NAVEGANDO NA LITERATURA: EM BUSCA DE FORMAÇÃO SÓLIDA

Caroline Magalhães
UNIV Inspire Br
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20 min readOct 6, 2020

Ana Cristina Nadalin e Caroline Magalhães

MENTORA: Aline Rodrigues Ribeiro

São José dos Campos/SP 2020

RESUMO

O presente trabalho é um estudo de campo que traz observações, análises e reflexões sobre o proposta educativa do Clube Juvenil Alfa, localizado em São José dos Campos. Partindo da pesquisa bibliográfica para identificar aspectos que configuram a sociedade líquida — conceito do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman — expondo os desafios que essa sociedade traz e a necessidade de se buscar uma formação sólida. Como possível resposta, apresenta-se o Projeto Formativo do ano de 2020, que traz como ponto de partida o livro, filme e adaptação teatral do clássico da literatura “O Mágico de Oz” de L. Frank Baum. As análises dos formulários enviados às associadas e mães e as reflexões sobre o papel da literatura revelam possibilidades e melhorias para a projeto, assim como faz possível identificar pontos positivos e novas propostas a partir desta.

INTRODUÇÃO

A sociedade como conhecemos hoje é resultado de diversas transformações que ocorreram no mundo ao longo da história. Guerras e revoluções foram alterando toda estrutura da sociedade, e esta foi se modificando de acordo com esses fatos.

Após a Segunda Guerra Mundial, de acordo com o Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, a sociedade iniciou um processo de transição, decorrente, principalmente, da ascensão do capitalismo, que fez com que a velocidade de produção e consumo aumentasse excessivamente e à inovação das tecnologias, que trouxe muitas novas informações, além de permitir a comunicação instantânea entre todo o globo, sendo possível estar em qualquer lugar do mundo virtualmente a qualquer momento. A partir da década de 90 se tornou mais perceptível essa grande mudança na sociedade e essas características podem ser observadas atualmente. A sociedade que antes era sólida, mantida por valores sólidos, conceitos e estruturas sociais estáveis, se transformou em uma sociedade líquida, com valores fluidos e relacionamentos descartáveis, o que fez do mundo atual um mundo volátil.

A segurança que era característica estabelecida da sociedade sólida é substituída pela liberdade da sociedade líquida, que apesar de ser positiva em determinados pontos, tem prejudicado pessoas e famílias, pois a mudança rápida que vivenciam em suas vidas profissionais, nas relações humanas e no consumo, criam pessoas ansiosas e angustiadas. Empregos, que eram duradouros e previam planos longos de carreira, mudam a estratégia, pois não é possível mais atender às necessidades dos patrões e nem dos funcionários por muito tempo. Amizades são desfeitas facilmente e casamentos são marcados por divórcios, a cultura do descarte de pessoas passou a fazer parte de todas as relações. O ser humano, por conta disso, vive em busca de permanência e constância, devido ao sentimento de incerteza em relação ao futuro e insatisfação com a sua vida.

Para viver nesse mundo líquido sem ser afetado pela grande onda de frustrações e incertezas é necessário construir solidez na educação e a partir da educação. Todas as estruturas da sociedade (família, educação, economia, etc.) sofreram consequências com a transição sólido-líquido. A educação na sociedade atual passou a ser vista como um produto de mercado, vendida como ascensão apenas profissional, apresentando conteúdos superficiais e descartáveis devida às mudanças que ocorrem em curtos períodos de tempo.

Nesse contexto, como proposta para melhorar a condição de vida da sociedade e das famílias inseridas no mundo líquido, será apresentada a análise de um projeto do Clube Juvenil Alfa, que visa uma formação sólida, pensada na criança e no adolescente como indivíduo completo que possui diversas aspectos (social, acadêmico, espiritual, humano e físico) a serem desenvolvidos.

OBJETIVO

O objetivo deste trabalho é analisar o projeto formativo de um Clube Juvenil e verificar a eficácia de uma formação sólida, que é a educação personalizada e o trabalho com literatura, como possível solução para os problemas gerados pela liquidez da sociedade atual. Além disso, se necessário, identificar falhas e propor melhorias com intuito de colaborar, ainda mais, com a formação proposta pelo clube.

