Tendência Multitarefa: Problema ou Solução para os Tempos Atuais?
Autora: Gabrielle Fratoni Barbosa
Mentora: Meny Aparecida da Silva Ribas
Tendência Multitarefa: Problema ou Solução para os Tempos Atuais?
Resumo
Ao observar a realidade competitiva da sociedade atual, evidencia-se o esforço dos indivíduos para melhorar sua produtividade, impulsionados pela demanda das empresas e instituições de ensino nas quais estão inseridos. Porém, uma vez entranhados na sociedade da informação, os cidadãos tendem a investir seu tempo no consumo de diversas fontes de informação, quase ao mesmo tempo, realizando atividades em paralelo, ou seja, predispondo-se à tendência multitarefa de ser. Para refletir sobre esse contexto, este trabalho buscou identificar a causa das atividades multitarefas, apresentando suas consequências e apontando caminhos para se atingir a verdadeira produtividade nas atividades humanas. Concluiu-se, por meio da abordagem qualitativa, com base em pesquisa bibliográfica, que as pessoas submetidas à abundância de informações, ocasionadas pelas ações multitarefas, percebem-se com suas capacidades de concentração fragilizadas, fator que contribui para a formação de uma sociedade líquida, visto que interfere em suas capacidades de aprofundarem reflexões e ações. Desse modo, este artigo contribui com a área educacional, bem como com as demais áreas envolvidas no processo de aprendizagem do ser humano, pois para aprender algo novo é necessário internalizar a informação, e esse processo, por sua vez, depende da atenção bem direcionada para a ação que se realiza.
Palavras-chave: Produtividade. Multitarefa. Atenção. Sociedade da Informação.
Abstract
When observing the competitive reality of the current society, it is evidenced the efforts made by individuals to improve their productivity, driven by the demand from companies and educational institutions in which they are inserted. However, once introduced into the information society, citizens tend to invest their time in the consumption of several sources of information, almost at the same time, performing activities in parallel, this is, predisposing themselves to the multitasking trend of being. In order to reflect on this context, this work sought to identify the cause of multitasking activities, presenting its consequences and pointing out ways to achieve true productivity in human activities. It was concluded, through the qualitative approach, based on bibliographic research, that the people submitted to the abundance of information, caused by the multitasking actions, perceive themselves with their weakened concentration capacities, a factor that contributes to the formation of a liquid society, since it interferes with their ability to deepen reflections and actions. Thus, this article contributes to the educational area, as well as to the other areas involved in the human being’s learning process, since to learn something new, it is necessary to internalize the information, and this process, in turn, depends on the well-directed attention to the action being taken.
Keywords: Productivity. Multitasking. Attention. Information Society.
Introdução
Atualmente, vê-se inserida no cotidiano dos indivíduos, a busca ascendente pela produtividade nas atividades. Tendo em vista as exigências das organizações de trabalho e de estudos e buscando meios para alcançar o almejado rendimento, muito se investe na utilização de instrumentos que possibilitem praticidade e facilidade — visando o aproveitamento do tempo — além do exercício de processamento de inúmeras informações em um curto espaço de tempo, senão ao mesmo tempo, pois espera-se que quanto maior for a quantidade de informações processadas, maior será o nível de produtividade.
De forma geral, na busca frequente pelo rendimento do trabalho e da aprendizagem, os indivíduos tendem a executar mais de uma tarefa ao mesmo tempo. A essa tendência dá-se o nome de multitarefa.
Porém, o cérebro humano processa apenas uma tarefa por vez, quando esta exige processamento de informação. Logo, a sobrecarga de informações dificulta a interiorização a qual o ser humano é chamado e, consequentemente, faz da tendência multitarefa um perigo na procura da produtividade, uma vez que a abundância de informações consome a capacidade de atenção. Logo, a abordagem deste tema justifica-se no estado visível em que a sociedade se encontra: constituída por comportamentos superficiais causados pela ausência da profundidade nas ações.
