O processo de formação de uma personalidade madura e sua relevância social

Camiladossantos
UNIV Inspire Br
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28 min readOct 6, 2020

Autoras: Camila Paula dos Santos, Ingrid Moraes de Siqueira, Laís Curty Gomes Duarte e Thaís Machado Stefano

Resumo

Este artigo busca abordar algumas definições de uma personalidade madura, seu processo de formação, as instituições sociais que exercem influência no indivíduo e as repercussões na coletividade que uma personalidade imatura é capaz de gerar, sendo um dos principais problemas da sociedade líquida atual. Para desenvolver essa problemática que afeta tanto o âmbito individual quanto o social, analisou-se inicialmente a concepção de pessoa e personalidade, bem como sua construção na infância e adolescência. Posteriormente, avaliaram-se as principais características de uma personalidade imatura em contraste com a maturidade, que consiste em uma plenitude de ideal humano a ser alcançado. Ademais, como uma das principais metodologias para trabalhar a questão da imaturidade no indivíduo, foi utilizado uma proposta baseada na logoterapia, desenvolvida pelo psiquiatra Viktor Frankl, com o público alvo nos adolescentes, principalmente na faixa etária de 12 a 18 anos, uma vez que nessa fase os questionamentos sobre sentido da vida surgem com maior ênfase. O trabalho foi desenvolvido com base em: A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset; nas definições de Fundamentos de Antropologia de Ricardo Yepes Stork e Javier Aranguren Echevarría; na obra Personalidade de G. W. Allport; Em Busca de Sentido de Viktor Frankl e na entrevista de Zygmunt Bauman sobre educação

Palavras-chave: Personalidade madura; sentido da vida; sociedade líquida; adolescência; Logoterapia.

Abstract

This article seeks to address some of the definitions of a mature personality, its development, the social institutions involved in it, which can influence the person individual and socially, and the repercussions on the community that an immature personality is capable of generating, this being one of the main problems of the current liquid society. To develop this aspect, that affects both the individual and the social sphere, the theoretical concept of person and personality was initially analyzed, as well as its constructions in childhood and adolescence. Posteriorly, the main features of an immature personality were evaluated in contrast with maturity, which consists of a fullness of human ideal to be achieved. Furthermore, as one of the foremost methodologies to aproach the issue of immaturity in the individual, a proposal based on logotherapy was used, developed by the psychiatrist Victor Frankl with the target audience in adolescents from 12 to 18 years old, since in the phase the questions about the meaning of life arise with more emphasis. The work was developed based on: The Revolt of the Masses, by Ortega y Gasset; the definitions of Fundamentals of Anthropology, by Ricardo Yepes Stork and Javier Aranguren Echevarría; at work Personality, by G. W. Allport; Man’s Search for Meaning, by Viktor Frankln and in Zygmaund Bauman’s interview about education.

Keywords: Mature personality; sense of life; liquid society; adolescence; Logotherapy

Introdução

Em meio a uma sociedade líquida em que os valores humanos mais nobres tornam-se fugazes, as relações interpessoais são passageiras, o comprometimento pessoal é falho e o senso de responsabilidade parece se esvair, educar os jovens para a maturidade é uma tarefa difícil. Como formar pessoas com biografias que transformam e inspiram? Este artigo tem como principal objetivo indicar meios que buscam solucionar essa problemática tão crítica na sociedade, através da análise do desenvolvimento de uma personalidade madura e sua importância. Desse modo, primeiramente analisaram-se as definições e implicações de uma personalidade imatura, que age conforme a massa, sendo essa uma das principais questões influenciadoras de uma sociedade líquida. Em seguida, abordou-se o protótipo de uma pessoa com personalidade forte, o homem nobre, e os meios para formá-la, ainda na juventude. Foi apresentada também a Logoterapia, que tem como principal viés metodológico a busca de sentido no meio das circunstâncias individuais da biografia de cada pessoa, que, incorporando-as na sua história, possui a chance de amadurecer sua personalidade e influenciar positivamente o meio social em que se vive. Assim, entende-se como a liberdade, definida pela capacidade de realizar escolhas boas que agregam valor aos atos humanos, vivida de maneira responsável e em escala social, é capaz de transformar os homens-massa em pessoas de personalidades maduras.

Objetivo e justificativa

Esse trabalho possui o objetivo de, além de apresentar a importância e a consequência da personalidade madura no âmbito pessoal e coletivo, propor meios que possam auxiliar na construção da maturidade, principalmente na adolescência. A formação da personalidade e a educação voltada para o amadurecimento nessa fase é primordial, uma vez que, sendo um período de muitas escolhas e incertezas, as dúvidas em relação ao sentido da vida e o caminho a ser seguido se tornam mais recorrentes e importantes. Dessa forma, a partir de atividades envolvendo meios virtuais e recursos audiovisuais es, é possível, de forma interativa e acessível, estimular os participantes a refletir sobre aspectos importantes da sua própria vida. Metodologia:

A metodologia utilizada inicialmente baseou-se na análise dos conceitos primordiais e da cronologia de formação da personalidade, com base nos estudos das obras Fundamentos de Antropologia — um ideal de excelência humana, de Ricardo Yepes e Personalidade: padrões e desenvolvimento, de G. W. Allport. A partir dessas análises, foram explorados os conceitos de “Homem Massa” e “Homem Nobre” , no contexto da relevância individual e social que esses protótipos de indivíduos possuem na sociedade líquida atual, apresentados em “A Rebelião das Massas”, de Ortega y Gasset. Fundamentada nesses aspectos, foram abordados algumas ideias baseadas na Logoterapia, teoria formulada pelo psicólogo Viktor Frankl, como forma de embasar a intervenção direcionada ao problema apontado e de prevenção à perda do sentido da vida. Logo, elaborou-se um plano de atividades práticas e experimentais com os adolescentes, evidenciando os aspectos mais importantes para a formação da personalidade madura.