JUSTIFICATIVA

O contexto social de liquidez apresentado pelo filósofo Bauman exige uma proposta educativa que possibilite a formação de crianças e adolescentes de forma mais sólida, por meio de uma abordagem personalizada de ensino e que contemple os cinco aspectos da pessoa (social, física, intelectual, espiritual e afetiva). O clube Juvenil Alfa apresenta uma proposta educativa que vem de encontro com essas necessidades e, ao analisarmos o projeto formativo em vigor no ano de 2020, que tem como ponto de partida a literatura, queremos comprovar o êxito desta e buscar possíveis melhorias.

METODOLOGIA

Este trabalho é uma pesquisa de campo composta pelas observações das atividades realizadas, apresentação do Projeto Formativo do Clube Juvenil Alfa e análise das respostas de formulários que foram elaborados e enviados para as mães e associadas do Clube. Para fundamentação teórica foi feita uma pesquisa bibliográfica utilizando os livros de Zygmunt Bauman para contextualizar a sociedade atual que foi marcada pela transição dos tempos sólidos para os líquidos. Além disso, para fazer a análise de uma formação sólida de qualidade, o trabalho foi fundamentado no estudo e aprofundamento sobre a educação personalizada, de Victor Garcia Hoz, que é a proposta educativa em que o Clube Juvenil em questão.

NAVEGANDO NA LITERATURA: EM BUSCA DE UMA FORMAÇÃO SÓLIDA

A seguir, antes de ser apresentado a proposta educativa do ano de 2020 e a análise dos formulários, será abordado o contexto atual no qual a sociedade está inserida e a proposta pedagógica do Clube Juvenil Alfa.

O CONTEXTO ATUAL: MODERNIDADE LÍQUIDA

Não são todas as mudanças que ocorrem na sociedade, apesar de apresentarem pontos positivos, que são favoráveis e colaboram para a construção de um mundo melhor. Pelo contrário, muitas das alterações geram grande desconforto para a vida das pessoas em seu cotidiano.

A falsa sensação de liberdade, as inversões de valores e a grande inconstância na vida das pessoas atualmente é resultado da modernidade chamada líquida. O mundo sólido, onde os conceitos, ideias e estruturas sociais eram mais rígidas e inflexíveis foi substituído pelo mundo das incertezas, do individualismo e do imediatismo, afetando também os relacionamentos humanos.

Para viver de forma saudável o ser humano precisa de estabilidade, é o que o faz se sentir seguro e pertencente a algo, a grupos e a pessoas, principalmente a uma família. Entretanto, para isso, é necessário estabilidade na vida emocional, profissional e nas relações, a partir da constância, paciência e da aceitação de regras. Com a nova estrutura de sociedade, onde as regras são rejeitadas e abominadas, onde a falta de compromisso é relacionada com liberdade, todos se encontram perdidos e incertos com o futuro.

O individualismo também emerge na sociedade contemporânea, a busca da felicidade se torna estritamente individual, cria-se uma ansiedade para tê-la e acredita-se que ela só depende da auto suficiência. Além disso, como consequência, há um grande impulso em busca de adquirir sempre mais bens materiais, com a ilusão de que a satisfação virá ao sentir o prazer de consumir. Como relata Bauman no livro Vida Liquida, o ser humano é impulsionado pelo desejo, um querer constante que busca novas formas de realizações, experiências e valores, porém o prazer encontrado no consumo é uma sensação passageira, requer um estímulo contínuo, o que torna essa busca pela satisfação, uma busca sem fim:

A sociedade de consumo tem por base a premissa de satisfazer os desejos humanos de uma forma que nenhuma sociedade do passado pôde realizar ou sonhar. A promessa de satisfação, no entanto, só permanecerá sedutora enquanto o desejo continuar irrealizado; o que é mais importante, enquanto houver uma suspeita de que o desejo não foi plena e totalmente satisfeito. (BAUMAN, ano, p.106)

As relações humanas também se desestruturaram, tudo tornou-se descartável, e os relacionamentos são superficiais e rotativos. Bauman reflete sobre as relações e acredita que os laços de uma sociedade agora se dão em rede, não mais em comunidade. Dessa forma, os relacionamentos passam a ser chamados de conexões, que podem ser feitas, desfeitas e refeitas — os indivíduos estão sempre aptos a se conectarem e desconectarem conforme a vontade, o que faz com que tenhamos dificuldade de manter laços a longo prazo.