Mediante os estudos desenvolvimentos neste artigo, buscou-se encontrar uma solução para a problemática: a tendência multitarefa constitui-se como problema ou solução para os tempos atuais? Assim, acerca dessa indagação, este trabalho se desenvolve mediante as seguintes categorias de estudo: produtividade: a exigência do século atual; a multitarefa: suposto instrumento para o alcance da produtividade; o empobrecimento da atenção: característica de uma sociedade líquida; estar no que se faz: caminho para a formação sólida e soluções concretas para alcançar a produtividade nos trilhos da formação sólida.
O presente trabalho atrela-se à área da educação, pois conduz o leitor à reflexão acerca da necessidade de interiorização das informações para a promoção de uma aprendizagem sólida. A metodologia utilizada para o seu desenvolvimento apoia-se na abordagem qualitativa sob a perspectiva da pesquisa bibliográfica, visto o seu embasamento nos estudos de livros e artigos que correspondem ao tema explorado.
Portanto, o objetivo deste artigo consiste em conduzir o leitor à reflexão sobre o erro em que muitas pessoas tendem a submeter-se na busca pela eficiência, apontando caminhos para identificar e alcançar a verdadeira produtividade nos trilhos de uma formação sólida.
Produtividade: A Exigência do Século Atual
“Hoje em dia, parece que nossas vidas agitadas são levadas pelas águas de um rio cujo destino desconhecemos. É como se tentássemos estar sempre em movimento.” Catherine L’Ecuyer
O século XXI, identificado pelos avanços tecnológicos, trouxe consigo as marcas de uma sociedade industrial que se preocupa cada vez mais com a quantidade de produção e, consequentemente, de informações a serem consumidas por toda a humanidade (REIS, 2012). Dado esse fato, a sociedade atual é caracterizada como: “Uma sociedade em que o peso do sistema econômico produtivo é cada vez mais centrado no fator informação, tal como os sistemas sociais anteriores foram caracterizados como sociedade caçadora, sociedade agrícola e sociedade industrial.” (LAZARTE, 2000, p. 45 apud REIS, 2012, p. 13).
Dessa maneira, os esforços dessa atual geração tendem a concentrar-se no consumo de informações, visto que os cidadãos se apoiam em tais instrumentos para impulsionarem a produtividade que lhes é exigida, visando, para tal fim, o aproveitamento do tempo com a dinâmica da multitarefa, entendida, neste contexto, como uma estratégia de trabalho na qual uma só pessoa concentra os seus esforços e atenção a mais de uma tarefa.
Por isso, a afirmação: “quanto mais informação eu conseguir absolver, mais retorno teórico e prático serei capaz de oferecer”, pode facilmente encontrar inúmeros autores, uma vez que estes se preocupam em acompanhar o ritmo tecnológico dos tempos atuais para responder às demandas que o mercado de trabalho veem solicitando aos seus colaboradores. Contudo, como afirma Tormen (2016):
A maioria das pessoas define a capacidade profissional à sua capacidade de ser multitarefas. E a maioria das empresas estão contratando e elevando seus empregados com base em sua capacidade de completar várias tarefas ao mesmo tempo também. Esta capacidade ou habilidade é superestimada quando todo mundo está obcecado em executar mais em menos tempo. A verdade é que isso faz mais mal do que bem para o desempenho e a produtividade de um indivíduo e mesmo da organização. (TORMEN, 2016 apud RABELLO, 2017, p. 32)
Sendo assim, será que todas as informações oferecidas pelas mídias são necessárias para a produtividade do ser humano? O ser humano, por sua vez, necessita — e consegue — absolver todos os dados que chegam a ele mediante diversos instrumentos? Pijpers (2010) destaca que:
“há uma tendência de a informação irrelevante continuar a aumentar no futuro, sendo que a capacidade de atenção voluntária, focada, tornar-se-á, cada vez mais, um fator de extrema importância na tentativa de separação entre informações relevantes e o excesso de informações não relevantes.” (PIJPERS, 2010, p. 32 apud REIS, 2012, p. 13).
Reis (2012) evidencia o fato de que a chegada de informações gera a escassez da capacidade de atenção que todo ser humano necessita. Por outro lado, vê-se claramente que a tendência multitarefa se difunde entre os indivíduos. Será essa a solução para conciliar a atenção com as inúmeras informações recebidas? Esse comportamento contribui para a promoção de uma sociedade líquida? Essas indagações serão abordadas nas próximas sessões deste trabalho.