Definições gerais da personalidade

1.1 Concepção de pessoa e personalidade

Ao longo da história muitos pensadores dedicaram-se a investigações de caminhos possíveis para explicação do ser humano, sua natureza, essência e desenvolvimento. Para que se possa produzir uma elucidação, mesmo que breve, que envolva o conceito de personalidade, é necessário partir de uma concepção de pessoa que auxilie na compreensão do percurso que será construído, no intuito de entender algumas das implicações envolvidas no desenvolvimento da personalidade. Stork e Eschevarría (2005), apresentam a condição de ser pessoal como a mais significante fonte de dignidade do ser humano. Os autores, ao discorrerem sobre as notas que definem a pessoa, partem da capacidade humana de se ter uma intensa vivência interior, denominada imanência. As mencionadas notas, que dizem dos traços característicos da pessoa, são as seguintes: intimidade, manifestação da intimidade, liberdade, capacidade de dar e diálogo (Stork & Eschevarría, 2005). Devido a extensão do trabalho, serão esmiuçadas três das cinco notas destacadas, que auxiliarão na compreensão desses traços que perpassam a construção da personalidade do ser humano. Ao falar de intimidade, diz-se de um “mundo interior” ao qual cada pessoa só tem acesso ao seu próprio. Sendo um espaço privado, sentimentos como vergonha e pudor surgem como movimentos protetivos, que devem resguardar a intimidade. O íntimo comunica a irrepetibilidade de cada pessoa, o seu “quem”, reconhecido por um nome e que guarda uma singularidade. A liberdade, por sua vez, marca a possibilidade de escolha que há na vida de cada ser humano. Seus atos e o desenrolar do seu destino os pertence, implicando na construção de quem a pessoa deseja ser e da vida que deseja ter, a partir das possibilidades que a circundam. Quando se trata da capacidade de dar-se, logo se remonta o entendimento do homem como ser relacional. Essa capacidade exprime o direcionamento ao outro, ou seja, o entregar algo de si mesmo a uma outra pessoa. Dar um pouco de si é de certo modo abrir a intimidade, doar algo do íntimo a um outro, que deve receber isso que a ele é direcionado. Todas essas características são essenciais para o entendimento das marcas do que é ser pessoa. Partindo dessa breve descrição, que define a visão de pessoa aqui assumida, é possível iniciar o desenvolvimento de um caminho que permitirá a compreensão da construção da personalidade. O psicólogo norte-americano Gordon Allport (1973), define personalidade como uma organização dinâmica que ocorre no indivíduo, que envolve os sistemas psicofísicos e determinam seus pensamentos e comportamentos característicos. Ao definir a personalidade como organização dinâmica, entende-se que não é algo estático, como se pode pensar inicialmente, mas ativo. A personalidade está sempre em desenvolvimento e acontece de modo particular, ou seja, é diferente em cada indivíduo, o que corrobora a noção de unicidade da pessoa. Autores de outras áreas do conhecimento, em seus estudos sobre a experiência humana, também apresentam noções que convergem para a concepção de personalidade como dinamicidade. O filósofo espanhol Ortega y Gasset (2002), ao apresentar a vida como possibilidade, leva a compreensão de que o que cada indivíduo é ou pode vir a ser depende da maneira como lida com as possibilidades que se apresentam a ele, que passam a constituí-lo a medida em que as assume como suas. Esse posicionamento fala de movimento, de convite à construção. Esse construir é o entendimento da vida como tarefa, que o autor afirma em suas produções. Para explorar a temática da personalidade madura é interessante entender como esse construto pode se manifestar em diferentes momentos da vida. A compreensão de que a personalidade está a se desenvolver durante toda a vida, reivindica a busca por localizar em que momentos do desenvolvimento individual se encontram marcas perceptíveis desse aprimoramento da personalidade.