A partir dessa realidade, para a construção de uma sociedade sólida e para suprir as necessidades do ser humano que estão defasadas, esse trabalho propõe a formação sólida a partir de um projeto educativo para crianças de 10 a 14 anos.

PROPOSTA PEDAGÓGICA DO CLUBE JUVENIL ALFA

O Clube é um o projeto educativo que visa auxiliar os pais na formação de suas filhas por meio de atividades extracurriculares e de lazer. O objetivo do Clube, de acordo com o Book de Assessoramento do ano de 2019, é “oferecer formação personalizada, integral e contínua, no tempo livre, com o fim de favorecer o aperfeiçoamento pessoal”. Dessa forma, o protagonismo no Clube é dos pais, que, auxiliados pelas preceptoras, monitoras e professoras, têm um olhar personalizado e individual para cada associada, buscando o desenvolvimento dela nas cinco dimensões: social, física, intelectual, espiritual e afetiva. Para aquelas que tem interesse, o Clube oferece formação espiritual católica, a qual se responsabiliza a Prelazia do Opus Dei.

Essa proposta educativa segue os princípios da educação personalizada, concebida pelo educador espanhol Victor Garcia Hoz, e que surgiu “da consideração do homem como pessoa, seu caráter de sujeito ativo frente a um mundo de realidades objetivas, com respeito do qual ocupa um plano de superior dignidade e cuja vida é plenamente humana, autêntica apenas mediante o exercício de sua liberdade” (HOZ, 1970, p. 20). Dessa forma, a educação personalizada leva em conta as notas características da pessoa — que, de acordo com Yepes (1996) são a intimidade, manifestação, liberdade, doação e diálogo — e considera cada indivíduo capaz de se aperfeiçoar nas suas diversas dimensões. Logo, a educação personalizada só ocorre de fato num projeto de formação contínua e pessoal, com enfoque especial nas virtudes e que, no caso dos Clubes, se concretiza por meio do Projeto Formativo e do Assessoramento Educativo Familiar (preceptorias).

O Clube se responsabiliza por criar um Plano de Formação no qual contempla não só a associada, mas também os pais e as professoras responsáveis por aplicar as atividades. O plano, de acordo com o Book de Assessoramento, deve ser “aplicável, que favoreça o desenvolvimento de uma vida virtuosa” e conta como ferramenta principal a preceptoria, que são conversas periódicas com as associadas e separadamente com os pais destas, nas quais são estabelecidas metas, propósitos e pontos de luta, com vistas ao desenvolvimento integral da associada.

As atividades propostas nos Clubes variam de acordo com as especificidades de idade, contexto social, econômico e cultural, mas sempre com vistas a:

“facilitar que cada associada:

  • cresça em autoconhecimento e descubra o sentido de sua vida;
  • seja capaz de sensibilizar-se diante da realidade (fatos, pessoas);
  • adquira superação pessoal por meio da prática de virtudes;
  • seja protagonista na vida familiar com espírito de serviço e compreensão;
  • seja autônoma e com capacidade de iniciativa na vida pessoal e nas relações sociais;
  • seja capaz de apreciar a beleza (arte, natureza), agindo de forma responsável com o entorno;
  • adquira critério para julgar suas possibilidades de ação, de modo que possa tomar decisões justas e responsáveis no uso da sua liberdade pessoal;
  • seja capaz de responder livremente às exigências da sua fé e suas demais convicções pessoais.” (book de assessoramento, 2019, p. 4)

Dessa forma, pode-se dizer que o Clube se sustenta pelo tripé “atividades — preceptorias — famílias” e para que o propósito de desenvolvimento integral da associada se concretize, é necessário que os três aspectos estejam em sintonia.

PROJETO FORMATIVO DO ANO DE 2020 DO CLUBE JUVENIL ALFA

O Clube Juvenil Alfa, localizado em São José dos Campos, atua com atividades para meninas de 10 a 14 anos desde o ano de 2016. Antes disso contemplava um público mais abrangente (meninas a partir dos 6 anos), mas restringiu-se às mais velhas como meio de personalizar de maneira mais eficaz as atividades, considerando que este é um período chave na formação da personalidade. Atualmente o Clube Juvenil Alfa conta com um número de 15 associadas, pertencentes a classe média e alta, provenientes de escolas públicas e privadas. Quase todas as associadas possuem celular próprio e usam frequentemente as mídias sociais. De acordo com o formulário respondido pelas mães, 42% das associadas estão no Clube a mais de 3 anos, e a adesão das meninas às atividades pode ser considerada alta, pois raramente se ausentam. O Clube cobra uma taxa de mensalidade para manutenção do espaço e compra de materiais para as atividades, mas todas as professoras e monitoras fazem o trabalho de maneira voluntária.

