Profissionais à deriva

Renata Rodrigues Domingos
UNIV Inspire Br
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20 min readOct 7, 2020

Autoras: Aline Maria Cardoso Ferreira, Renata Rodrigues Domingos, Suzana Costa Brito

RESUMO

Professor e profissional são palavras com a mesma origem etimológica relativa a professar, manifestar. Porém, o que é manifestado? Apenas se pode compartilhar com o mundo aquilo que preenche internamente, e para se ter um conteúdo que possa ser compartilhado com os outros, é preciso uma boa formação.

Percebe-se, assim, a relação intrínseca entre a profissão e a educação e seu elemento-chave: o estudo. Contudo, percebe-se que muitos cursos, desde o nível básico, até o ensino superior e profissionalizante, nos seus mais variados âmbitos, não contribuem, como um todo, para a formação de seus alunos. Estudantes e profissionais, hoje, encontram-se, em grande medida, “perdidos”. Desse modo, o presente trabalho tem como proposta lançar as seguintes perguntas: como formar bons profissionais? Quais os principais elementos da educação? Será que os estudos impactam no alcance das virtudes na vida dos profissionais?

Por meio de revisão bibliográfica e pesquisa empírica, tanto quantitativa quanto qualitativa, obteve-se dados a fim de diagnosticar a situação da educação atual, especialmente na faixa etária dos 20–30 anos, jovens universitários e profissionais recém-formados.

A partir dos resultados obtidos, leituras bibliográficas complementares e entrevistas, são tecidas reflexões sobre os elementos da educação clássica que possam contribuir para uma melhor formação dos profissionais atualmente, não como uma tendência a “regredir” historicamente, mas sim como uma valorização de estruturas de equilíbrio, formação humana global e bases de virtude que conferem ao ser humano a capacidade de expressar, com seu trabalho, o sentido maior de sua existência.

Palavras-chave: profissionais, educação, virtudes, formação humana, educação clássica

ABSTRACT

Professor and professional are words with the same etymological origin as to profess, manifest. However, what is manifested? You can only share with the world what fills you internally, and To have content in order to share it with others, you need a good human background.

Thus, you see the intrinsic relationship between the profession and education. One of its aspects is the study. However, many professional courses do not effectively contribute to the human and professional education of their students. Students and professionals today are, to a large extent, “lost”. Thus, the present work comes with the proposal to ask: how to train good professionals today? What are the key elements of education? Do studies impact on the virtues in the lives of professionals?

Through bibliographic review and empirical research, both quantitative and qualitative, data are obtained in order to diagnose the current education situation, especially in the age group of 20–30 years, young university students and recently graduated professionals.

Based on the results obtained and complementary bibliographic readings, there will be new reflections on elements of classical education for a better training of professionals today, not as a tendency to “regress” historically, but as an appreciation of the formation of global virtues that give the human being the capacity to express, with his work, the greater meaning of his existence.

Key Words: professional, education, virtues, human background, classical education

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. HIPÓTESES, METODOLOGIA E OBJETIVO

3. “LANÇANDO-SE AO MAR: A SOCIEDADE LÍQUIDA”

3.1. Utilitarismo e Pragmatismo na educação

3.2. Profissionais à Deriva

4. O BARCO DA EDUCAÇÃO

4.1. Características de um bom profissional

4.2. A formação do bom profissional: as Artes Liberais (Trivium e Quadrivium), a educação clássica cristã e o cultivo das virtudes

4.3. O que a educação clássica contribui para o profissional de hoje?

5. PLANO DE AÇÃO

6. CONCLUSÃO

7. REFERÊNCIAS

8. ANEXOS

8.1. Anexo 1 — Questionário Profissionais à Deriva

1. INTRODUÇÃO

Professor, professar e profissional são palavras com a mesma origem etimológica relativa a manifestar, declarar perante os demais. Porém, o que é manifestado? Apenas se pode compartilhar com o mundo aquilo que de fato preenche no mais íntimo. Toth (2013) vai além e destaca que para qualquer caminho profissional escolhido para se trilhar, os elementos para sua completude se fincam na plena realização do próprio ser, sendo parte desta a abertura e colaboração com o outro, isto é, “seja qual for a carreira que escolher, pode sempre se preocupar com a salvação de sua alma e com o bem do próximo — é este, afinal de contas, o negócio decisivo.”

