Amor e fidelidade: que bicho é esse?

Roberta Moschetto
UNIV Inspire Br
Published in
7 min readOct 6, 2020

Autoras:

Paola Dimitri Crepaldi

Paula Chong

Roberta de Fátima Paulino Moschetto

Resumo

O presente trabalho tem como finalidade refletir sobre o amor e seus pilares de sustentação, dando ênfase a fidelidade, de modo a gerar insights de como as influências da sociedade líquida afetam a criação e manutenção dos relacionamentos humanos e são contrários a sua essência e felicidade.

Abstract

This work aims to reflect on love and its supporting pillars, emphasizing fidelity, in order to generate insights on how the influences of liquid society affect the creation and maintenance of human relationships and are contrary to its essence and happiness.

Amor e Caridade

A caridade pode ser definida como a virtude teologal que conduz as pessoas ao amor a Deus, sendo a “mais excelente das virtudes”, segundo São Tomás de Aquino. Em paralelo, segundo C.S. Lewis, ela também é um dos quatro amores. Naturalmente, o amor e a caridade são termos difíceis de se dividir, até quando se observa de uma maneira didática. Isso ocorre pois, ao falar de amor, é muito difícil não relacioná-lo à caridade, e vice-versa. Isso porque ambas as coisas são, de certa forma, indivisíveis. Isto é, para que se ame, é necessária uma doação de si mesmo, típica da caridade, enquanto que para se praticar a caridade, é necessário o amor. O amor e a caridade, portanto, são intrinsecamente conectados, interdependentes e podem ser manifestados de forma simultânea.

Deste modo, não é possível amar sem se preocupar com o bem do outro, considerando apenas a satisfação pessoal. O amor portanto envolve não só prazer, mas veracidade, responsabilidade e maturidade para entender a importância do outro e os meus deveres para com ele.

É também certo que o Amor não possui história própria. É um evento que ocorre no tempo humano, e se compraz no bem do outro querendo, para além da benevolência, a posse do amado e sua perpetuação ao longo da vida. Na relação amorosa, os amados confiam o coração um ao outro, esperando que o outro retribua a entrega pelo zelo e respeito a relação.

A relação amorosa exige Segurança e Liberdade. Segurança de que o outro corresponderá a entrega e liberdade para a eleição do amor e para que cada um respeite o modo de ser do outro. No entanto, há stress nessa dicotomia, pois a insegurança tende a aumentar conforme aumenta-se a liberdade. O amado teme ser menosprezado e deixado, pois compreende a felicidade pessoal como dependente da presença do amado, ficando ela vazia sem o mesmo.

O atual comportamento de consumo guiado pelo impulso imediato de complacência pelos bens, influencia a desafiadora condição dos enamorados. Somado ao desejo de evitar as dores do desencanto de um amor, um relacionamento amoroso passa a ser encarado também como um bem de consumo. E como num mercado, passa a ser conveniente até o momento que compraz e em que não há melhor opção. Deste modo, o amor de “até que a morte os separe” passa a ser uma opção muito arriscada. Opta-se por manter as opções abertas, em viver junto até que para ambos não haja melhores opções e dá-se um novo e rebaixado significado ao que se entende por amor: experiências de autocomplacência. Perde-se em qualidade para ganhar em quantidade. Escolhe-se viver muitas experiências amorosas até que essas sejam viáveis, mas aniquila-se a possibilidade de uma entrega total e profunda.

E para quem se contenta com a possibilidade de “experimentar” relações de prazer ao longo da vida, pode ter de vir a encarar um outro problema: alma e corpo compartilham das mesmas experiências e não é estranho que haja sofrimento mesmo em uma relação construída inicialmente sem expectativas. O coração encanta-se com o outro e é provável que se apegue mesmo que a razão entenda a impossibilidade do longo prazo. Deste modo, cria-se um efeito rebote: ao invés das relações de bolso, das quais se lançam mão quando se compraz, divertindo o homem ao longo da vida, obtém-se uma vida repleta de traumas capazes de minar o encontro com um amor ao qual valesse a pena doar-se.

Fidelidade no amor

Para aqueles que desejam viver o Amor Pleno e Total, a fidelidade é essencial para a construção do relacionamento. Só com a segurança que advém da promessa de uma fidelidade perene, os amados constroem um ambiente saudável para a entrega mútua, caso contrário, ambos sucumbiriam ao mero compartilhamento de momentos com reservas de coração, resguardando-se das frustrações de um futuro rompimento.