1.2. Construção do Eu

1.2.1 Primeira infância e desenvolvimento do eu corporal

Desde o início da nossa consciência como ser humano, várias perguntas surgem a partir de uma questão principal: o eu. “Quem sou eu? Qual é o meu sentido de vida? O que eu gosto, o que eu quero?” Essas são algumas das diversas perguntas que circulam em nossa mente ao longo da vida. No entanto, é na infância que começam esses primeiros questionamentos: o início da jornada de autoconhecimento do ser. Quando nascemos, não temos a consciência do que somos e o que fazemos aqui; William James denominou a experiência consciente de um bebê como “uma grande confusão, florescente e cheia de zumbidos” (Allport, 1973, p.149). Gradualmente, o bebê vai adquirindo uma autoconsciência durante os primeiros anos de vida. A partir disso, começa a diferenciação entre o “lá fora” e “aqui dentro” (Allport, 1973). É a partir do fora que vem as satisfações, mas também as frustrações. Por meio dessas experiências, é possível iniciar o processo de autoidentidade. A auto identidade e o sentido de pertencimento são aspectos inerentes ao ser desde o início da sua consciência corporal. A linguagem é uma das primeiras questões da auto identidade, pois a partir dela é possível falar, pensar e associar coisas ao eu. Além disso, o nome também é um ponto relevante, uma vez que, a partir dele, a criança passa a se diferenciar das outras e tomar consciência de sua independência como indivíduo. Por meio disso, o processo de personalidade da criança é percebido através das coisas que ela gosta e possui: mostram com entusiasmo suas roupas e brinquedos, com orgulho dos seus bens. (Allport, 1973). Essa característica permanece no ser humano em toda sua vida, haja visto que, a partir das suas preferências, escolhas e os elementos ao seu redor, é possível perceber um pouco de sua personalidade. Um outro aspecto importante na formação de autoidentidade da criança, que ainda não está completa, é a referência externa. Ela começa a reproduzir comportamentos de pessoas ao seu redor, além de misturar a realidade com a fantasia das brincadeiras e incorporar, por exemplo, o personagem de um animal ou herói. (Allport, 1973) Vale ressaltar também, que dos 6 aos 12 anos, o sentido de identidade da criança e sua autoimagem são muito ampliados quando entra na escola. (Allport, 1973) É por esse motivo que é muito importante uma formação sólida nesse primeiros anos de vida, justamente porque eles são os embriões de uma posterior personalidade madura. Após o domínio do eu corporal, a criança passa a ocupar uma posição perante ao mundo, de explorador do ambiente. Quer conhecer as coisas, como funcionam e, principalmente, ter o controle sobre as coisas. Quando algo sai diferente das suas expectativas, ela se frustra e é nesse aspecto que o sentido do eu fica evidente, causando um choque na autoestima. (Allport, 1973) A autoestima nesse processo de formação é algo ainda muito frágil, uma vez que, como ainda não se tem uma construção completa e sólida, o ego muitas vezes fica ferido facilmente, seja por um simples “não” ou pela incapacidade de mexer em algum objeto. A autonomia do ser está totalmente ligada à sua autoestima: uma vez que ele não é capaz de exercer tal atividade ou é proibido de mexer em alguma coisa, ele se sente impotente.

1.2.2 Adolescência e vida adulta

No período da adolescência, a busca pela autoidentidade ressurge, mas de forma renovada, a dicotomia do pensamento: “Criança ou adulto? Quem eu realmente sou?” (Allport, 1973, p.165). É um período de muitas incertezas, pois em algumas situações é cobrado muita responsabilidade — como um adulto -, mas por outro lado, há limitações — caracterizando a criança. “Quem é que pode dizer onde começa a maturidade? O adolescente não sabe, mas a sociedade também não.” (Allport, 1973) “A autoimagem da adolescência depende dos outros” (Allport, 1973, p.166). Nessa fase, o sentimento e a necessidade de pertencimento são muito fortes. O jovem precisa se encaixar em um grupo, seguir os padrões de comportamento e estético. Muitas vezes, nem vive de acordo com o que acredita, justamente porque não possui um senso de identidade e personalidade totalmente formado e maduro. No entanto, pouco a pouco, por meio da experiência em diversos grupos e tendo referências, inspirações de personalidades fortes, o adolescente vai tomando consciência de quem é e o que espera para sua vida. “A busca da identidade revela-se na maneira pela qual o adolescente experimenta diferentes máscaras”. (Allport, 1973, p.167) É nesse momento em que a vida começa a ser definida, e muitas vezes, quando a personalidade não está totalmente formada, surge o questionamento: “Quem eu sou? Pra onde eu vou?”. “Até que o jovem comece a planejar, o sentido do eu não está completo” (Allport, 1973, p.168). É nesse ponto que se percebe a maturidade ou a falta dela. Uma pessoa sem objetivo, sem um propósito ou sentido de viver, demonstra-o através de uma personalidade imatura. Por fim, após a cronologia do ser humano da infância à fase adulta — dependendo de como é experienciado esses momentos — é esperado que a auto-identidade já esteja formada e sólida. Uma personalidade madura se caracteriza como uma pessoa que possui uma linha de realização e uma intenção com seu modo de viver. Junto a isso, apesar dos diversos meios em que vive, possui suas próprias nuances de personalidade, não se alterando pelo convívio com pessoas diferentes. Para viver e se descobrir como ser, não existe uma receita ou um padrão: a felicidade e a realização são os combustíveis para uma vida plena e completa.

