Amizade: um meio seguro para felicidade em uma sociedade líquida

Luciana Telles
UNIV Inspire Br
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18 min readOct 7, 2020

Autoras: Gabriela Gonçalves Jezini Monteiro

Luciana Telles Matos

Maria Carvalho Soares

Resumo: A proposta deste trabalho é revelar que a amizade é um dos meios mais seguro de encontrar a felicidade em meio de uma sociedade desordenada dita pelo filósofo Zygmunt Bauman. O trabalho foi desenvolvido com base nas entrevistas feitas por voluntárias que concordaram a compartilhar relatos verdadeiros de amizade e nos estudos realizados pelos livros Fundamentos de Antropologia de Ricardo Yepes Stork e Javier Aranguren Echevarría, o Ética a Nicômaco de Aristóteles e Educar para a amizade de Gerardo Castillo.

Abstract: This work’s proposal is to reveal that friendship is one of the safest ways to find happiness in the middle of a disorderly society spoken by philosopher Zygmunt Bauman. The work was developed based on interviews by volunteers who agreed to share true friendship reports and the studies carried out by the books Foundations of anthropology, of Ricardo Yepes Stork and Javier Aranguren Echevarría, Nicomachean Ethics by Aristotles and Educate for friendship by Gerardo Castillo

I. Introdução

A amizade é um tema bastante enriquecedor, pois além de ser um vínculo de duas pessoas, compartilhando suas intimidades, é a chave da porta de uma felicidade interior. Essa felicidade por onde todo mundo busca, acabam não percebendo que podem alcançá-la ao um vínculo de amizade. Em meio ao cotidiano e a vida em que o tempo é tão corrido, um questionamento é essencial: o indivíduo do século XXI aprecia o valor de uma amizade? Em suma: ele sabe que o meio de chegar à felicidade é através de um amigo?

A amizade tem um papel fundamental para o ser humano, pois ajuda traçar e mostrar ao outro, ao homem, umas das suas necessidades, que é a felicidade. Neste trabalho se apresenta ao leitor quem é o ser humano e a sua relação de amizade tem como o meio de atingir o seu fim, que é o bem. Além disso, será feita uma análise as entrevistas realizadas por voluntários com suas respectivas visões sobre a amizade e todas elas estão ligadas a felicidade de ambos.

II. Objetivos e justificativas

Este trabalho tem o intuito de fazer o homem moderno alcance a felicidade por meio de uma verdadeira amizade. Tínhamos como objetivo identificar diferenças não apenas nas manifestações das amizades, mas também no papel exercido entre esses tipos de manifestação. O tema “Formação de uma educação sólida numa sociedade líquida”, nos possibilitou muitas considerações e delas foi a capacidade que a amizade pode transformar a vida do outro partindo de uma convivência intensa e verdadeira com o companheiro(a) de amizade.

Essa mudança se daria por intermédio de dedicação do homem em ser uma pessoa verdadeira e disposta a estar disponível para que o outro participe da vida, pois eles podem influenciar positivamente o sentido dela. Através das entrevistas realizadas foram essenciais para obter uma análise dos assuntos fundamentais em relação a natureza humana, uma vez que a verdadeira amizade é uma das portas chaves para a felicidade. Busca-se, com isso, a possibilidade de ampliação e divulgação para as futuras gerações valorizam as verdadeiras amizades em que diversas circunstâncias externas nos proporcionam e que amizade de “Facebook”, dito pelo pensador Zygmunt Bauman, pode ser uma ferramenta que nos possibilita encontrar grandes amizades.

III. Metodologia

A metodologia utilizada para a realização este trabalho foi em primeiro momento uma análise da amizade e sua importância pois poderíamos conectar ao homem com a sua felicidade por meio do outro, que seria o enfoque da nossa pesquisa. Ao localizar o centro da amizade, exploramos a bibliografia com base nos livros Fundamentos de antropologia — um ideal de excelência humana, de Ricardo Yepes, como embasamento para entender o ser humano; Ética a Nicômaco de Aristóteles, também para nos orientar em relação às ações humanas; Educar para amizade de Gerado Castillo, pois explica o que é a amizade e sua importância. Por fim, entrevistas feitas por: Esther Zanelli Miranda, 28 anos; Marcus Guilherme Jezini Monteiro Filho, 29 anos; Ana Clara Zanetti, 21 anos; Eduarda Carvalho Soares, 17 anos e Maria da Conceição da Silva Ribeiro, 21 anos. Conforme a seleção bibliográfica, foi possível chegar ao centro do trabalho: a amizade é um meio de alcançar a felicidade.