As atividades são realizadas aos sábados pela manhã e no ano de 2020 variaram entre teatro, dança, culinária, artesanato e literatura. Em decorrência das normas de distanciamento social exigidas pelo coronavírus, desde o início do ano houve adaptação para que as atividades acontecessem de maneira remota. Com um calendário que inicia em março, só houveram dois encontros presenciais, mas depois de um breve intervalo de um mês, passaram a acontecer encontros online com carga horária reduzida.

Como no ano anterior houve grande adesão e desenvolvimento por parte das meninas em ensaiar e apresentar uma peça adaptada de “Um Conto de Natal” de Charles Dickens, todo o projeto formativo e as atividades tiveram como ponto de partida o livro, filme e adaptação para teatro do clássico da literatura “O Mágico de Oz”. No primeiro encontro presencial as meninas assistiram ao filme e posteriormente fizeram uma dinâmica na qual relacionaram os quatro personagens principais com as quatro virtudes cardeais, de acordo com a tabela a seguir:

O cerne da formação acontecia nas aulas de literatura, nas quais cada personagem era apresentado, assim como a virtude que o correspondia e os temas derivados dessa virtude. Os assuntos eram apresentados de maneira dinâmica e lúdica e proporcionaram material também para as preceptorias, como por exemplo o “formulário da ferrugem” (Anexo ?), no qual as meninas tentavam identificar em quais aspectos da virtude da temperança precisavam melhorar.

É interessante ressaltar que, a princípio, não houve grande envolvimento das famílias na proposta do projeto, somente o envio de um vídeo e documento explicando no que consistia o Projeto Formativo do ano de 2020. Mas, com o decorrer do semestre, viu-se a necessidade de que as mães estivessem mais a par do que estava sendo trabalhado no Clube, para que as famílias trabalhassem no mesmo sentido e, assim, houvesse um maior desenvolvimento por parte das associadas. Dessa forma foi elaborado o “Maternagem: mães que cuidam de mães”, no qual uma das voluntárias ficaria pendente de transmitir os conceitos trabalhados e fazer um exame para que as próprias mães refletissem a maneira como estão vivendo e educando na virtude em questão. De acordo com o documento enviado para as mães, o Maternagem serve para “desbravarmos a novidade de entrar na pré adolescência, com seus desafios e toda a beleza das descobertas desta fase. É este o objetivo deste espaço, trocarmos ideias e impressões, sobre cada menina em particular, mas considerando também a mãe com seus limites, suas expectativas e suas histórias de vida.”

O TRABALHO COM LITERATURA

O Projeto Formativo do ano de 2020 pode ser considerado como a busca pela solidez em meio a sociedade líquida e, por ter como base uma obra literária, é necessário refletir sobre a literatura, a importância e necessidade dela para o ser humano — especificamente os contos de fadas — e, de alguma forma, averiguar se o projeto, da forma como foi estruturado, se configura como a base segura na qual as meninas podem estabelecer seus valores e uma compreensão estável da realidade.

A definição de literatura vai muito além da que encontramos no dicionário. Bauman, em entrevista a Pallares-Burke (2004), quando indagado sobre o que a literatura pode ensinar sobre a sociedade e sobre a condição humana, afirma que com a leitura “de Tolstoi, Balzac, Dickens, Dostoievski, Kafka ou Thomas More [ganhou] muito mais insight sobre a substância das experiências humanas do que de centenas de relatórios de pesquisa sociológica”. De fato, o papel da literatura e, da mesma forma a importância dela, pode ser considerada a “qualidade de apresentar ao leitor um horizonte humano mais amplo, que ele dificilmente pode experimentar na sua vida individual” (NETO, 2014, p.1). Na medida que a literatura nos permite viver situações pelas quais jamais passaríamos, ela fornece um referencial seguro de atuação frente a situações similares na vida real e se configura como essencial para desenvolvimento pessoal e humano.