A Multitarefa: Suposto Instrumento para o Alcance da Produtividade
“Nem a sociedade nem o homem nem qualquer outra coisa devem ultrapassar os limites estabelecidos pela natureza para serem bons.” Hipócrates
Conforme citado, em resposta às exigências das organizações profissionais e estudantis para um maior rendimento, homens e mulheres buscam encontrar meios para alcançar a eficiência em suas atividades — sendo elas de caráter teórico ou prático. Como possível solução, o ser humano facilmente inclinou-se ao modo multitarefa de atuar, buscando conciliar mais de uma atividade que exija processamento de informações ao mesmo tempo.
Segundo a definição de Oxford Languages, a multitarefa se conceitua como: “capacidade que possui um sistema operacional de computador de executar mais de um programa simultaneamente.”. Logo, tal definição não foi elaborada, inicialmente, para encaixar-se ao cérebro humano, mas as máquinas, isso porque, conforme afirmado por Pijpers (2010, pp. 107–108 apud REIS, 2012, p. 38) a multitarefa humana “não é possível devido à limitação do próprio cérebro ao executar tarefas isoladas, não em paralelo.”.
Em coerência com tal fato, L’Ecuyer (2019, p. 49) reflete que:
“A multitarefa é uma das grandes promessas do nosso tempo. […] Logicamente, isso é muito atraente, porque vemos, nessa nova modalidade de trabalhar e de prestar atenção, um melhor aproveitamento do tempo e, portanto, uma melhoria da produtividade.”
No entanto, a mesma autora esclarece: “A neurociência nos diz que, quando realizamos várias tarefas ao mesmo tempo, não focamos em todas elas de forma paralela, e sim oscilamos rapidamente entre uma e outra.” (L’ECUYER, 2015, p. 119). Devido à referida oscilação, ao invés de aproveitar o tempo, o sujeito o consume para além do necessário, tendo em vista a constante alternância do foco de atenção que a multitarefa lhe exige e que dificulta a concentração dirigida com intensidade para cada atividade, como evidencia L’Ecuyer (2019): “O resultado da multitarefa é que as atividades que tentamos fazer “ao mesmo tempo” recebem menos atenção, uma vez que temos de recuperar a sequência de ideias que cada pensamento exige de cada vez que desviamos a atenção de uma atividade para outra.” L’ECUYER, 2019, p. 52).
Meyer, Evans e Rubinstein (2001) complementam:
Alternando entre estes processos, pode adicionar um custo de tempo de apenas alguns décimos de segundo, mas isso pode começar a somar quando as pessoas começam a mudança e voltam a tarefa anterior várias vezes. Isto pode não ter impacto, em alguns casos, tais como quando se dobra uma roupa e assisti televisão ao mesmo tempo. No entanto, se você estiver em uma situação em que a segurança ou a produtividade são importantes, como quando você está dirigindo um carro em um tráfego pesado, mesmo pequenas quantidades de tempo podem ser críticas. (MEYER; EVANS; RUBINSTEIN, 2001 apud RABELLO, 2017, pp. 33–34).
Todavia, além da perda de tempo — consequência que contraria a intenção da ação multitarefa — L’Ecuyer (2019) expõe o fato de que tal modo de trabalhar conduz o sujeito à perda do sentido de relevância das suas tarefas, visto que, como são inúmeras as que lhe chegam em um mesmo período de tempo, cada informação tende a apresentar-se como somente mais uma. Desse modo, com a perda do sentido de relevância — não enxergando a importância de cada atividade, mas somente executando-a — o indivíduo se inclinará à desmotivação no cumprimento dos seus deveres, uma vez que cada tarefa será mais uma tarefa, e, depois desta, virá uma outra — dinâmica esta que tenderá a manter-se (L’ECUYER, 2019).
Conta-se, ainda, com a presença ascendente da internet com os seus aplicativos que prometem a facilidade no oferecimento de informações, tendo em vista que os beneficiados podem tê-las nas palmas de suas mãos, literalmente. Tal inovação constitui-se como relevante ajuda no cotidiano dos indivíduos, porém, converte-se facilmente em meio para fomentar o comportamento multitarefa.