A crise da educação apresenta bases estruturais (Freire, 2020) e é agravada por uma sociedade que caminha para um vazio existencial massivo. Em termos de educação, percebem-se ruídos que perpassam desde a própria formação do educador até os efeitos da metodologia moderna educacional utilizada em sala de aula. Fatores estes que prejudicam primordialmente a autoridade presente em sala, a tradição em seu conteúdo, ressaltam a necessidade da educação de buscar uma origem para as coisas e a busca de uma direção e um sentido pelos quais caminhar para atingir a uma meta.

Hoje vemos que os profissionais apresentam crescente demanda por conhecimento específico de sua área de atuação e por habilidades sócio emocionais. Mas qual é a sua finalidade e motivação? Mais do que a formação especializada, não seria necessário, antes, uma formação pessoal mais abrangente e aprofundada?

Com isto, este trabalho faz alusão à uma viagem de barco: entre altos e baixos, entre naufrágios e deriva, com fatores externos e internos em ação, na sociedade líquida atual as mazelas na formação do indivíduo fazem com que se torne um profissional à deriva e, para retomar o sentido, tão necessário à navegação no curso da vida, elementos da educação clássica poderiam se mostrar muito benéficos.

2. HIPÓTESES, METODOLOGIA E OBJETIVO

Este trabalho parte da hipótese de que a educação atual apresenta lacunas, conforme demonstram sintomas de falta de sentido (apenas percebe-se a importância nas situações que apresentam resultados ou utilidade imediata).

A fim de diagnosticar a origem dessas lacunas, o trabalho buscou, a partir de pesquisa empírica, quantitativa e qualitativa, visualizar as orientações e limitações da educação atual, a qual foi contrastada, por meio de bibliográfica e realização de entrevistas, com os elementos de uma boa formação profissional identificados na educação clássica.

O levantamento empírico foi desenvolvido a partir de um questionário, anexo a este trabalho como seu Anexo I, que buscou contrastar e investigar a trajetória da educação e a formação intelectual de jovens profissionais. A coleta de dados ocorreu no período de setembro de 2020. Aplicou-se um questionário a pessoas entre 18 e 35 anos, em setembro de 2020, com 22 questões (objetivas e discursivas) sobre a educação básica e seus efeitos na vida profissional, a partir do qual foi obtido um total de 207 respostas.

À exceção do quesito idade, não houve outros critérios para seleção de respondentes. Seguindo as primeiras questões do questionário voltada ao perfil dos respondentes, pôde-se notar que houve uma predominância do público feminino (64,7%), grande parte (51% dos respondentes) pertenciam ao intervalo etário entre 22 e 26 anos, em sua grande maioria com experiência profissional e formação complementar unânime.

Quanto à escolaridade dos respondentes, 69,08% possuem Ensino Superior Completo ou Pós Graduação (MBA, Mestrado, Doutorado, LLM). Aliada a essa informação está o fato de que 97,1% já teve ou tem uma experiência profissional, o que permite dizer que grande parte daqueles que atuaram ou atuam no mercado de trabalho tem contato com o universo do ensino superior.

Por sua vez, a pesquisa bibliográfica e as entrevistas envolveram uma reflexão crítica sobre elementos da educação clássica, tais como os seus princípios essenciais — a compreensão ampla da realidade do mundo e própria — e suas ferramentas, o Trivium e o Quadrivium.

Com este ferramental, o presente trabalho procurou responder às questões: “Como formar bons profissionais hoje?”; Quais são os elementos-chave da educação?”; e “Como a educação pode impactar no alcance das virtudes na vida dos profissionais?”

