Cuidar do todo e ajudar a todos

Isabella Martins Furtado
UNIV Inspire Br
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12 min readOct 7, 2020

Resumo

O artigo teve como objetivo discutir a importância do cuidado pessoal integral para que possamos melhor exercer nosso papel de serviço aos demais. A pesquisa mostrou que o cuidado com o corpo e a alma gera competências essenciais para a convivência com os demais e para o serviço. Por fim, direcionamos este “cuidado pessoal” para a abertura ao próximo através do diálogo, sendo este uma forma de estabelecermos laços duradouros a fim de construirmos relações sólidas.

Abstract

The article aimed to discuss the importance of comprehensive personal care to better exercise our role of service to others. The research showed that care for the body and soul generates essentials for living with others and for service. Finally, we direct this “personal care” towards openness to others through dialogue, which is a way of establishing lasting bonds to build solid relationships.

Introdução

Diante da proposta de “buscar uma formação sólida”, procuramos basear nos fundamentos de Antropologia para discutir a importância do cuidado pessoal integral para que possamos melhor exercer nosso papel de serviço aos demais. A pesquisa foi exploratória, de abordagem qualitativa e o meio de investigação utilizado para fundamentar esta discussão foi a pesquisa bibliográfica em e-books, artigos e trabalhos acadêmicos disponíveis na internet.

Quando dizemos “cuidado integral” indicamos que o artigo buscará enfatizar o ser humano em todos os aspectos, de corpo, alma e espírito. Sem se limitar ao cuidado pessoal, tocaremos na finalidade do serviço aos demais, ressaltando que o cuidado pessoal contribui para cumprirmos melhor nosso papel na sociedade.

Podemos diferenciar os seres vivos dos inertes a partir de cinco características: têm dentro de si o princípio do seu movimento; da unidade; imanência; auto-realização e ritmo cíclico (STORK & ECHEVARRÍA, 2015). Dessas cinco características, destacamos a auto-realização. Trata-se do fato de que os viventes não estão “acabados” desde o nascimento, mas crescem para a plenitude do desenvolvimento. Com base nesta característica, defendemos a busca constante pelo aprendizado como mais uma forma de cuidado pessoal necessária.

Os seres humanos estão no terceiro grau da escala da vida. O primeiro se refere à vida vegetativa, própria das plantas e animais superiores a elas. Neste grau, as funções são de nutrição, crescimento e reprodução. O segundo é a vida sensitiva, referente aos animais, os quais possuem um sistema de percepção que auxilia na execução das funções vegetativas através de estímulos como “o presente, o distante, o passado e o futuro” (STORK & ECHEVARRÍA, 2015). A captação destes estímulos gera o instinto, como a fome ou a pulsão sexual. No animal, os atos instintivos não podem ser modificados. Ou seja, trata-se de uma resposta automática que difere dos nossos atos mediante a vontade.

A independência e relevância do indivíduo é maior de acordo com o grau da escala da vida. Por exemplo, o homem — cujo grau que lhe é próprio é o terceiro, da vida intelectiva — possui uma relevância de auto-realização individual que excede plenamente à da espécie (STORK & ECHEVARRÍA, 2015). Os homens vivem para um fim que eles mesmos estabelecem intelectualmente e que ultrapassam os fins da espécie. Além disso, cabe aos próprios homens encontrarem os meios para alcançar tais fins. Portanto, as funções da vida intelectiva são de construir a própria vida e a própria história.

Para que o homem responda às funções referentes a vida intelectiva, que inclui descobrir meios para alcançar os fins que se propôs, é necessário adquirir certos hábitos e “aprender a ser quem é para sê-lo” (J. CHOZA apud STORK & ECHEVARRÍA, 2015). Esse artigo sugere que tais hábitos devem consistir em cuidados pessoais e atos de serviço.

1 O cuidado com o corpo

Buscando ter uma formação sólida para se cuidar do próximo é necessário se entender o contexto em que vivemos e entender o conceito de se ter uma qualidade de vida.

A sociedade hoje nos apresenta uma maneira ‘LIQUIDA’ de viver onde já não importa o como realmente você está interiormente e sim como você aparenta estar. Isso reflete nos exageros feitos com o corpo e com a aparência para se criar uma imagem perfeita.

A expressão “qualidade de vida”, muito discutida atualmente, engloba múltiplos aspectos da vida de um indivíduo e compreende diversos fatores, entre os quais estão as dimensões físicas e emocionais (CASTELLÓN & PINO, 2003).

Correlacionando a qualidade de vida e a saúde, Nahas (2013) salienta que o ser humano busca indefinidamente a melhoria de suas condições de vida e o máximo de autonomia possível durante toda a sua existência.