IV. Desenvolvimento

1. O Ser Humano

1. Definição de sua existência

O homem é definido a sua existência por algumas características, que expressa a sua própria essência. Segundo YEPES (2005, p.12) [1]o ser humano por ser caracterizado por crescer, se desenvolver até chegar ao seu télos, ou seja, aquilo ao qual nada falta para ser e o seu fim, porém não é suficiente para o autor. O homem é o único ser que tem o poder da escolha e o único também capaz de fracassar com a sua tarefa por ser dono dos seus próprios fins, isto é a liberdade. Além de dar a si mesmo o seu fim, ele tem a capacidade de escolher os meios para chegar ao seu fim. Com isso ele é dono de si e dono dos seus meios. “O homem tem um só fim, que é ele próprio” (YEPES; ECHEVARRÍA, 2005, p.106). [2]Além disso, o homem é um ser capaz de ser melhor interiormente e isso implica que ele também está preparado para aperfeiçoar o modo de satisfazer as suas necessidades. Tudo aquilo a que ele se propõe alcançar acaba convertendo-se em uma necessidade.

Para Aristóteles, a felicidade é auto suficiente, considerada o objetivo final de todas as ações praticadas pelo homem: “A felicidade é, portanto, algo absoluto e auto suficiente, sendo também a finalidade da ação.” (ARISTÓTELES, 1991, p. 15)[3]. Em suma: a felicidade é o fim de cada ação do homem, sendo que a prática do bem é o caminho pelo qual ele efetivamente a alcançará, pois é de sua natureza buscar seu próprio aperfeiçoamento.

Na “Ética a Nicômaco”, a finalidade do homem é identificada como o “bem”: o bem é aquele que é adequado para cada coisa, porque leva à sua plenitude, que consiste a perfeição. “O bem soberano é a felicidade, para todas as coisas tendem” (Aristóteles, 1973, p. 249). [4]A felicidade se enquadra em todos os atos de vida visando atingir, de alguma maneira, este bem maior.

“Motiva quase todas as discórdias e arruína as comunidades humanas (matrimônios, famílias, empresas, instituições políticas, etc.). Sem comunicação não há verdadeira vida social, no máximo aparência de equilíbrio, mas falta o terreno comum sobre o qual pode construir.” (YEPES; ECHEVARRÍA, 2005, 91). [5]A partir do diálogo tem -se a compreensão, e só se poderá entender o outro através do que se compartilha, se fala, se dialoga. Compreender é amar. “O que não escuta, nunca se põe no lugar do outro. Para escutar se precisa cultivar a atenção para o amigo: o carinho é atento, nada lhe passa desapercebido. O amor é receptivo, escutador: amar é atender.” (YEPES; ECHEVARRÍA, 2005, p. 208). [6]O ser humano nasceu para amar e ser amado, por isso faz amizades profundas.

Segundo Aristóteles, “a amizade é, de fato, uma virtude, ou implica virtude e, além disso ela é o que existe de mais necessário para a vida. Certamente, ninguém escolheria viver sem amigos, ainda que tivesse todos os outros bens.” (ARISTÓTELES, 2015, p. 209). [7]O indivíduo não seria completo, e muito menos realizado sem amizades, e compreender é essencial para as relações humanas.