Por outro lado, além da importância fundamental da educação clássica na formação intelectual, considera-se descobrir mais funcionalidades para o crescimento pessoal e futuro profissional ao ter contato com uma educação mais voltada aos seus princípios.

3. “LANÇANDO-SE AO MAR: A SOCIEDADE LÍQUIDA”

De acordo com Bauman (2001), com o avanço do conceito de sociedade líquida, surgiu também uma cultura utilitarista onde as instituições voltam seu foco não para aspectos base real, mas para a forma e/ou as opiniões subjetivas, as quais não têm um princípio último consistente, que permeia todos os aspectos da vida: o conteúdo. Com isso, deixa em nível raso o que deveria ser o principal.

3.1. Utilitarismo e Pragmatismo na educação

Na educação os sintomas verificados não foram diferentes, o conceito de sucesso passou a ser o quão bem sucedida a pessoa consegue ser em seu emprego, de forma que foi estabelecido um roteiro para se alcançar esse sucesso profissional: uma educação que lhe possibilite entrar em uma boa universidade, que teoricamente irá possibilitar a conquista de um bom emprego. Ao se deparar com um ambiente onde não consegue se conectar de forma mais profunda, o aluno mais uma vez acaba sendo empurrado ao sentido utilitarista do ensino.

Como afirma Freire (2020), com relação à educação atual, diz que nela “falta propósito, conteúdo e estrutura”.

3.2. Profissionais à Deriva

No questionário aplicado no curso deste trabalho, havia diversas perguntas relativas ao período dos anos escolares. Das 207 respostas recebidas, apenas 8 pessoas responderam simplesmente “sim” à pergunta “você considera que está preparado para a vida profissional?”. Com tal devolutiva, percebemos que falta aos profissionais uma formação que lhes dê coordenadas e instrução para bem enfrentar os desafios que a vida apresenta.

A resposta da maioria dos envolvidos no questionário se orientava no sentido de estarem parcialmente preparados. Muitos afirmaram que as experiências práticas na vida profissional forneceram subsídios para aperfeiçoar a própria atuação; outros mencionaram sua busca constante por aperfeiçoar sua formação por iniciativa própria e esforço pessoal. Ninguém atribuiu seu preparo profissional à escolarização e, inclusive, alguns disseram expressamente que não foi a escola que os preparou para a vida profissional.

Assim, contraditoriamente ao pretendido, o pragmatismo não alcança resultado, ao menos no longo prazo, pela ausência de formação que permita seguir para águas mais profundas. Devem ser estabelecidos elementos que preencham tais lacunas e, sem deixar de considerar a possibilidade de criação de novas técnicas educacionais, nota-se já, na educação clássica, a presença de diretivas atinentes a valores perenes, que contribuem para a construção do ideal de pessoa e profissional.

4. O BARCO DA EDUCAÇÃO

4.1. Características de um bom profissional

O ideal de profissional não consiste em meras ideias e utopias; ao contrário, é alcançado pela correspondência com o que é chamado a ser, no plano real, pelo conhecimento e aplicação dos fatores formativos, o que, inclusive, contribui para a autorrealização e o atingimento da felicidade. Tal percepção foi corroborada pelas respostas ao questionário.

Segundo o Gráfico 1, 54,4% dos jovens gostavam de estudar. 35% gostavam parcialmente e os 10,6% restantes afirmaram que não.

Gráfico 1 — Gostava de estudar?

Ademais, grande número de jovens afirmou gostar de estudar, o que revela que apesar de ser uma atividade árdua e exigente, há um atrativo por trás do estudo que pode cativar e trazer retornos benéficos para muitas pessoas.

Gráfico 2 — Considera-se um bom estudante

Com relação aos percentuais relativos àqueles que não gostavam de estudar ou não se consideravam bons estudantes, tal cenário está antes vinculado ao método de ensino e à falta de sentido relacionada ao fato de não enxergarem a relação das matérias entre si ou a aplicação delas fora do ambiente de estudo, como será explicitado abaixo.