Sendo assim um dos principais quesitos para se ter uma melhor qualidade de vida e saúde seria melhorar ou aperfeiçoar o seu estilo de vida, por meio de prática da atividade física. Podendo ser esta uma ferramenta para cuidar tanto da parte emocional como a parte a física. A falta de exercício físico ou a inatividade física pode ser um fator de grande impacto na saúde mental do indivíduo, podendo levar à diminuição da autoestima, da autoimagem, do bem-estar e da sociabilidade, gerando um aumento significativo do estresse, ansiedade e, possivelmente, da depressão. Indivíduos depressivos são pessoas que manifestam forte propensão para desenvolver outras doenças, e o exercício, pode ter benefícios adicionais como, por exemplo, controle do peso corporal, mudando a autoimagem. Como demonstram Nascimento et al. (2013) e Pulcinelli & Barros (2010) em seus artigos.

A relação entre saúde e prática de atividade física é tida como positiva pelos pesquisadores da área. Estudos confirmam que essa prática atua na prevenção de doenças, assim como na manutenção e recuperação da saúde do indivíduo em todas as faixas etárias (PAFFENBARGER et al., 1996; BLAIR et al., 1996; PATE et al., 1995; MILES, 2007)

Após entendermos que tanto o interior como o exterior devem estar saudáveis poderemos de uma forma mais sólida e concreta nos posicionar para ajudar o próximo.

2 O Cuidado com a alma

Segundo a tradição aristotélica, a alma é o que nos permite chamar um organismo vivo como tal, distinguindo-os dos inertes, inanimados ou mortos. Além disso, é a alma que confere a identidade do ser; portanto, “um corpo animado, não é um corpo mais uma alma, mas um determinado tipo de corpo” (STORK & ECHEVARRÍA, 2015).

Podemos dizer que o ser vivo tem duas dimensões: uma matéria orgânica, o corpo, e um princípio vital, a alma, que organiza e dá vida à matéria. O corpo não é vivo sem a alma. Sem alma não há corpo. A alma designa a forma e a essência do corpo. É o que “move”, faz o ser vivo “crescer”, se comportar de um determinado modo e ser determinado corpo e não outro.

Disso decorre que o que acontece com a alma implica no que acontece com o corpo, e o que acontece com o corpo implica no que acontece com a alma. O artigo de Espíndula, Valle & Bello (2010), exemplifica esse fato ao mostrar a influência da espiritualidade na saúde. Atividades espirituais como a oração, meditação e leitura de textos religiosos geram o bem-estar espiritual que é tratado como “fator de segurança para evitar o desencadeamento de transtornos psiquiátricos menores” (ESPÍNDULA, VALLE & BELLO, 2010). Metade dos psicólogos desta pesquisa indicou a fé religiosa como o melhor recurso para enfrentar a situação de adoecimento, pois traz estímulo, coragem e esperança. Isso deve-se ao fato de que a força pessoal é uma unidade entre dimensões do espírito e dimensões naturais.

Sabendo da influência da espiritualidade na saúde, traremos outras influências que a prática da religião pode gerar no comportamento das pessoas. Smith (2003) apud Willemsens (2016). agrupa em três dimensões os efeitos da religião nos jovens: ordem moral, competências aprendidas e elos sociais e organizacionais. Entre os efeitos de ordem moral estão as diretrizes morais, que dizem respeito à auto regulação e virtude pessoal; as experiências espirituais, que solidificam as convicções; e o contato com exemplos positivos de vidas. Entre as competências aprendidas estão as habilidades de liderança e vivência em grupo, habilidades de processar emoções e resolver conflitos, além de outras competências relacionadas ao capital cultural que a religião proporciona. Por fim, os elos sociais e organizacionais trata-se do capital social adquirido pela convivência com pessoas de outras idades; das redes de relacionamento intensas, que incentivam boas práticas e desincentivam as ruins; e dos elos extra-comunidade, gerado pela relação com pessoas de outros lugares e por experiências fora da comunidade.

Ao identificarmos todos esses efeitos, se percebe que o cuidado pessoal com a alma gera competências essenciais para a convivência com os demais e para o serviço.

3 A importância do diálogo

A vida cotidiana em tempos atuais assemelha-se muitíssimo com um amplo menu de restaurante. Em praticamente todos os aspectos da existência moderna somos bombardeados por opções variadas — verdadeiramente ilimitadas — para fazermos nossas escolhas. Esse cenário traz consigo uma noção de garantia de felicidade, afinal, parece-nos ainda mais atraente a facilidade com que podemos reexaminar esse menu de possibilidades e fazer uma nova escolha, tão logo a anterior tenha causado alguma mínima insatisfação. A lógica do consumo imediato, que impera na contemporaneidade, é, então, refletida em diversos contextos do cotidiano: desde as relações afetivas, até mesmo na construção de uma identidade pessoal.

A noção de fluidez e liquidez que o sociólogo polaco Zygmunt Bauman inaugura, denominada pelo autor de “modernidade líquida”, é, certamente, esse caos de insegurança e instabilidade ao qual ousamos chamar de “a era do desenvolvimento”. A verdade é que quanto mais alternativas temos, tanto mais somos infelizes, porque a premissa de liberdade arraigada nela é falsa. E é ao depararmo-nos com a efemeridade de Ser, que compreenderemos a necessidade de se ter um olhar fixo, com uma destreza absoluta. O paradoxo da escolha confronta-se, no limite, com o voto de estabilidade: um chamado ao compromisso numa era de alternativas.