2. O papel da Amizade

2.1. O que é a amizade?

Segundo Aristóteles (1999, 1155a.)[1], “ninguém deseja viver sem amigos, mesmo dispondo de todos os outros bens.” Essa frase apresenta a importância de uma amizade e como esta pode ajudar o ser humano a descobrir sua essência e encontrar o seu fim no mundo em que vive. Definir a amizade é algo que para muitos pode ser difícil, outros, não sabem ser amigos, ou como fazer amigos. São Tomás de Aquino diz, “A amizade é uma realidade humana de grande riqueza: uma forma de amor recíproco entre duas pessoas, que se edifica sobre o conhecimento mútuo e a comunicação.” (Aquino, Suma Th., II-II, q. 23, a.1, c.)[2]

Decorrente das ideias de Ricardo Yepes (2005, p. 87.), [3]A convivência nessa relação, é algo tão própria desta. Amar é conhecer, é querer um bem para a outra pessoa. Dessa forma, a amizade é um amor que traz consigo união e felicidade. União esta, que comprovada no momento em que um amigo, não está no fazer, mas sim, no ser com o outro. Ademais, amar, consiste não apenas em um sentimento, mas em um ato de vontade acompanhado pelo afeto. Momentos difíceis na vida de uma pessoa são inevitáveis. Um amigo é um grande aliado, neste momento, para ajudar e apresentar novos caminhos. Assim, o amor traz consigo o ato de acolher, aceitar as dificuldades que os seres humanos possuem e fazer delas suas também.

Em contrapartida, segundo Mons. Fernando Ocáriz (2019) [4]nem sempre em uma amizade será correspondido o valor desta. É necessário se arriscar para construir uma amizade autêntica, dar sem querer nada em troca e saber dar o primeiro passo. Além disso, uma amizade verdadeira possui diferentes comunicações de acordo com a intimidade dessa relação. Contudo, não são iguais as amizades entre irmãos, entre colegas ou entre membros da família. Cada qual existe uma maneira e um meio característico de cada relacionamento.

É possível perceber que muitas amizades entre jovens, principalmente, são “líquidas”, como o filósofo Zygmunt Bauman (2013) [5]diz, no sentido que escorre pelos dedos, é fluida, os seres humanos se conectam e desconectam facilmente. Isso pode ser exemplificado com o parecer de Aristóteles (1991, p.172) [6]de que eles buscam o prazer, pois são guiados pela emoção e almejam o que é de mais fácil alcance. Além disso, ao longo dos anos, seus gostos mudam e os prazeres se tornam diferentes e assim, muitos fazem e desfazem amizades com mais rapidez e facilidade e não solidificam amizades que já possuíam. Dessa maneira, a amizade muda com o objeto que lhes parece prazeroso.

Torna-se perceptível, portanto, como a amizade precisa ser um meio sólido que ajude a chegar na plenitude da felicidade. Ela envolve a formação do caráter de uma pessoa, pois o amor mútuo precisa da escolha e da disposição. O traço mais característico de uma amizade verdadeira é o companheirismo, essa amizade precisa de tempo, exige esforço. Compartilhar histórias, momentos, ajudam a ganhar confiança, uma confiança segura que significa deixar alguém entrar em sua intimidade. “Um amigo fiel é uma poderosa proteção: quem o achou, descobriu um tesouro…” (Eclesiástico 6:14–17). [7]Com essa frase é possível perceber a grandiosidade de um amigo. Cabe aos seres humanos tornarem-se amigos uns dos outros para que juntos alcançarem à felicidade e a preciosidade de uma relação como esta.

2.2. A amizade conduz à felicidade

Segundo YEPES (2005, p.95)[1], a felicidade é aquilo que todos aspiram, mesmo sem sabê-lo, apenas pelo fato de viver. O homem busca a plenitude, perfeição, uma pretensão de felicidade. Esta, é alcançada no momento em que consegue aquilo que o ser humano aspira. No entanto, nem sempre é possível conquistar os objetivos, pois muitas vezes, são diversos desejos e vontades. Logo, YEPES (2005, p.96) [2]conclui que a felicidade possui um caráter volúvel, pois constitui o móvel dos atos dos indivíduos, mas nunca será possível alcançá-la totalmente.

Em contrapartida, boa parte da felicidade consiste em ter alguém para amar e amar-lhe efetivamente, para conseguir fazer desta pessoa, um ser feliz. É necessário desejar o bem do outro, se doar por inteiro, tudo isso contribui para um âmbito satisfatório. Dessa forma, uma amizade na vida de um indivíduo é um meio para desenvolver essa felicidade, uma maneira de fazer o outro feliz.