O primeiro passo para o aperfeiçoamento do ser é a compreensão da realidade. Esta é composta de conteúdo, de modo que conhecer a humanidade, o mundo e Deus, e fazê-lo de uma forma que faça sentido, constitui o principal objetivo da educação.

Uma vez compreendida a realidade, faz-se necessário aprimorá-la, no plano pessoal e no plano social. Assim, um bom profissional deve galgar o caminho da conquista de virtudes para permitir o bom conhecimento sobre si e sobre o mundo.

Nesse sentido, uma das questões pedia que se refletisse sobre as qualidades presentes em uma pessoa considerada exemplo de bom profissional e as apontasse, sendo indicadas as seguintes sugestões: prudência, resiliência, lógica, dedicação, disciplina, determinação, bondade, honestidade, coerência e liderança. Havia também a possibilidade de citar outras que considerasse relevantes na vida desse bom profissional. Honestidade foi a característica mais votada, por 88,4% dos respondentes. Em seguida vieram dedicação, confiança e determinação. Algumas outras ideias acrescentadas à lista foram: humildade, responsabilidade e capacidade de trabalhar em equipe.

Tais qualidades possuem uma ligação direta com uma vida cultivada nas virtudes. Faus (2017) destaca essa importância e seus benefícios em escala: “quem não luta, quem se contenta com a simples boa vontade e a improvisação, torna-se palha arrastada pelos ventos do desejo, do prazer, do capricho, do egoísmo ou das circunstâncias (…)”. Portanto, a virtude não só ajuda a ser eficiente nas tarefas diárias, mas, sobretudo, a se realizar como ser humano (HAVARD, 2018), na completude de fazer o bem e fazê-lo da melhor forma possível.

As características citadas são de fato admiráveis e contrastam com as aspirações utilitaristas e a fragilidade dos vínculos interpessoais típicos dos indivíduos da sociedade atual. Ao mesmo tempo, o fato de os jovens admirarem esses valores revela que há de fato uma aspiração interior por desenvolver habilidades e vínculos mais sólidos com a formação e as demais pessoas com quem se partilha a vida laboral.

Para contribuir com metas tão elevadas, como afirmado, elementos da educação clássica podem se mostrar peças-chave.

4.2. A formação do bom profissional: as Artes Liberais (Trivium e Quadrivium), a educação clássica cristã e o cultivo das virtudes

A educação clássica aspira a um desenvolvimento primordialmente humano cultivado com uma boa educação, porém produz paralelamente um aprimoramento profissional. Para aprimorar a compreensão sobre tal modelo de ensino, foram entrevistados Gil Pierre, advogado, e Guilherme Freire, bacharel em filosofia, ambos professores e estudiosos da educação. Segundo Guilherme Freire, “[q]uando não há a noção de que existe uma verdade a ser descoberta, não há como ter nenhum tipo de comunicação” e, por conseguinte, de educação, que é a comunicação de conteúdo. Estendendo a reflexão, se há verdade, é possível haver formação.

Segundo Andrew Kern (informação oral), a educação clássica cristã é o cultivo da sabedoria e da virtude, alimentando a alma com o que é Bom, Verdadeiro e Belo (Bondade, Verdade e Beleza) por meio das Artes Liberais (trivium e quadrivium). Estas últimas compreendem o estudo de gramática, lógica e retórica, reunidas no trivium — ou artes da linguagem -, e aritmética, geometria, astronomia e música, no quadrivium — ou artes do número. Portanto, a educação clássica cristã consiste no cultivo da sabedoria e das virtudes alimentando a alma com o bom, o belo e o verdadeiro através das artes liberais.

Segundo Guilherme (informação verbal), “Platão indaga: o que é educação? Educação é converter para o bem, é virar o todo da alma das pessoas para o bem.” Justamente por ser algo tão essencial para a humanidade, essa educação era buscada desde a Antiguidade, período em que muitos pensadores reconheciam a figura do filósofo como responsável por levar as demais pessoas à descoberta da verdade.