2. Diferenciando a personalidade madura da personalidade imatura

2.1. O homem massa

Uma etapa importante para compreender o desenvolvimento de uma personalidade madura é avaliar o seu oposto. Nesse sentido, a definição de ‘’homem massa’’- também denominado como “homem médio” ou “homem vulgar” — desenvolvido pelo filósofo Ortega y Gasset em seu livro ‘’Rebelião das Massas’’ ajuda a alcançar essa compreensão. O homem massa é o exemplo de muitos indivíduos atualmente, pois uma de suas principais características é a ausência de uma personalidade forte; ele não possui valores bem estruturados dentro de si ou ideais diferentes da massa. Com isso, não enxerga a vida como ‘’tarefa’’, não conjugando liberdade e responsabilidade ao tomar suas ações. Assim como muitos adolescentes de personalidade ainda pouco amadurecida, toma suas ações pautado na opinião prevalente no grupo e não na solidez de suas convicções e projeto vital. Esse homem vulgar representa, de forma particular, a sociedade contemporânea, uma vez que perde o valor da tradição e o sentimento de gratidão pelo o que possui, ao se ver cheio de direitos e se sentir eximido de cumprir deveres ou responsabilidades. Desse modo, desvaloriza estruturas sociais importantes, como as relações humanas na família, amizades e relacionamentos amorosos, ao possuir uma tendência a voltar-se para si mesmo e seus próprios interesses imediatistas. Nesse contexto, torna-se irrelevante a busca por valores sólidos e uma personalidade forte, que são o sustento dessas mesmas relações humanas. Consequentemente, gera-se um segmento social formado por pessoas autocentradas e imediatistas, descrevendo-se assim, em grande escala, uma das faces da liquidez da sociedade moderna (Bauman, 2009).

2.2 A vida vazia

Ademais, outra característica importante para se analisar o homem-massa é o efeito da coletividade na vida privada. O homem médio possui uma dificuldade em separar a interferência do público no privado, pois, quase inconscientemente, adere a tudo que lhe parece bom do coletivo e o incorpora à sua intimidade, sem critérios bem estabelecidos para filtrar o que não condiz com uma vida esforçada e orientada a um fim transcendental. Em consequência, faz o que lhe apraz no momento sem mensurar os riscos da liberdade e as consequências de responsabilidade por seus próprios atos; se torna facilmente um indivíduo mimado, cheio de direitos e com poucos deveres. Com isso, observa-se uma pessoa que atua conforme a massa, sem um sentido de vida ou valores superiores que orientam de forma geral suas ações, tornando-se incapaz, muitas vezes, de se doar a ideais maiores que ele mesmo. (Ortega y Gasset, 1929). Uma boa exemplificação dessa vida vazia foi relatada na pesquisa realizada pela enfermeira australiana Bronnie Ware em seu livro “The Top Five Regrets of the Dying’’ (Os cinco arrependimentos principais dos moribundos). Ao gravar as epifanias dos seus pacientes terminais, relatou que um dos cinco principais arrependimentos desses era não terem tido a coragem de viver uma vida fiéis a si mesmos, quando, ao refletirem sobre suas ações, perceberam que não foram quem gostariam de ter sido (Ware, 2012). Pode-se inferir, com isso, que a ausência de ideais que deem sentido aos sofrimentos tem como consequência uma orientação vital medíocre, resumida na busca pelo prazer e sucesso imediatos concomitante à fuga da dor e do sacrifício. Atualmente, no contexto social observam-se relações cada vez mais frágeis, relacionamentos amorosos e amizades pouco duradouros, como o próprio Bauman (2009) afirma. Isso porque o exemplar de homem-massa, que busca apenas o que lhe satisfaz, é incorporado por muitas pessoas, que possuem dificuldade de se doarem para o outro e de se esforçarem por construir relações sólidas.O tempo e atenção necessários para se cultivar boas relações sociais não são mais prioridade: “No mundo líquido moderno, de fato, a solidez das coisas, tanto quanto a solidez das relações humanas, vem sendo interpretada como uma ameaça: qualquer juramento de fidelidade, compromissos a longo prazo, prenunciam um futuro sobrecarregado de vínculos que limitam a liberdade de movimento’’ (Bauman, 2009, p.662). Dessa maneira, o meio social fica permeado de relações líquidas e fragilizadas, pouco propícias para o desenvolvimento maduro dos homens.