“Dar-se a si próprio é o modo mais intenso de amar”. Essa frase do YEPES (2005, p. 101)[3], nela pode-se concluir que o destino de uma pessoa é a outra, é destinar-se à uma pessoa amada. Contudo, o destinar-se não é suficiente para satisfazer as capacidades potencialmente infinitas do homem, mas por meio de uma amizade autêntica e sólida, ela pode ser um meio para alcançar a plenitude e o fim que o ser humano busca na terra.

Conclui-se, portanto, que de acordo com Mons. Fernando Ocáriz (2019) [4]a amizade é essa soma de esforços para tornar a vida agradável para os outros. Para as pessoas se sentirem mais acolhidas e felizes, cabe ganhar mais alegria, paciência, otimismo, delicadeza e todas as virtudes que tornam a convivência mais amável.

2.3. A ausência da amizade

Segundo Aristóteles (1991, p.168)[1], a amizade é uma virtude, ou implica em uma e afirma que é extremamente necessária na vida de cada indivíduo. Contudo, mesmo os ricos, os com autoridade, com algum tipo de poder são os que mais precisam de amigos, pois o sentido da amizade é fazer o bem ao outro. Esta, ajuda também aos jovens a saírem dos erros. Um bom amigo mostra um caminho confiável e seguro. Dessa forma, é visível perceber como a ausência de uma amizade pode ser prejudicial ao ser humano.

Uma amizade verdadeira é aquela que em que os homens são bons e afins na virtude, pois os dois desejam bem um ao outro por serem bons. Desejar o bem a um amigo é um ato de uma sincera relação, porque o fazem por sua própria natureza e não acidentalmente. Viver sem a amizade é não ter esse suporte, um ombro amigo para compartilhar dificuldades e ter alguém que possa torcer por sua felicidade e sucesso. A amizade requer a formação de um bom caráter, pois o amor mútuo envolve escolha. Logo, é possível constatar que possuir um amigo ajuda na busca do próprio ser em querer ser alguém melhor.

Segundo Mons. Fernando Ocáriz (2019) [2]a felicidade não depende do resultado que se alcança, mas do amor que se é dado e recebido. É necessário estender a mão para o amigo, saber perdoar e se entregar. Torna-se perceptível, portanto, que viver sem amigos é deixar de ter essas maravilhas e oportunidades de ser uma pessoa melhor. Sem amizade, perde esse valor intrínseco, pois ela é a preocupação com o outro ser. Ademais, ela possui diversas formas e maneiras de se manifestar, cabe ao homem aprender e se arriscar por essa maravilhosa relação.

3. Manifestação da amizade

3.1. A amizade entre geração

Podemos nos questionar se é possível a amizade entre jovens e adultos, uma vez que a semelhança entre as duas pessoas unidas pelo vínculo da amizade é uma condição fundamental para a mesma. Segundo São Tomás, é próprio dos amigos querer e não querer as mesmas coisas, alegrar-se e sofrer com as mesmas coisas”. (151, I-II, q. 28, a. 2).[1]

Além disso, “a afinidade espiritual entre dois amigos não pode nem precisa ser total. Algumas divergências podem mesmo reforçá-la, sempre que sejam acessórias. A amizade existe, não apesar das diferenças entre os amigos, mas em função tanto das suas semelhanças como das suas diferenças. Tanto umas como outras são duas forças em movimento que tornam possível o dinamismo da amizade.” (CASTILLO, 1999, p. 31). [2]E continua “[…] por um lado, que os dois amigos têm um ideal comum, e por outro que são duas personalidades diferentes que passam a percorrer o caminho da vida complementando-se entre si.” (1999, p.32)[3]