Assim, voltemos um pouco no tempo em que as famílias ainda tinham o costume do cultivo e da produção para seu sustento. De esperar crescer, colher, assar, esfriar… Hoje tudo está embalado nas prateleiras dos mercados. Perdeu-se o hábito do preparo, e isso se estendeu, infelizmente, para além da praticidade da cozinha. As relações atuais são atrativas — como afirma nosso autor — não só pela simplicidade de serem feitas, mas especialmente pela facilidade com que podem ser desfeitas. Categorizados pela nossa cultura na qualidade de consumidores, estamos frequentemente fugindo dos desconfortos e buscando pela nova melhor opção. Tudo se transformou numa mera mercadoria que, ao menor sinal de defeito, é passível de troca ou devolução.

Mas, afinal, nenhum nó é desatado sem dificuldades. No final das contas, é porque não criamos laços duradouros nenhum que podemos tão facilmente desvencilhar-nos deles. Na construção de uma relação, como na de um edifício, devemos prezar por uma base sólida, a qual sustentará toda a obra contra acontecimentos fortuitos. Aí entende-se, portanto, a importância dessa faculdade exclusivamente humana de estabelecer uma comunicação entre dois indivíduos: dialogar. É verdade que os animais possuem seu próprio sistema de comunicação, que geralmente se utiliza do domínio corporal e transmissões químicas, mas a comunicação interpessoal humana propriamente dita é muito mais do que uma simples forma de troca de informação. Comunicar-se é, em sua forma verbal pronominal, transmitir-se, e uma correspondência do receptor é o esperado em resposta a este apelo.

Etimologicamente, o termo “diálogo” resulta da fusão das palavras gregas dia e logos. Dia significa “através”. Logos foi traduzida para o latim como ratio (razão). Mas tem vários outros significados, como “palavra”, “expressão”, “fala”, “verbo” e, principalmente, “significado” propriamente dito. Na acepção mais antiga da palavra, logos significa “relação”, “relacionamento”. Dessa maneira, o Diálogo é uma forma de fazer circular sentidos e significados. Isso quer dizer que quando o praticamos a palavra liga, ao invés de separar. Reúne, ao invés de dividir. Assim, o Diálogo não é um instrumento que busca levar as pessoas a defender e manter suas posições, como acontece na discussão e no debate. Ao contrário, sua prática está voltada em estabelecer e fortalecer vínculos e ligações, e a formação de redes; para a identificar, explicitar e compreender os pressupostos que dificultam a percepção das relações. Daí o nome de “redes de conversação”, proposto para as experiências de reflexão conjunta, geração de ideias, educação mútua e produção compartilhada de significados.

O Diálogo é, por excelência, o processo através do qual identificamos e questionamos ideias e posições cristalizadas — os pressupostos sobre os quais se apoiam os nossos julgamentos, escolhas, preferências, ações. O Diálogo é mais do que uma técnica: é uma maneira de conduzir conversações que traz uma nova visão de mundo, de relacionamentos e de processos. Ao mesmo tempo, retoma práticas ancestrais de contato e de integração de grupos. Através do diálogo se consolida uma cultura, uma sociedade, um grupo e as demais diversas maneiras de interação que das relações interpessoais podem surgir. Como o ser humano é um ser sociável, o diálogo é de capital importância para o desenvolvimento da pessoa humana e através dele o homem busca sua realização pessoal. Por fim, a principal importância do diálogo para o mundo contemporâneo é que ele pode trazer inúmeras oportunidades de se praticar o bem.

A beleza e o valor do diálogo ultrapassam as barreiras do imediatismo clamado hodiernamente. Nesta sociedade líquida, buscar este conhecimento sólido é uma forma de revolução. O conhecimento estende-se, aqui, mais adiante daquele tão somente acadêmico, pois procura-se conhecer aquilo que É, através da ação e da revelação do próprio ser. Para Agostinho de Hipona, filósofo e teólogo dos primeiros séculos da Idade Média, todo conhecimento é uma forma de amor, pois só se ama aquilo que se conhece. Logo, é substancialmente através da prática do diálogo que o amor encontra o seu objeto no mesmo lugar que a razão o descobriu: no mais íntimo da alma, onde a memória se abre ao Eterno e onde mora a verdade.

Nesse sentido, o ser humano está chamado a exercer, em conformidade com e a partir da excelência de suas próprias potencialidades, as quais devem ser integralmente trabalhadas, também com primazia o serviço aos outros seres humanos, dentro do papel ao qual é chamado na sociedade. Este serviço pode assumir muitas faces, como nas obras de caridade, no seu microcosmo particular dentro de casa ou de sua empresa, e nas rodas de conversas triviais, que se estabelecem espontaneamente num encontro corriqueiro. Essa diversidade de ambientes ao qual é exposto valida exatamente a necessidade da solidez de sua identidade pessoal que será transmitida através dessa conexão estabelecida entre dois corpos, duas mentes, duas almas, mediada através do diálogo.

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