Entretanto, desde então, não se aceitava a ideia de abrir a cabeça de alguém, jogar conteúdos dentro dela e fechar. Quem teria o poder de conectar o indivíduo ao conhecimento? “Se o filósofo não tem esse poder por si só, o que ele faz? Ele basicamente mostra para as pessoas o caminho para elas viverem o bem plenamente” (informação oral), nas palavras de Guilherme. Ressalta-se aqui que o conhecimento que se buscava era o da verdade sobre a realidade e tal saber levaria a pessoa ao bem, bem para sua própria vida e para sua relação com os demais. “Fundamentalmente, se o professor não tem o hábito de virar o todo da alma de seus alunos para o bem, ele não está cumprindo a sua função. Tem muito pouco a ver o trabalho do professor com simplesmente passar uma lista de conteúdos. Na verdade a lista de conteúdos é uma ferramenta para poder fazer essa função” (informação oral), função essa a de conduzir os alunos pelo caminho que leve à verdade sobre a realidade e assim ao bem para cada coisa.

Com relação ao estudo das artes da linguagem, Gil diz que “O trivium é uma visão de mundo completa”. Essa ordem mental sobre a realidade que é o fruto interior para quem dedicar-se aos estudos do trivium chega a abarcar outros ramos do conhecimento, inclusive as disciplinas do quadrivium, estabelecendo sua conexão com o todo, por exemplo:

“a química se insere num lugar muito determinado dessa visão de mundo, você consegue encaixá-la num certo lugar dessa visão de mundo que vai estar coerente com essa visão geral, assim como a análise sintática, vai entrar num outro lugar também. E o que o trivium vai te dar é a unificação desse todo, é a visão de conjunto desse todo. Então você vai dizer ‘nesse universo em que estou inserido, que eu conheço assim, a análise sintática serve nessa parte, e a química entra nessa parte aqui e a biologia entra nessa parte. Só que elas são cheias de interconexões, porque eu vou fazer química, mas eu vou fazer química e depois vou dizer para alguém o que eu aprendi sobre química, vou falar sobre química: já estou usando gramática aí.”

Pode-se perceber a importância de o aluno estabelecer conexões e a adequada relação entre as diversas partes do conhecimento, sejam as disciplinas do trivium, sejam as do quadrivium. Isso lhes fornece uma saudável e verdadeira visão de mundo.

Atualmente, professores e escolas ressaltam com frequência a relevância da interdisciplinaridade. Esta constitui um elemento presente nas aspirações educacionais. Contudo, de acordo com o questionário aplicado, a ligação entre os conteúdos escolares não ficava sempre clara na cabeça dos alunos.

Gráfico 3 — Relação entre o conteúdo das matérias em si

Isso demonstra que a metodologia escolar contemporânea não tem dado conta de realizar em concreto essa interdisciplinaridade. Os alunos acabam tendo contato com partes fragmentadas de conhecimento e não aprendem a inseri-las em uma visão global sobre o mundo que nos cerca e nos contem.

Embora os respondentes enxerguem a importância dos estudos (Gráfico 1) e até se considerem bons estudantes (Gráfico 2), os jovens percebem uma relação parcial entre os estudos e as aplicações no dia a dia, o que mostra, de um lado, a necessidade de uma interdisciplinaridade mais efetiva e matérias que unam a teoria e a práticas, propostas no questionário como educação financeira, culinária e informática, por exemplo. Por outro lado, é possível inferir também que os alunos, muitas vezes, sentem um déficit em campos gerais de lógica e memorização, características primordiais de uma educação mediada pelo Trivium e Quadrivium.

Gráfico 4 — Relação das matérias que estudava na escola e a vida

Vê-se claramente que os conteúdos educativos são envolvidos em plano mais elevado à medida em que seja aplicado os princípios da educação clássica. Os conteúdos oferecem o meio pelo qual se desenvolvem percepções mais amplas, quais sejam as noções de bondade, verdade e beleza, e cultivadas “habilidades” mais profundas, a sabedoria e a virtude.