A diferença das idades pode ser até um ponto positivo se considerar os casos que a pessoa mais velha é superior à mais nova em algum aspecto. O contrário também pode acontecer, apesar de ser menos provável. Castillo diz que “a admiração e o fascínio ante a superioridade moral do outro em algum aspecto é justamente um dos ‘detonadores’ que fazem surgir a amizade.” (1999, p. 32) [4]E assim acontecendo, a amizade “pode e deve reduzir a distância entre dois amigos, quando essa é excessiva.” (1999, p. 32) [5]no sentido de que uma pessoa que tem um hábito muito bom pode ajudar seu amigo a adquiri-lo, ou partilhar alguma virtude de forma que a outra pessoa também se desenvolva e então se ajudem mutuamente cada vez mais. Julián Marías testemunha a favor dessa diferença “sempre foi um dos motores da história e, principalmente, da transmissão e criação da cultura”. (1984, pág. 84.)[6]

3.2 A amizade na família

Castillo afirma que “A influência do ambiente familiar costuma ser decisiva para o desenvolvimento, primeiro do comportamento social e depois dos hábitos de amizade”. (1999, p.73)[1]

Fatores como o caráter global do lar, condutas que os filhos observam em casa, o valor que os pais dão ao fato de os filhos serem sociáveis e terem amigos, a participação na vida da família — que promove um clima de confiança e diálogo sincero, espírito de iniciativa — são exemplos de experiências sociais vividas no lar que fomentam ou não a atitude dos filhos para a convivência.

“Respeitar os gostos, coisas e ‘segredos’ de cada filho” assim como “procurar que a casa esteja aberta desde cedo aos amigos dos filhos” (1999, pág. 92) [2]ajudam desde a mais tenra idade a cada um conhecer-se a si mesmo, aceitar-se e aceitar as diferenças dos outros, e facilita que os pais conheçam os amigos de seus filhos e dá-lhes a clareza de que os valores defendidos em casa devem ser respeitados também por aqueles a quem trazem para seu convívio.

Além disso, a amizade entre os pais e as amizades que cada um dos pais separadamente possui podem servir de exemplo, ao partilhar histórias de como foram ajudados pelos amigos, como começaram a amizade com determinada pessoa, o bem que essa amizade traz para si e para sua família.

A família, deve, portanto, ser esse lugar central para desenvolver a intimidade de cada filho e a sua capacidade de abertura “a fim de torná-lo cada vez mais capaz de comunicar a sua intimidade e de compreender ou compartilhar alheia.” (1999, pág. 83) [3]

3.3 A amizade no meio social

“A amizade e a sua função social modificaram-se ao longo do tempo e das diferentes sociedades.” (2014)[1]Uma das grandes mudanças em nossa sociedade contemporânea é a inserção de telas, acesso à internet e celulares que transmitem mensagens instantâneas e permitem contato com diversas “redes sociais” virtuais, onde as pessoas se encontram mesmo estando longe umas das outras e compartilham interesses em comum através delas.

Bauman exemplifica através do que ele chama “amizade facebook” a facilidade de desfazer um vínculo de amizade através das redes pela falta de contato físico e pela impessoalidade desses laços. Tanto para iniciar quanto para terminar uma amizade basta um clique, e não a construção de um relacionamento real com determinada pessoa. Observa-se também que em vez de um ou dois amigos, dessa forma, pode-se fazer 500 amigos em um dia, se desfazer de algum e depois adquirir mais outros, de forma que não importa as qualidades, defeitos, afinidades com uma pessoa e sim o número de amigos. Ele cita um jovem que se gaba por fazer 500 amigos em um dia como se fosse algo extraordinário. Realmente o é, mas não apresenta profundidade ou durabilidade essas amizades, apenas “conecta e desconecta”.

(2014) [2]

No “Estudo sociológico da amizade duradoura e de sua função social na sociedade contemporânea”, pode-se observar através de depoimentos coletados para o estudo, que “em uma sociedade onde tudo é efêmero, maleável e inconstante, ter um piso firme, sólido para poder estar ao seu lado é extremamente importante […] e também o ponto de apoio para subir, ou seguir, na vida” assim como a importância da “disponibilidade para o outro e, deve-se destacar, que esta disponibilidade não é do encontro físico, mas a disponibilidade de ter um tempo para atender o outro, por exemplo, em uma conversa através de um programa de mensagem instantânea.” (2014)[3]

Enquanto Bauman expõe uma parte negativa que é a fragilidade das amizades virtuais, o estudo sociológico acima demonstra por outro lado que a disponibilidade para ouvir e atender o outro aumenta com aplicativos de comunicação digital.