O mesmo pode ser considerado quando se fala dos contos de fadas — como é o caso do “O Mágico de Oz”, obra de L. Frank Baum. Tolkien (2006), na obra em que se questiona sobre o que são as histórias de fada, a origem e para que servem, afirma que estas são um gosto humano natural e que “uma das lições das histórias de fadas (se pudermos atribuir lições a coisas que não lecionam) é que, à juventude imatura, indolente e egoísta, o perigo, o pesar e a sombra da morte podem conferir dignidade e às vezes até sabedoria”. O mesmo autor também afirma que os livros de contos de fada podem dar espaço para o leitor crescer ou, no mínimo, estimular o crescimento, além de que “se forem escritas com arte, o valor primordial das histórias de fadas será simplesmente aquele valor que, por ser literatura, compartilham com outras formas literárias”.

Desde o início do trabalho com “O Mágico de Oz”, houve o esforço para que as associadas vissem na obra literária o valor por si, sem que se buscasse uma função moral-educativa, instrumentalizadora da literatura. Poucas delas leram o livro, pois não foi imposta a obrigatoriedade, já que tal atitude raramente traz o gosto pela leitura. Mas a cada personagem apresentado eram expostos trechos do livro e do filme e, na medida em que elas ensaiavam a adaptação teatral, havia a retomada da representação de cada personagem e tudo o que este significava. Quando indagadas no questionário sobre qual virtude cada personagem representava, muitas das meninas não souberam explicar, mas todas avaliaram como positivas as aulas de literatura e que as levam a pensar e “ faz refletir sobre determinadas coisas da nossa rotina”. Já as mães, quando indagadas sobre a influência das aulas em situações concretas na vida das filhas, afirmam que as aulas “ajudaram as meninas a se conscientizarem e amadurecerem tanto no âmbito familiar quanto escolar” e que “a virtude da fortaleza a ajudou muito em momentos de dificuldade, principalmente esse momento que estamos vivendo”.

Dessa forma, pode-se concluir que é difícil mensurar a influência do trabalho proposto a partir da obra literária, mas as respostas dos formulários demonstram que há sim um progresso visível verificado por parte das mães e das próprias associadas. Por fim, considerando que os assuntos abordados nas aulas e dinâmicas ampliam o repertório e geram reflexões pessoais que depois são concretizadas nas preceptorias, trazer uma obra literária como base pode instigá-las a lerem outras obras que levem a reflexões e repercussões semelhantes. Como uma mãe menciona no formulário: “a semente caiu e com certeza irá germinar”.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RESPOSTAS AOS FORMULÁRIOS

Como meio de avaliar a eficácia do projeto formativo, foram elaborados dois formulários para que as mães e as associadas do Clube respondessem separadamente. As perguntas direcionadas às mães (Anexo 1) abordavam tanto a participação delas no projeto formativo quanto a percepção do desenvolvimento das filhas nos diferentes aspectos desde que estas começaram a frequentar. Já as perguntas direcionadas às meninas (Anexo 2) partiram de uma avaliação geral do Clube para uma avaliação específica do Projeto Formativo do ano de 2020 e tiveram uma abordagem mais lúdica. No total foram coletadas 18 respostas, sendo 11 de associadas e 7 de mães.

De acordo com o gráfico 1, 71% das mães consideram que o aspecto que as filhas mais se desenvolveram foi o social e o humano. Tanto é que na justificativa para essa resposta, uma das mães conta que as “duas filhas melhoraram nitidamente o convívio social, fazem amizades com mais facilidade e se interessam em conhecer pessoas novas” e outra cita que com o Clube a filha fez boas amizades.

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Diante da mesma pergunta feita para as associadas (gráfico 2) o aspecto social também foi considerado por 72% como o que elas mais se desenvolveram no Clube. Ao serem indagadas quanto ao motivo pelo qual gostam do Clube, muitas afirmaram que fizeram novas amizades e uma delas ressalta que no “clube eu estou me socializando mais, criei muitas amigas […]”. Ao responderem sobre a possibilidade de que outras amigas participassem do Clube, praticamente todas disseram que sim, pois “quanto mais pessoas para aprender o que o clube ensina, teremos melhores pessoas no mundo”.

Com base nos dados e nas observações das atividades do Clube, fica patente a importância que as mães e as associadas dão para o estabelecimento de relacionamentos saudáveis de amizade, como forma de promover relações seguras e que proporcionem o sentimento de pertença, raro na sociedade líquida em que estamos inseridos.