2.3 O Homem Nobre

Na célebre frase de Ortega e Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela não salvo a mim” (Ortega y Gasset, 1966, p.322), pode-se observar um aspecto fundamental no amadurecimento da personalidade humana: nenhum homem é capaz de formar-se a si mesmo à parte de uma interação entre sua identidade profunda (o “eu”) e as circunstâncias que o envolvem. Isso porque, assim como Ortega mesmo afirma no seu conceito sobre razão vital, a pessoa sozinha não é um “alguém”, mas um “alguém corporal”, que existe inserida em dimensões de sociedade, de espaço e de tempo específicas. São nessas dimensões que cabe ao homem construir a si mesmo através de uma estrutura biográfica firme (Stork & Eschevarría, 2005), orientando sua própria vida em busca de seu projeto vital. O homem, portanto, precisa escolher dentre as suas circunstâncias (o que foi escolhido para ele e não por ele) as possibilidades que contribuem para a realização do seu projeto vital e que agregam sentido às suas ações, assim como rejeitar as opções que poderiam afastá-lo desse mesmo projeto. Salvar as circunstâncias significa, desse modo, aproveitar as circunstâncias favoráveis e as desfavoráveis ao projeto vital para realizar a si mesmo, fazendo bom uso da liberdade humana a fim de orientar suas ações a um fim estabelecido. No caso do homem massa, abordado previamente, vê-se que não lhe apraz servir a algo transcendente a ele mesmo (Ortega y Gasset, 2002) por não possuir um projeto vital bem estabelecido e, por isso, mesmo com amplas possibilidades circunstanciais, é incapaz de aspirar à nobreza de vida. Nobreza, para Ortega, é equivalente a uma vida esforçada, que tem como dever e exigência superar sempre a si mesma (Ortega y Gasset, 2002). Por sua vez, mesmo diante de possibilidades de ação reduzidas devido a circunstâncias limitadas, o homem nobre é capaz de ser ativo na sua escolha pela opção circunstancial que mais se assemelha ao seu projeto vital, esforçando-se para melhorar a si mesmo. Isso constitui a base para uma personalidade forte, em que o homem, ser futurista (Stork & Eschevarría, 2005), que entra na existência orientado para um fim e projeto, decide ele mesmo o que será e fará, incorporando suas circunstâncias em sua biografia. Essa é caracterizada pelo sequenciamento de ações da própria pessoa; a forma como se constrói, ademais, é dependente da intencionalidade que o próprio sujeito possui ao agir, o que pode orientá-lo a se assemelhar mais ou menos com seu projeto vital. Ademais, a maneira como essa incorporação entre a biografia e o projeto vital ocorre define se o homem é nobre ou massa. O homem massa vive pelo princípio de passividade e reação, se eximindo de ser plenamente responsável pelo curso de sua própria narrativa biográfica por querer evitar qualquer esforço prévio com relação ao seu projeto vital. Ao não possuir um fim claro a que almejar, não é capaz de eleger bem suas ações e orientá-las todas a uma mesma finalidade, agindo dessa forma a partir do princípio de alteridade (Ortega y Gasset. 2002). Esse princípio de ação é comum aos animais, que, por não possuírem um sentido claro de interioridade e personalidade que os orienta, agem guiados somente por estímulos externos, por reação, de fora para dentro e não de dentro para fora. Para que a incorporação das circunstâncias presentes direcionadas ao projeto vital ocorra com vistas à nobreza da pessoa, o homem deve ser capaz de ensimesmar-se (Ortega y Gasset, 2002), entrando em si mesmo para avaliar se o seu percurso biográfico corresponde à exigência esperada dele mesmo. Se as ações, orientadas pela liberdade, condizem com o objetivo final, há uma personalidade sólida e madura: um homem esforçado, capaz de fazer uso das suas possibilidades de vida para alcançar exigências superiores. Nisso se desenvolve, portanto, a maturidade da personalidade: o agir segue o ser.

2.4 Uma sociedade regida por homens nobres

Para que qualquer pessoa chegue a se comportar em conformidade ao seu projeto vital e alcance a maturidade nas suas ações, há a necessidade intrínseca do outro. As relações interpessoais são imprescindíveis, pois o ‘’eu” só se desenvolve no contato com o outro (Stork & Eschevarría, 2005, p.59); “o ser do homem é coexistir”. Nesse contexto, a formação de uma personalidade madura não deve ser avaliada sob um aspecto meramente individual, mas sob a ótica do contexto social prevalente em que a pessoa humana se encontra. Bauman (2009) sustenta que a formação da personalidade e do conceito pessoal de “eu” é uma tarefa para toda a vida, iniciada na juventude e devendo ser contínua e perpétua: “[…] a “formação” do próprio eu, ou da personalidade, é impensável de qualquer outro modo que não seja aquele contínuo e perpetuamente incompleto.” (Bauman, 2009, p.673). Entretanto, no contexto da sociedade líquida atual, fragmentada em seus múltiplos focos de atenção, a educação do jovem orienta-se para a capacitação profissional, para uma vida de prazeres imediatos e para a satisfação de desejos de homem-massa, de forma a desvalorizar a formação integral da personalidade humana. O jovem age sem saber o que o orienta; vive no meio da massa, sem se distinguir dela, justamente porque os indivíduos com quem convive não possuem uma clara orientação para o sentido da sua existência. O discurso da eficiência, da competitividade e do desenvolvimento das competências de base para o ambiente profissional está presente intimamente na vida educacional da maior parte dos jovens (Bauman, 2009), assim como a ambição de satisfazer imediata e rapidamente seus anseios superficiais, sem levar em conta o aspecto de nobreza de vida que deve permear o ambiente de formação das personalidades jovens. O modelo educacional atual os capacita com meios práticos para se realizarem na sua vida profissional; entretanto, quando essa não é orientada para um projeto vital sólido, tende a gerar insatisfação e insegurança na juventude e vida adulta, devido a um profundo sentimento de falta de sentido (Damásio, Koller & Schnell, 2013). Isso porque a vida, incluindo o aspecto profissional, é quando orientada para a autotranscendência e para o fim do homem -verdade e bem-, permite o desenvolvimento das capacidades humanas mais fundamentais, por aperfeiçoar a inteligência e a vontade; atualiza, assim, a realização do homem em seu projeto vital (Stork & Eschevarría, 2005). O que acontece atualmente é a estimulação para o desenvolvimento das faculdades intelectuais da pessoa na juventude, pela educação escolar, desacoplada da formação humana em sua integridade, que inclui uma personalidade madura, um projeto vital consistente e que responda às indagações do jovem sobre o sentido da sua própria existência. Isso pressagia sofrimento humano intenso associado a frustração, esperanças vãs e vida desperdiçada (Bauman, 2009), pois depositam-se os esforços pessoais não na realização final da biografia de cada jovem, mas na mera satisfação de seus desejos de viver como a massa. Segundo Ortega (2002), a vida humana, em sua própria natureza, deve estar orientada para algo, a um projeto glorioso ou humilde; quando a vida, sobre a qual cada um é individual e unicamente responsável, não é entregue a algo maior que o próprio sujeito, caminha desvencilhada e passa a não mais ser dotada de sentido e transcendência. Essa ideia de vida humana vazia de sentido e conteúdo por não se entregar a algo superior a ela mesma é o oposto do ideal de homem nobre, que, ao possuir uma personalidade madura, é capaz de orientar sua biografia a um fim exigente e realizador. Dessa forma, explica-se o fenômeno de perda de sentido da vida, tão comum entre os jovens (Damásio, Koller & Schnell, 2013) e que norteia a falta de solidez e conexão íntima entre as ações do presente e a transcendência à que deveria se projetar a biografia da pessoa humana, orientada para a felicidade.