Não é em vão a afirmação de L’Ecuyer (2019): “Apesar de estarmos na era da informação, nunca sofremos tanta desinformação.”, pois a tendência multitarefa torna-se barreira para a consolidação das informações mediante o enfraquecimento da atenção.
O Empobrecimento da Atenção: Característica de uma Sociedade Líquida
Conforme visto, na tentativa de alcançar a produtividade, os sujeitos inclinam-se ao desafio de realizarem várias atividades de modo paralelo. Contudo, a multitarefa não produz o almejado rendimento, antes, o distancia, devido à perda de tempo e de sentido de relevância que ela resulta no decorrer da execução das tarefas.
Simon (1970) declara: “O que a informação consome é bastante óbvio. Consome a atenção de quem a recebe. Consequentemente, uma grande quantidade de informação cria um empobrecimento da atenção.” (SIMON, 1970 apud L’ECUYER 2019, pp. 52–53). Visto que a atenção, segundo L’Ecuyer (2019), é: “a capacidade de filtrar e selecionar a informação relevante”, as inúmeras informações que cercam uma pessoa, vindas de diversas fontes, contribui para a escassez da aptidão humana em “decidir ao que vale a pena dar atenção” (L’ECUYER, 2019, p. 153).
Assim, a diminuição da capacidade de hierarquizar e de dirigir a atenção às informações confere aos indivíduos um estado de superficialidade — não alcançam a profundidade de pensamento por não se concentrarem no que estão executando. Resultado: informação atrás de informação, tarefa seguida de tarefa, e a atenção vê-se empobrecida por não ter um destino ao qual dirigir-se intensamente.
Agindo de tal modo, o ser humano nega progressivamente a potencialidade que lhe é própria: o ato de pensar (L’ECUYER, 2019) e, indevidamente, distancia-se cada vez mais da profundidade de uma educação sólida, uma vez que o processo de aprendizagem exige interiorização e reflexão acerca das informações recebidas, e não apenas as suas recepções (L’ECUYER, 2019).
Estar no que se Faz: Caminho para a Formação Sólida
Uma vez tecidas as considerações sobre o estado de formação líquida em que muitos cidadãos se encontram — consequência da superficialidade causada pelo excesso de informações — faz-se justo a exposição clara referente ao que é uma educação sólida e quais os caminhos a serem trilhados para alcançá-la.
Como visto, o ato de pensar está reservado exclusivamente ao ser humano (L’ECUYER, 2019), o que lhe confere exercitar tal potência em todas as áreas de sua vida. Ressalta-se, aqui, um ponto crucial deste trabalho: qual é a relação entre a capacidade de reflexão do ser humano com a tendência multitarefa? O homem é convidado a concentrar-se e a multitarefa lhe diminui a capacidade de concentração (L’ECUYER, 2015). O homem é conduzido a se instalar no momento presente; a multitarefa: o guia para a preocupação excessiva pelo que há de vir, e, portanto, o indivíduo não se adequará nem no futuro — por impossibilidade –, nem no presente — por sobrecarga dos sentidos e empobrecimento da atenção (ALMEIDA, 2006). Assim, o homem está destinado à atualização das suas potências, vivendo com profundidade e desenvolvendo a sua nobre capacidade intelectual, mas a multitarefa lhe retira da profundidade, induzindo-o, mediante o mar de informações paralelas, à superficialidade do pensamento e da execução.
Portanto, evidencia-se que, ao contrário da multitarefa, o instrumento que conduz os sujeitos ao aproveitamento do tempo e à produtividade das suas atividades é a concentração na execução das tarefas que exigem processamento de informação, realizando-as uma a uma. Em poucas palavras: “faz o que deves e está no que fazes.” (ESCRIVÁ, 2016a, p. 249), isto é, é imprescindível para o sucesso das atividades humanas e o cumprimento zeloso das tarefas necessárias; todavia, tal ação não é suficiente: é preciso que o ser humano esteja presente intensamente na tarefa que realiza, como salienta Almeida (2006): “Em cada momento […] não há várias coisas a fazer, mas uma só: a que ditam as nossas obrigações para esse momento”. E acrescenta:
a isso que agora nos cabe fazer — e unicamente a isso -, devemos aplicar-nos com os cinco sentidos: “estar no que fazemos” com todas as nossas capacidades e entusiasmo. Este entregar-nos às nossas tarefas de corpo e alma reconduz-nos à ordem não apenas como elemento “organizador”, mas “inspirador”: por que me ocupo nisto e não naquilo?; afinal qual é a intenção que me move a realizar este trabalho e não aquele? Por outro lado, “estar no que se faz” implica não só que se apliquem os cinco sentidos, mas que, por essa ordenação e intensidade, a pessoa atinja a verdade da sua existência, isto é, que trabalhe de tal maneira que ela própria se realize como ser humano (ALMEIDA, 2006, pp. 39–40).