Essas duas realidades estão presentes e nosso trabalho é mostrar que mesmo nesse ambiente mais “líquido” é possível construir amizades duradouras e o quanto isso é importante na vida do ser humano e no alcance de sua felicidade.

3.4. Análise de uma verdadeira amizade

Podemos perceber que, de acordo com Gerardo Castillo, “em suma, a amizade é necessária para fazer o bem, para conviver com homens bons, para adquirir experiência e sabedoria e para receber ajuda nas necessidades”. (1999, p.16) [1]

Foram entrevistados cinco jovens/adultos sobre o que é amizade para eles, o que precisa uma amizade, se as diferenças de grupos sociais, gerações e meio familiar podem agregar ou não, como consideram as amizades de redes sociais, como a amizade pode ajudar a ser feliz e se já experimentaram algum momento em que a amizade foi importante na vida deles.

Ao analisar as entrevistas realizadas para este breve estudo, percebemos que:

a. Ao tentar definir o que é amizade, dizem que é um relacionamento entre pessoas, que tem confiança, afinidade, certa intimidade e que geram crescimento mútuo.

b. Sobre a dedicação do tempo em uma amizade, enquanto a entrevistada Maria, 21 diz “a amizade verdadeira necessita apenas de você estar disponível para ouvir, ajudar”, os demais participantes alegam que o tempo é importante sim, que a amizade precisa ser provada e mantida, deve-se poder contar com o amigo na alegria e na tristeza, e que as relações que não tem essa profundidade não deve ser chamada de amizade, pode ser um conhecido ou colega.

c. Todos são unânimes em afirmar que as diferenças sociais, etária e familiar não são empecilhos para que haja amizade. Mas pelo contrário, pode ser importante para compartilhar ideais, aprender, conhecer realidades diferentes e destruir preconceitos.

d. Em relação às amizades de redes sociais, temos outra unanimidade em que nem todas as pessoas que interagem por esse meio podem ser considerado verdadeiros amigos ou pessoas que se possa confiar. Informam que, pode surgir sim uma amizade através de uma mídia digital mas que só será assim considerada a partir de partilhas de vida, gostos, uma aproximação do contato entre as pessoas. E o contrário é muito comum, ter adicionado nas redes sociais aqueles amigos da vida real, e esse ser mais um meio de conversa sem deixar os encontros presenciais.

e. A amizade é considerada um meio para alcançar a felicidade a partir do momento em que há compartilhamento de experiências e vivências em comum; incentivo e ajuda nas decisões; quando é vivida de forma saudável, sincera e com respeito. De forma resumida, ter “alguém que te compreende e te acompanha” (Esther, 28) seria uma fonte de felicidade.

f. Incrível como todos os participantes responderam que já viveram momentos que provaram o quanto a amizade é importante. Seguem alguns deles:

· “Acho que em momentos de dificuldades damos mais valor as amizades reais, então por exemplo o momento em que estamos vivendo agora*, tenho amigos que estão sempre mandando mensagem perguntando se estamos bem e isso me faz valorizar a amizade pois percebo que a pessoa se importa comigo, amizade verdadeira é tipo casamento, família, na alegria na tristeza, na saúde na doença…”, Ana, 21. *Sua mãe está internada com covid quando foi entrevistada.

· “O meu casamento surgiu através de uma grande amizade. Minha esposa e eu nos conhecemos muito jovens e através da amizade fomos descobrindo nossos sentimentos um pelo outro. Hoje além de marido e mulher somos amigos e confidentes.” Marcus, 29.