Vale ressaltar que a promessa de fidelidade em um relacionamento implica num altíssimo risco, visto que o seu não cumprimento resulta em frustrações mais profundas. Ainda assim, é o único modo ao qual vale a pena relacionar-se, pois qualquer tentativa fora disso seria apenas um faz de conta…faz de conta que se entrega, faz de conta que importa, que depende, que constrói, que confia…um faz de conta que jamais alcançaria a plenitude da entrega da vida toda.

Quanto aos casais que gozam dos prazeres de estar juntos e ao se sentirem “incapazes” do compromisso monogâmico decidem por viver um “relacionamento aberto”, seguem algumas considerações.

Suponhamos que se ame várias pessoas e por isso se deseje ter vários relacionamentos. Neste caso, o amor será entendido como o gostar de várias pessoas e a nenhuma será prometido uma entrega total, pois a cada uma será dado parte do ser do amado. Esta condição impõe nova insegurança aos envolvidos. A nenhum será dado um amor total e deste modo, a ninguém se amará, implicando em falta de segurança de que os relacionamentos persistirão no longo prazo. Tudo se resumirá mais uma vez na escolha por experiências prazerosas e rasas de fácil rompimento, muito distantes do amor pleno ao qual iniciamos essa consideração.

Visto não ser possível amar a vários simultaneamente, o que dizer de amar a uma pessoa e ter relacionamentos contingentes com outras com pleno conhecimento dos envolvidos?

Neste caso se de fato há amor e, portanto, entrega plena ao amado, a conciliação entre o relacionamento principal e os demais contingentes passa a ser um desafio. Como estar plenamente disponível e entregue a alguém e ainda ter tempo aos divertimentos contingentes? Ainda que o amado “compreendesse” possíveis ausências como parte do contrato inicial e que todos com os quais o parceiro se relacionasse aceitassem suas condições de encontros marcados ao acaso do prazer, surge outro problema: o amor aproxima-nos do que é propriamente humano, eleva a nossa preocupação para com o próximo e nos faz entender melhor a importância e dignidade que o outro possui.

Ainda que essas considerações surjam primeiramente na valorização do amado, ela se expande a todas as demais pessoas. Diante disso, é improvável que alguém que ame verdadeiramente deseje a qualquer pessoa uma relação utilitarista, pois entenderá que ela está aquém do que é justo a qualquer ser humano. Sendo assim quem ama ou já amou, jamais poderá construir relações contingentes, sabendo que o que oferece ao outro não é nada mais do que uma relação de descarte.

O Matrimônio como lugar adequado para o Amor

Ainda que numa relação de namoro possa ocorrer envolvimento dos amantes e responsabilidade no relacionamento, é no casamento que há pleno cumprimento das promessas. Não somente se concretiza o propósito do Amor Seguro do “estou contigo nas alegrias e tristezas”, como também se cria o ambiente propício para a perpetuação deste amor por meio da vinda dos filhos. O ambiente familiar é, sem sombra de dúvidas, o mais adequado e saudável para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

Grande risco para os esposos é atual descrença de que é possível viver a fidelidade conjugal. Perde-se a fé no casamento e aumenta-se a crença no divórcio. Apesar dessa união ser uma das tendências mais naturais do ser humano, a partir do momento em que os enamorados passam a depositar e esperar uma felicidade perfeita no casamento, ele tende ao fracasso e o divórcio passa a ser a “solução” ideal. E mais uma vez, vemos como o ser humano passou a ser descartável.

Para que dê certo, o casamento exige esforço, assim como a felicidade também exige. Não é possível fazer crescer a união sem que haja veracidade e maturidade para assumir os compromissos firmados pelo casal. Portanto, não é possível construir tal relação em desejos imediatistas de prazer, que tem como lema a lei do mínimo esforço, egocêntrica e que busca apenas o que lhe é atraente e, aparentemente, a favorece, tende a refutar o que acredita exigir demasiado, evitando o esforço e a entrega necessária para alcançar o Amor. Portanto, ao passar por dificuldades no relacionamento com o cônjuge, o pensamento de que com outro seria mais fácil, com outro eu seria feliz, torna-se frequente, e o divórcio passa a ser o remédio. Porém, o divórcio não favorece a felicidade, mas exime a esperança de, de fato, um dia alcançá-la.

Em meio às pequenas dificuldades, quando os problemas aparecem (comuns a qualquer relacionamento), é necessário que a perseverança no amor se faça presente, que os cônjuges sejam fiéis às promessas do casamento “na alegria e na tristeza; na abundância e na pobreza”. É preciso, portanto, aprender a amar, o que exige muito esforço, trabalho e tempo, mas se se persevera, aprende-se.

Bibliografia

ZYGMUNT BAUMAN. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 2004.

BURKE, Comarc. Amor e casamento. São Paulo: Quadrante, 1991.

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