3. O sentido da vida na personalidade

Viktor Frankl (1991) afirmava que o sentido da vida apenas poderia ser alcançado sob uma perspectiva de transcendência, quando o indivíduo olharia para além das suas meras necessidades imediatas e viveria não pelo princípio de alteridade, mas pela busca da sua razão vital. O homem, sob essa ótica, é um ser único e irrepetível, que deve responder à chamada particular que a vida constantemente o faz. Possuidor de uma dimensão própria do ser humano -dimensão nóetica ou espiritual- o indivíduo é capaz de assumir a sua condição de liberdade e responsabilidade perante a vida. A capacidade de dar-se pode ser compreendida a partir de um paralelo com o conceito de autotranscendência desenvolvido por Frankl. Autotranscender significa dirigir-se a algo ou alguém. O homem é abertura ao mundo, é para além de si mesmo (Frankl, 2019), possuindo um fundo comum com a ideia de homem nobre desenvolvido por Ortega. Nesse contexto, pode-se compreender a importância das temáticas de responsabilidade pessoal e liberdade, que guiam a pessoa humana na tarefa sublime de realizar-se a si mesmo de acordo com as aspirações individuais. Com a liberdade, o ser humano se torna responsável pela sua própria biografia e é capaz de, dependendo da qualidade da ambição do seu objetivo vital, forjar projetos e levá-los a cabo, o que lhe garante a busca pela felicidade. A felicidade segundo Frankl(1991a), dessa forma, vem como consequência da saída de si e da busca pela transcendência, não devendo ser buscada em si mesma, pois é o produto benéfico da entrega da pessoa a algo maior do que ela própria: seu projeto vital pautado em valores sólidos. Na pesquisa “Sources of Meaning and Meaning in Life Questionnaire (SoMe): Psychometric Properties and Sociodemographic Findings in a Large Brazilian Sample”(Damásio, Koller & Schnell, 2013), pode-se perceber que as principais fontes de sentido para a vida são a auto-transcendência vertical (religiosidade e espiritualidade) e auto-transcendência horizontal (desenvolvimento interpessoal, generatividade, harmonia no ambiente de vida, comprometimento social, entre outros fatores), sendo essas também as principais características que reduzem as chances de uma crise de sentido da vida. Nesse mesmo trabalho, foi visto que os fatores relacionados à auto-realização da pessoa (individualismo, sensação de poder, metas individuais) não são capazes de, por si mesmos, impedir que uma crise de sentido se instale. Esse fato corrobora a ideia previamente apresentada por Ortega, de que se a vida humana não é orientada para algo superior a ela mesma, carece de sentido e se torna vazia. Dessa forma, para viver uma vida com sentido, o ser humano não pode fechar-se em si mesmo, pois, sendo um ser perfectível e naturalmente social, somente é capaz de alcançar a plenitude do seu projeto vital no contato com os demais (Stork & Eschevarría, 2005). Sob esse aspecto, entende-se a importância da educação para o desenvolvimento de pessoas cujos ideais são nobres e cuja vida possui sentido. Segundo Frankl, “Mais do que nunca a educação há de ser educação para a responsabilidade. Ser responsável é ser seletivo, possuir capacidade para escolher” (Frankl, 1990, p. 19). A partir de uma educação sólida, voltada para criar no jovem inquietações sobre o sentido próprio da sua existência, há confronto entre o que ele é e o que pode vir a ser (Miranda et al., 2016), sendo papel do educador aguçar a consciência para que o educando eleja seu projeto vital pautado em ideais nobres. Assim, a formação de uma personalidade madura é passível de ser alcançada, pois favorece-se a capacidade individual de tomar decisões pautadas não nas demandas imediatistas do mundo exterior, mas nas aspirações pessoais voltadas para a realização da própria biografia, através de um projeto de vida consistente e aberto à transcendência. A logoterapia, como metodologia prática de psicologia que aplica os conceitos teóricos de Frankl sobre o sentido da vida, possui a função de auxiliar o indivíduo a nortear suas ações a partir de valores sólidos, confrontando a pessoa com a razão de escolha das suas ações e com a sua própria personalidade. Esse processo de reflexão acontece com a finalidade de a tornar cada vez mais consciente das circunstâncias que ela incorpora nas sua biografia, experimentando uma vida dotada de sentido.