Com relação ao desenvolvimento humano, o qual 71% das mães consideram que as filhas mais cresceram, nota-se que as dinâmicas ajudaram como um primeiro contato e início de reflexão — tanto é que uma das mães afirma que “as aulas e dinâmicas sobre virtudes ajudaram as meninas a se conscientizarem e amadurecerem tanto no âmbito familiar quanto escolar”. Mas, para além das aulas de literatura, a preceptorias tem um papel primordial, pois muita mães mencionam que “a preceptoria lhe confere segurança, independência para superar as dificuldades e diferenças, sentimentos tão aflorados na adolescência”, e também que as “preceptorias elevaram o senso de organização das meninas”.

No aspecto humano, 54% das associadas acharam que é o que mais se desenvolveram desde que começaram a participar do Clube. Ao responderem sobre o que é virtude, algumas delas respondem que “virtudes são dons de Deus que procuramos viver na nossa vida”, “é a disposição de um pessoa de praticar o bem” e outra ainda que virtude é “fazer as coisas certas”. Dessa forma, pode-se dizer que a essência do que é virtude foi captada, pois muitas citam situações concretas em que aplicaram o que aprenderam no Clube, uma delas conta que “quando eu estava brava com a minha irmã (…) eu resolvi sair de perto para nós não brigarmos” e outra que “muitas vezes, quando eu tinha que resolver conflito, deixava a preguiça de fora”. Já as mães das associadas receberam os materiais sobre virtudes para uso das famílias e para avaliação pessoal, 57% delas realizaram a avaliação e utilizaram os materiais no âmbito familiar, já o restante relatou que não utilizou ou apenas às vezes, como podemos observar nos gráficos 3 e 4:

De acordo com Isaacs (1976) o desenvolvimento das virtudes humanas é o que permite à pessoa o autoconhecimento, o autopossuir-se e, consequentemente, o entregar-se, “por isso se pode dizer que a maturidade natural do homem é resultado do desenvolvimento harmônico das virtudes humanas”. Dessa forma, o trabalho com virtudes na fase primordial do desenvolvimento da personalidade que é a adolescência, configura-se como a formação sólida necessária na sociedade permeada de liquidez, onde nada é estável ou permanente. O fato de algumas mães não utilizarem os materiais enviados (como mostram os gráficos 3 e 4) e uma porcentagem se considerar somente responsável financeiro (gráfico 5), torna evidente que o projeto poderia ter um alcance ainda maior e, consequentemente, maior eficácia no desenvolvimento das associadas. O desafio de envolver as famílias é essencial para que o tripé atividades-preceptorias-famílias seja devidamente contemplado e, assim, o Clube cumpra de maneira plena com os objetivos que se propõe.

O fato de, 57% das mães e 54% das associadas marcarem o aspecto da formação espiritual, como mostra o gráfico 1 e 2, revela que esse é um diferencial, oferecido pelo Clube que é valorizado por parte das famílias. Tanto é que uma das mães afirma que “no Clube temos a oportunidade de fazer com que meu marido assista uma missa” e outra que “a preceptoria ajudou as meninas a terem um olhar mais atento ao papel de cada uma delas no mundo e, acima de tudo, a importância de Deus nesse contexto”. Mas, mesmo que a espiritualidade seja considerada por Bauman como um dos valores sólidos perdidos pela sociedade pós-moderna e que fornecia certa estabilidade nas relações, consideramos que esse fator não configura de maneira tão essencial o projeto, já que ele em si é voltado para meninas de qualquer crença.

Por fim, as respostas dos formulários permitem a verificação de que o Clube Juvenil Alfa tem cumprido com a missão que se propõe de ajudar na formação da associada nos cinco aspectos que a compõe (social, física, intelectual, espiritual e afetiva). O enfoque maior nos campos social, humano e espiritual revelam a necessidade de fundamentos sólidos principalmente nestes aspectos, já que a cultura geral não os oferece. A literatura utilizada como pretexto para tais reflexões, abre uma panorama rico tanto para as associadas quanto para as famílias e possibilita que encontrem nela mais um ponto de solidez na sociedade líquida.

CONCLUSÃO

Partindo das reflexões sobre o contexto social vivido na pós modernidade e sobre a importância da literatura, a proposta educativa do Clube Juvenil Alfa e seu Projeto Formativo com base num clássico literário, se configuram como uma resposta para a necessidade de formação sólida. O aprofundamento da proposta educacional do Clube e as análises dos formulários fez possível comprovar na prática a eficácia do projeto e a transformação que este proporciona na vida de cada uma das associadas e suas famílias.