4.3 O que a educação clássica contribui para o profissional de hoje?

O resgate dos elementos da educação clássica possibilitam, primeiramente, por ser esta a sua finalidade principal, uma compreensão melhor da realidade e de si mesmo. Por conseguinte, ao se tornar uma pessoa melhor, o indivíduo se torna também apto a ser um melhor profissional. Como pontua Gil, “a finalidade das artes liberais, da educação clássica, não é te tornar um profissional melhor, no entanto, é isso que elas fazem.” (informação oral). Além de uma educação técnica, os âmbitos comportamentais e intelectuais da pessoa também se aperfeiçoam.

Essa é uma peculiaridade da educação clássica: “se você se exercita nessas artes, não sai nenhum produto imediato [dessa atividade], só que elas aumentam a sua liberdade, elas aumentam a sua capacidade de conhecer o mundo, de pensar sobre o mundo, e em alguma medida até de decidir sobre como se comportar no mundo. (…) a ideia das artes liberais é a seguinte: você não vai produzir imediatamente nada. (…) Nas artes liberais, a ação não sai de você e termina no seu produto, a ação fica em você.” (informação oral)

Em concreto, de forma ilustrativa, “se você estuda bem a lógica, a gramática geral e a retórica, todo e qualquer texto que você for escrever vai ter uma clareza muito maior, você vai ser capaz de expressar as coisas de uma forma muito mais breve, entender as coisas.” (informação oral) Por exemplo: “ah, esse argumento que a pessoa está usando tem um problema, pode até ser verdade no fundo o que ela está dizendo, mas aqui tem um problema, esse argumento não serve. Esse tipo de aplicação prática acaba aumentando o desempenho profissional da pessoa. A diferença é que esse não é o motivo pelo qual em geral se deveria estudar isso, mas é uma consequência.” (informação oral)

Assim, torna-se mais claro como investir no aperfeiçoamento pessoal proposto pela educação clássica traz como bônus um melhor desempenho profissional.

Com base no objetivo deste trabalho, responder sobre a efetiva contribuição da educação na formação profissional e analisando, contudo, a seguinte pergunta, constata-se um aparente argumento contrário à hipótese inicial. A tabela (Tabela II) revela que praticamente 73% dos jovens respondentes consideram que os anos escolares foram úteis para sua atuação profissional.

Essa porcentagem contradiz a ideia de que a escola atualmente não contribui para uma saudável e efetiva vida profissional, por ter se afastado dos princípios da educação clássica. Entretanto, esse resultado favorável à escolarização recente não configura, necessariamente, um contra-argumento.

De acordo com Freire (2020), há ainda aspectos da educação clássica sustentando a educação atual e justamente esses resquícios podem ser os responsáveis pelos bom impacto da escola na vida profissional de seus ex-alunos. “Se não restasse [nada da educação clássica] não haveria educação. O que tem de educação é o que sobrou da educação clássica. A gente estuda idiomas, matemática, método científico, a gente aprende conteúdos, a gente acha que esses conteúdos têm uma objetividade, a gente considera a importância de estudar história, a gente acha que tem que ler livros… isso é o que sobrou da educação clássica. Houve pouquíssimas evoluções mas o que sobrou [da educação clássica] é o que tem [de educação].” (Guilherme Freire — informação oral).

5. PLANO DE AÇÃO

Com base nas considerações acima, para firmar elementos da educação clássica identificados como primordiais para uma formação intelectual sólida, mesmo que seja “tardia”, recomenda-se começar pelo seguinte passo: melhorar a formação do imaginário. Toth (2013) pontua que “no fundo, importa pouco que desenvolva a sua atividade em tal ou tal carreira, pois em toda parte pode, como é o seu dever, ter pensamentos elevados; e é o principal.”