4. A Construção de Personalidades: uma abordagem possível através da Logoterapia

Tudo que foi exposto a respeito da construção da personalidade, sua condição madura ou imatura, convida a pensar sobre modos de facilitar o contato e a reflexão dos indivíduos sobre aspectos da vida, que podem contribuir para a formação de personalidades que não se assemelham ao homem massa. Assim sendo, será detalhada a seguir uma proposta de intervenção que procura trabalhar na direção de proporcionar aos seus participantes a aproximação com temáticas importantes na perspectiva de indivíduos que buscam viver uma vida com sentido, visando uma vivência com autonomia, liberdade-responsabilidade, direcionamento ao outro e demais possíveis conteúdos. Viktor E. Frankl é um autor que, através de sua concepção antropológica, também dialoga de forma muito próxima com a concepção de homem nobre, apresentada por Ortega e Gasset. Frankl (2019), ao elucidar a existência do homem como um ser em busca de sentido, seu direcionamento para realização de valores, a necessidade de entender a vida em seu caráter de missão e sua condição de ser livre e responsável, auxilia na visualização das bases para a construção de uma personalidade madura. Miranda et al. (2016), apresenta um trabalho desenvolvido com grupos de estudantes adolescentes, tendo como base a teoria desenvolvida por Frankl, a Logoterapia. As atividades desenvolvidas com os participantes visavam desenvolver um caminho para prevenção do vazio existencial, buscando trabalhar, a partir de textos reflexivos, assuntos vinculados à noção de sentido da vida. Seguindo a via de construção de um trabalho com grupos de adolescentes, a proposta aqui desenvolvida apresenta os filmes como ferramenta principal para alcançar o público alvo. A opção escolhida para estabelecimento de comunicação e viabilização da formação dos grupos são as plataformas virtuais.

4.1 Trabalhando com adolescentes

Devido a extensão do trabalho, foi preciso eleger um grupo específico com alvo da proposta de intervenção elaborada. Adolescentes de 12 a 18 anos serão o público alvo. Uma vez que não há consenso nos estudos que demarquem o início e o fim da adolescência, a faixa etária foi escolhida considera a idade de 12 anos, idade identificada por Allport (1973) como sinalizadora do início da adolescência. A idade limite de 18 anos leva em consideração a média de idade para término do Ensino Médio no Brasil e início das escolhas de formação e profissionais. A escolha da adolescência como foco do trabalho justifica-se pela relevância que é atribuída a essa fase da vida para o desenvolvimento da personalidade. Como já exposto, Allport (1973) menciona características centrais dessa etapa do desenvolvimento, como a necessidade de se sentir pertencente a um grupo, de construir uma identidade e de se referenciar nesses contatos e experiências para construção de sua auto-imagem. Desse modo, conclui-se que é de suma importância o estabelecimento de referências que estimulem os os adolescentes a seguirem um caminho para o desenvolvimento de uma personalidade madura, que busque corresponder àquilo que Ortega e Gasset (2002) chamou projeto vital. Em Allport (1973), entende-se que o período da adolescência faz emergir perguntas referentes à sua identidade, ao seu dever de ser; questões que abarcam considerações sobre seu presente, mas também sobre seu futuro. É nesta fase, por exemplo, que a escolha profissional e as determinações sobre um projeto de vida para a fase adulta apresentam-se de forma mais enfática. A possibilidade de trabalhar o sentido contido nas diferentes circunstâncias e também o caráter de missão que a vida assume, como afirmado por Frankl (1991a/2019), deve ser considerada nas estratégias interventivas com adolescentes. São esses aspectos que pautam a escolha de adolescentes como público alvo na elaboração da proposta interventiva do presente trabalho.

4.2. Meios virtuais como modo de alcance

Como forma de acessar os adolescentes e manter comunicação com eles de modo mais frequente, serão utilizadas plataformas virtuais. O uso dos meios virtuais como modo de se relacionar e obter informações vem se consolidando com o passar dos anos. Com as mídias digitais, novos meios de estabelecimento de relações interpessoais foram emergindo e algumas vantagens podem ser percebidas, nesta perspectiva. “A internet é responsável pela flexibilidade e capacidade de longo alcance das informações, com diversos conteúdos produzidos e disponibilizados no ambiente virtual” (Beserra, 2016, p.7). Contudo, não é possível desconsiderar os efeitos negativos que uso dos meios virtuais podem causar. Zancan e Tono (2018), obtiveram como resultado da pesquisa realizada a constatação de que os adolescentes, em grande parte, não passam por orientações e monitoramento do uso dessas mídias, o que pode acarretar negativos efeitos biopsicossociais. Está claro que a vivência virtual já faz parte do cotidiano das pessoas e que buscar modos de utilizar esses ambientes de maneira saudável, estimulando essa prática de forma consciente, é algo necessário. Dessa maneira, a intervenção aqui proposta busca oferecer conteúdo e interação de qualidade aos adolescentes, através de um meio que a eles é familiar e de fácil acesso para boa parte desse público. Além disso, os encontros virtuais possibilitam abarcar pessoas de diferentes localidades, além de facilitar divulgação do trabalho.