Dessa forma, conclui-se que melhorias para o Projeto Formativo do ano de 2020 são necessárias para que este seja ainda mais eficaz. Um aspecto concreto é o envolvimento das mães e utilização dos materiais de apoio enviados, além da conscientização do papel delas no projeto formativo. Para isso propomos formações específicas nas quais se exponha qual a proposta educativa do Clube e o papel das famílias na formação dos filhos. Além disso, a criação de um grupo de estudos como parte da proposta da “Maternagem”, no qual cada mãe poderá colocar as dificuldades e desafios na educação das filhas e trocar experiências com outras mães. Outro aspecto seria o de abranger e ampliar o conteúdo e as obras literárias para os próximos anos, já que a literatura possibilita a construção de uma personalidade madura e estável.

Conclui-se, por fim, que o Projeto educativo do Clube em si é uma resposta para a busca de uma formação sólida de qualidade. Dessa forma, ampliar o público atendido, assim como estimular que mais pessoas promovam tais projetos embasados na educação personalizada e na literatura, é um meio de proporcionar a formação sólida necessária para que os indivíduos consigam navegar com segurança na sociedade líquida.

BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.

Book de Assessoramento, 2019. Disponível em: https://drive.google.com/drive/u/2/my-drive

GARCÍA HOZ, Victor. Educação Personalizada. Valladolid, Miñón, 1970.

NETO, Luiz Gonzaga de Carvalho. A Importância Da Literatura. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/220576931/A-Importancia-Da-Literatura-Luiz-Gonzaga-de-Carvalho-Neto. Acesso em: 02 de outubro de 2020.

PALLARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. Entrevista com Zigmunt Bauman. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702004000100015&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt.

Acesso em: 02 de outubro de 2020.

STORK, Ricardo Yepes. Fundamentos de Antropologia: um ideal de excelência humana. Eunsa, Pamplona, 1996.

TOLKIEN, J. R. R. Árvore e Folha. Tradução: Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad, 2006.

ANEXOS

Anexo 1 — Perguntas do formulário enviado às mães.

  1. A quanto tempo sua filha está no clube?
  2. Em quais dos aspectos a seguir você acha que sua filha mais se desenvolveu desde que entrou no Clube?
  3. Conte-nos alguma situação em que verificou o desenvolvimento da sua filha no(s) aspecto(s) selecionado(s) acima.
  4. Qual a importância do Clube para o desenvolvimento da sua filha?
  5. Você considera que o Clube teve influência no âmbito familiar de modo geral? Se sim, conte-nos um pouco.
  6. Qual a influência da preceptoria no desenvolvimento da sua filha? Conte-nos um pouco.
  7. Você acompanhou o projeto formativo do ano de 2020? (trabalho com virtudes a partir do Mágico de Oz)
  8. Você utilizou os materiais enviados para avaliação pessoal? (Maternagem)
  9. Enquanto mãe/pai, qual seu papel no projeto formativo do Clube?
  10. Como você avalia os materiais enviados para as famílias?
  11. Os materiais foram utilizados no âmbito familiar?
  12. Os materiais foram utilizados no âmbito pessoal?
  13. Conte-nos sobre a influência das aulas e dinâmicas sobre virtudes no desenvolvimento da sua filha. Você percebeu alguma melhora concreta? Houve alguma situação “da vida real” em que ela colocou em prática os conceitos trabalhados nas aulas de literatura?

Anexo 2 — Perguntas do formulário enviado às associadas.

  1. De um a 10, qual a importância do clube na sua vida?
  2. Por que?
  3. Você gostaria que uma amiga participasse do Clube? Por que?
  4. Em quais dos aspectos a seguir você acha que mais se desenvolveu desde que entrou no Clube?
  5. Qual(is) atividade(s) do Clube você mais gosta?
  6. Você acha que o Clube poderia melhorar em algum aspecto? Qual?
  7. O que é virtude? Você acha importante ter virtudes? Qual você considera a principal virtude?
  8. Você lembra de alguma situação em que utilizou as coisas que aprendeu no Clube? Qual?
  9. O que você acha das aulas de literatura? Elas te ajudam? O que você achou do trabalho com o Mágico de Oz? Você sabe qual personagem representa qual virtude?

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