Nesse sentido, é interessante destacar os resultados do questionário sobre esforço individual: vê-se que 91,2% dos respondentes concordam que o esforço individual minimiza o ensino ruim ou mediano (Gráfico 5). Portanto, seria um modo prático de solucionar as lacunas educacionais. Indo além, Guilherme Freire propõe uma alternativa frente às lacunas de um estudo deficitário: grupos de estudo que possuam um objetivo em comum (ou um assunto em comum) que possam compartilhar matérias de estudo, discutir e, sobretudo, ter a humildade de compartilhar seus conhecimentos com o próximo.

Gráfico 5 — Esforço Individual para minimizar o ensino ruim/mediano

Embora grande parte das pessoas acredite que estudar sozinho sobre temas diversos possa sanar o déficit em sua educação básica, é fundamental entender que para a formação completa de um profissional, é também necessário pautar-se em uma formação humana, ou seja, saber desenvolver bons hábitos como a justiça e a humildade.

6. CONCLUSÃO

Atualmente, não é difícil encontrar profissionais que se sentem frustrados ao chegar ao mercado de trabalho, questionando suas reais habilidades ou até mesmo valores pessoais. Isto pode ser ocasionado por diversos fatores. Porém, um dos mais comuns, é que seja o resultado de uma educação que não fornece ao indivíduo as capacidades básicas para desenvolvimento contínuo de suas técnicas profissionais e virtudes pessoais.

As consequências dessa educação rasa em meio a uma sociedade líquida, com formação pouco sólida, são frutos de uma educação pragmatista, que não valoriza o desenvolvimento das virtudes do indivíduo, mas apenas ensina-o a avançar etapas, alcançar notas e conseguir resultados que servirão apenas para prestígio próprio.

Assim, é preciso retomar os verdadeiros valores que trarão ao jovem profissional algo que o preencha verdadeiramente e o faça encontrar sentido ao exercer uma profissão. É necessário que ele veja a relação entre os conteúdos aprendidos e a vida. Que ele consiga encontrar uma aplicação que vá além de razões utilitaristas.

É possível desenvolver essas características e as virtudes necessárias para se tornar um bom profissional através da educação completa, com bases na educação clássica cristã. Ou seja, com o cultivo da sabedoria e das virtudes, alimentando-as com o bom, o belo e o verdadeiro através das artes liberais, tornando-se assim, um ser humano mais completo. “A finalidade da nossa vida é trabalhar para a glória de Deus e para o bem do nosso próximo. Somos, pois, obrigados a desenvolver e a cultivar em nós todos os talentos que podem nos auxiliar a atingir essa finalidade. O jovem cujas palavras, ações, pensamentos, todas as manifestações da vida se orientam a esses nobres pensamentos é um jovem de ideal elevado.” (TOTH, 2013)

Portanto, para sanar as dores dos profissionais à deriva, é preciso que eles entendam que não basta buscar o aperfeiçoamento de suas habilidades, se isto não vier acompanhado do desenvolvimento e cultivo de virtudes que o ajudem a tornar-se um ser humano completo. Mesmo sem ter adquirido esses conhecimentos durante o período de educação básica, os princípios da educação clássica fornecem a base e instrumentos necessários para conseguir essa formação sólida em qualquer etapa da vida. Assim, será possível ao profissional navegar nas águas da sociedade líquida, com domínio de si e do destino que encontrará ao atravessá-las.

7. REFERÊNCIAS

Livros

TOTH, Tihamer. A boa educação / Tihamer Toth: revisão e adaptação de Alessandra Lass — São Paulo: Molokai, 2013.

JOSEPH, Irmã Miriam. O trivium: as artes liberais da lógica, da gramática e da retórica. É Realizações Editora Livraria e Distribuidora LTDA, 2018.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. 1. ed. [S. l.]: Zahar, 2001.

FAUS, Francisco. A conquista das virtudes. Francisco Faus. São Paulo : Cultor de Livros, 2017.

HARVARD, Alexandre. Criados para a grandeza: o poder da magnanimidade. Alexandre Harvard; tradução Diego Fagundes. São Paulo: Quadrante, 2018.

