo Yepes (ano) afirma que a grande diferença que se dá entre os homens e os demais seres é que o primeiro tem uma sensibilidade mais perfeita
que dos outros, isso se dá pela capacidade de cumprir o fim do sensível, que é o que liga a pessoa ao mundo a sua volta. Isso pode ser percebido de forma clara por algumas características do ser humano: pela união com o
intelectual, o seu conhecimento não está estritamente determinado pela satisfação de seus interesses, logo, tem a capacidade de ver o mundo a sua volta como de fato é, e não ficar simplesmente preso em si mesmo; os meios que vai utilizar para satisfazer suas necessidades biológicas fazem parte da liberdade desse ser, portanto, suas necessidades instintivas não tem um modo predeterminado para serem alcançadas; pelo intelecto, não está preso a
tendências meramente instintivas e biológicas, pode ir além e buscar finalidades mais altas; em última análise, é um ser capaz de hábitos, pode adquirir inclinações não naturais ao ser pela realização constante de uma determinada ação, e a partir disso, essa capacidade de aprendizagem do homem substitui ao instinto biológico, que é insuficiente e limitado na pessoa humana (Stork & Echevarría, 2005).

Considerações Finais
Diante de tudo que foi discutido e citado anteriormente, o ser humano tem capacidade de tornar-se pessoa, ou seja, compreender que tem liberdade para tomar decisões, determinar um fim que deseja alcançar e buscar se
construir em direção a esse objetivo. Nessa direção, encontramos o processo de “vida boa”, descrito pelo psicólogo Carl Rogers (2009), que apresenta a importância do autoconhecimento, que passa pela experiência, como também
foi apresentado por Karol Wojtyla (1979, citado por Melo, 2014).

A partir disso, julgamos importante levar em consideração o processo de terapia psicológica, pois neste, o cliente encontra um espaço livre para poder tornar-se pessoa. O psicólogo Carl Rogers, desenvolve a ideia do processo
de “vida boa” baseado em sua perspectiva e prática clínica. Infelizmente ainda há uma ideia sustentada por muitos de que a terapia só é necessária para a pessoa adoecida. Entretanto, essa é um meio eficaz de autoconhecimento,
entendimento, de contato com a própria experiência. A terapia, quando realizada de forma adequada, se torna um espaço de abertura, na qual a subjetividade de cada cliente é priorizada, potencializando o caminho de tornar-se pessoa.

Referências
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