4.3 Filmes como ferramenta de trabalho

Os filmes são encarados como meios de entretenimento, fazendo parte do cotidiano de muitas pessoas, principalmente dos mais jovens. Para além da função de entreter, os filmes podem ser ferramentas úteis para promoção de reflexão, conscientização e transmissão de informações variadas. Schorn e Santos (2016), exemplifica o uso que o cinema pode assumir, no contexto educacional, por exemplo. No referido texto, as autoras apresentam uma possibilidade de trabalho visando uma educação socioemocional a partir da utilização de filmes e refletem sobre a inserção do cinema como uma boa estratégia pedagógica. Percebendo os filmes como ricas fontes de exposição de aspectos vivenciais relevantes e meio eficaz de aproximação com os adolescentes, serão utilizados como ferramenta para o desenvolvimento do trabalho. Várias temáticas podem ser abordadas a partir de uma única produção; a criação de roteiros como disparadores de reflexão é uma escolha para definição prévia da temática na qual se pretende focar. Na tabela abaixo são apresentados alguns exemplos de filmes que podem ser selecionados para desenvolvimento da intervenção e algumas das temáticas que podem ser abordadas.

4.4 Construindo Roteiros — Um Projeto Possível

Dessa forma, uma proposta prática que promova a constância nas atividades associada ao interesse dos participantes, pelo entretenimento presente nos filmes, é uma resolução possível para solucionar a falta de meios entre os adolescentes que favorecem a formação de uma personalidade madura. Nesse contexto, foi elaborada uma iniciativa via redes sociais que atuaria como um Clube de Filmes, com o objetivo de instigar nos jovens, por meio da ficção, questões da cotidianidade relacionadas à busca de sentido. Mensalmente seriam divulgadas discussões de uma obra cinematográfica que possa provocar o interesse dos jovens e que trabalhe questões existenciais profundas, podendo ser desde uma ficção científica como “Star Wars’’ até uma obra baseada em fatos reais como “À procura da felicidade’’. Na primeira semana, o conteúdo seria disponibilizado através de vídeos curtos sobre o filme comentados por um dos integrantes do projeto, na página de rede social do “Construindo Roteiros”, com o objetivo primário de divulgação e de apresentação do tema do mês. Na segunda semana, seriam publicados podcasts com viés reflexivo sobre o mesmo filme, abordando os principais tópicos que podem ser explorados na obra e que induzem à indagação pessoal sobre o sentido da vida, dentro das circunstâncias específicas de cada personagem. Na terceira semana, seria criada uma reunião em plataformas virtuais de encontro para um debate de ideias sobre o filme, de maneira a conduzir à reflexão pessoal os jovens seguidores da página. Participaria desse debate um convidado especial por mês, como um pedagogo, terapeuta ou filósofo, com vistas a uma reunião mais rica e interdisciplinar. Por fim, na última semana do mês abriríamos pela página do projeto uma votação para que os seguidores jovens participem e elejam, dentre determinados filmes pré-selecionados, a obra cinematográfica do mês seguinte, de maneira que esses se sintam mais integrados e responsáveis pela continuidade do projeto. Esse projeto foi elaborado com base, primeiramente, na atividade apresentada no trabalho de Miranda et al. (2016), que exemplifica o método de Logoterapia em escolas através da contação de parábolas, de forma que alunos conseguiram aplicar melhor em suas vidas a incorporação das circunstâncias pessoais orientadas a um projeto vital sólido, único e irrepetível em cada jovem. Diferentemente de um ambiente escolar, a internet pode proporcionar mais intercambialidade de experiências e maior inclusão do público-alvo, pois adolescentes de diversos lugares poderiam participar, facilitando o acesso. Além disso, a técnica de utilizar histórias que levam à reflexão sobre o sentido da vida e maturidade humana permaneceu, adicionando o fator de maior interesse dos jovens devido à forma como foi abordada: por meio de obras cinematográficas.

Conclusão

Pode-se considerar que o processo de formação da personalidade madura requer um trabalho extenso de ensimesmamento pessoal, em que o indivíduo, por estar em constante avaliação crítica das suas intencionalidades ao agir, é capaz de orientar suas ações a um projeto vital sólido e maior do que ele mesmo. Com isso, previne-se a perda de sentido, tão comum na atualidade e que está intimamente relacionada com relações sociais frágeis e instáveis que, por sua vez, prejudicam o amadurecimento da pessoa, principalmente na fase da juventude. Dessa forma, a proposta de um cineclube que seja capaz de envolver os jovens em um contexto de reflexão sobre o sentido da vida de forma interessante, acessível e dinâmica é uma possibilidade concreta de vivência de uma proposta que caminha na contramão da disseminação generalizada de personalidades massa, que vivem sem se entregarem a um projeto transcendente e dotado de sentido.

Bibliografia

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