Entrevistas

Entrevista concedida por FREIRE, Guilherme. Entrevista I. [set/2020]. Entrevistadoras: Aline M. C. Ferreira; Renata Domingos; e Suzana Brito. São Paulo, 2020. Disponível em: https://youtu.be/86s6wqTMY4I

Entrevista concedida por PIERRE, Gil. Entrevista II. [set/2020]. Entrevistadoras: Aline M. C. Ferreira; Renata Domingos; e Suzana Brito. São Paulo, 2020. Disponível em:: https://youtu.be/YeDOYrGdV7o

FREIRE, Guilherme. A FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO MODERNA, UMA REFLEXÃO ENTRE O PASSADO E O FUTURO. Vídeo, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BtAIttWVT6w.

KERN, Andrew. A conversation on Classical Education. Filmed at the 2015 CiRCE Conference in Charleston, SC. USA. Disponível em: https://youtu.be/YeDOYrGdV7o

8. ANEXOS

8.1 Anexo I — Questionário Profissionais à Deriva

Idade

(Texto de resposta curta)

Sexo

  • Feminino
  • Masculino

Qual é a sua escolaridade?

  • Ensino Fundamental
  • Ensino Médio
  • Ensino Superior Incompleto
  • Ensino Superior Completo
  • Pós Graduação (MBA, Mestrado, Doutorado, LLM).

Você tem ou já teve alguma experiência profissional?

  • Sim
  • Não

Você tem ou já teve alguma formação complementar?

  • Trabalho Voluntário
  • Curso Técnico
  • Outros

Quais matérias você estudou na escola? (poderia escolher mais de uma alternativa)

  • Gramática
  • Literatura
  • Matemática
  • Física
  • Química
  • Biologia
  • Geografia
  • História
  • Filosofia
  • Sociologia
  • Educação Física
  • Artes plásticas
  • Dança
  • Xadrez
  • Teatro
  • Música
  • Idiomas
  • Outros

Você considera que era um bom estudante?

  • Sim
  • Não
  • Parcialmente

Gostava de estudar?

  • Sim
  • Não
  • Parcialmente

Você se lembra do que aprendeu nas matérias de Português, História, Literatura ou Filosofia?

(Texto de resposta longa)

Você se lembra do que aprendeu nas matérias de Matemática, Geometria, Física, Química ou Geografia?

(Texto de resposta longa)

Você via alguma relação entre as matérias entre si?

  • Sim
  • Não
  • Parcialmente

Você via alguma relação entre as matérias que estudava na escola e sua vida?

  • Sim
  • Não
  • Parcialmente

Você acha que mesmo se tiver esquecido boa parte dos conteúdos escolares, valeu a pena tê-los estudado?

  • Sim
  • Não
  • Parcialmente

Como você se sentia quando assistia às aulas?

  • Ativo
  • Na maior parte das aulas ativo
  • Igualmente ativo e passivo
  • Na maior parte das aulas passivo
  • Passivo

Você costumava estudar além das aulas?

  • Sim
  • Não
  • Parcialmente

Você acha que o esforço e empenho individual pode minimizar uma formação escolar ruim/mediana?

  • Sim
  • Não

Acha que os anos que passou na escola te ajudaram na vida profissional?

(Texto de resposta longa)

O que você acha que faltou na sua formação quanto ao conteúdo?

(Texto de resposta longa)

O que você acha que poderia ter sido melhor na forma de transmitir esse conteúdo?

(Texto de resposta longa)

Atualmente, quantas horas semanais de estudo se dedica para atualização da profissão?

  • Não estudo
  • Até 1h.
  • Entre 2h e 3h.
  • Acima de 3h.

Quais qualidades você admira em alguém que considere um bom profissional? (poderia escolher mais de uma alternativa)

  • Prudência
  • Resiliência
  • Lógica
  • Dedicação
  • Disciplina
  • Determinação
  • Bondade
  • Honestidade
  • Coerência
  • Confiança
  • Liderança

Você considera que está preparado para a vida profissional?

(Texto de resposta longa)

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