· “Tem duas experiências que eu acho que daria pra contar. Uma da faculdade, desde a faculdade assim dos primeiros períodos, que nós mantemos contato até hoje. A gente conversa, troca mensagem, quando vou pra SP a gente se encontra, é uma coisa assim muito rica mesmo. E também uma outra experiência de amizade que eu tive esse ano, que estou meio tendo esse ano, que foi uma pessoa, uma menina que eu conheci no instagram, que estava também fazendo mestrado em literatura lá no Rio Grande do Sul, e a gente começou a conversar, trocamos whatsapp, estamos escrevendo um artigo juntas e a gente está trocando muitas impressões entre nós, sabe? Então tem sido uma amizade muito interessante, porque realmente ela começou por um meio que era, normalmente não é o meio mais adequado pra gente começar uma amizade mas que está se tornando assim uma pessoa com a qual eu conto muito, sabe? Porque nós temos muito em comum, então também às vezes ela posta alguma coisa no instagram e aí eu vejo que aquilo é algo que eu também penso, que eu também acho, que eu também gosto, algum autor, alguma coisa assim, então essas coisas em comum têm nos aproximado muito e a gente tem conversado bastante.” Esther, 28.

V. Conclusão

Neste trabalho foi possível compreender como uma amizade sólida pode conduzir o ser humano à felicidade e como este necessita dela para o seu fim no mundo. Cabe ressaltar que, através das entrevistas feitas, todos os entrevistados puderam compartilhar o significado de uma verdadeira amizade, a sua importância, suas experiências e o que ela traz de benefícios para a sua vida.

Foi possível concluir que a entrega e doação que uma pessoa realiza pela outra é um ato sincero de uma boa amizade. Dedicar tempo e disponibilizar atenção são grandes pontos importantes que foram vistos neste estudo sobre essa relação. Ademais, opiniões e experiências diferentes, ajudam a amadurecer a amizade, pois a pessoa se torna aberta à diversas e divergentes visões, o que ajuda à uma melhor compreensão da vida e em sua formação do caráter.

Apresentado também neste trabalho, a ausência dessa relação, e como isso pode afetar ao ser humano, pois este se realiza quando faz o bem ao outro e enxerga sua felicidade. Além disso, foi questionado sobre as relações pessoais da internet e ao mesmo tempo em que pode ser uma aliada, pode também, ser uma relação sem muita profundidade, pois é muito importante a convivência para um fortalecimento da amizade. Contudo, o trabalho ajudou a entender melhor sobre essa relação que é a amizade e que por ela mesma, implica em uma virtude necessária a todos. Dessa maneira, com um amigo, a vida se torna mais fácil e segura para alcançar a felicidade, mas, uma felicidade sólida.

VI. Referências Bibliográficas

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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Mário da Gama Kury. 3 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim livro I e livro II. 4a. edição, Editora Nova Cultural, Ltda. São Paulo,1991

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Bauman, Zygmunt. A amizade Facebook. Fronteiras do Pensamento. Brasil, 2013 (Comunicação Oral — Entrevista). Disponível em: https://youtu.be/5Lm2O3Q56Wg.

BAUMAN. Zygmunt. Amizade “Facebook” (DUBLADO) | Zygmunt Bauman. Brasil, 2014 (Comunicação Oral — Entrevista) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7UL4sdAIENU&feature=youtu.be

YEPES, Ricardo; ECHEVARRÍA, Javier Aranguren. Fundamentos de Antropologia — um ideal de excelência humana. Instituto brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”. São Paulo, 2005

Bíblia Sagrada, 173a. edição, Editora Ave-Maria, São Paulo, 2007. Eclesiástico 6:14–17.7

CASTILLO, Gerardo. Educar para Amizade. Trad. Roberto Vidal da Silva Martins. Editora Quadrante, São Paulo, 1999

MARÍAS, Julián. Breve tratado de la Ilusión. Alianza Editorial, Madrid, 1984

OCÁRIZ. Carta Pastoral. 01/11/2019. Mons. Fernando Ocáriz. Disponível em: https://opusdei.org/pt-br/document/carta-pastoral-amizade-prelado-opus-dei/

Revista Científica Vozes dos Vales — UFVJM — MG — Brasil — Nº 06 — Ano III — 10/2014 Reg.: 120.2.095–2011 — UFVJM — QUALIS/CAPES — LATINDEX — ISSN: 2238–6424 –. Disponível em: http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2014/10/Estudo-sociol%C3%B3gico-da-amizade-duradoura-e-de-sua-fun%C3%A7%C3%A3o-social-na-sociedade-contempor%C3%A2nea.pdf

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