Percebe-se que, para que o ser humano se mantenha inspirado e, consequentemente, motivado no ato de concentrar-se em seus ofícios, também importa-lhe identificar o sentido da realização de suas atividades, uma vez que “O segredo da existência humana não está apenas em viver, mas também em saber para que se vive.” (DOSTOIEVSKI apud L’ECUYER, 2019, p. 63).
Soluções concretas para alcançar a produtividade nos trilhos da formação sólida
Ao término das considerações acerca do confronto entre a tendência multitarefa e a capacidade limitada de concentração do ser humano, o leitor foi conduzido ao reconhecimento do caminho cujo fim é a verdadeira eficácia no trabalho: a atenção dirigida à uma só atividade por vez, com intensidade e presença no que se faz. Cabe, neste momento, a apresentação de soluções concretas para que o leitor insira na prática a eliminação — ou ao menos a diminuição — da tendência à multitarefa, e alcance o aspirado rendimento do seu tempo e dos seus empreendimentos.
Em primeiro lugar, importa capturar o sentido da realização das tarefas: qual é a intenção por trás das atividades que se executa? Onde se deseja chegar? Será mediante o estabelecimento de sentido que o ser humano se manterá motivado no cumprimento do que lhe cabe realizar — por dever ou por seleção pessoal.
Em segundo lugar, cabe definir o caminho a ser trilhado e os elementos que se constituem como prioridades para alcançar o que se procura, indo de encontro ao sentido previamente identificado. Estabelecer prioridades é uma estratégia de recapitulação do sentido das ações: uma vez que o sujeito se perde entre as execuções das suas atividades, voltar-se para as prioridades lhe possibilitará recapitular a essência das suas tarefas.
Em terceiro lugar, indica-se a utilização de um poderoso instrumento: a agenda. Almeida (2006) aponta: “Dizia São Josemaria Escrivá, com o realismo que o caracterizava, que as potências do homem não são três, mas quatro: memória, inteligência, vontade e… agenda! E bem se vê que esta última, na sua modéstia, é a que serve de fiadora das outras três, humanamente tão elevadas e nobres.”
Na agenda deverá registrar-se as tarefas — distribuídas com reverência às prioridades — a serem concretizadas no espaço do dia, da semana, ou do período que melhor atender à necessidade de cada indivíduo. Importa inserir neste objeto “o momento exato em que devemos realizá-la [a ocupação]. […] Definir o momento exato de cada coisa é poder entregar-se a ela de corpo e alma, concentrado na perfeita execução e com paz de espírito.” (ALMEIDA, 2006, p. 19). Dessa forma, foge-se da preocupação exacerbada em relação às atividades que deverão ser realizadas futuramente.
Em quarto lugar, recomenda-se o cuidado às distrações, a fim de se evitá-las. E entre as possíveis causas de distrações, chega-se à quinta solução: o uso consciente e ordenado das redes sociais. Tendo em vista a abundância de informações que tais instrumentos oferecem, os sentidos se sobrecarregam e o sujeito inclinar-se-á à superestimulação — estado alcançado quando as estimulações externas vão além da necessidade de estimulação que um ser humano necessita (L’ECUYER, 2015). Tal excesso interfere na capacidade de concentrar-se em um trabalho que exija processamento de informações e silêncio, pois quando o indivíduo se desliga da fonte de superestimulação — neste caso, das redes sociais utilizadas desenfreadamente — ele tende a entediar-se ao ritmo natural da sua realidade, dificultando-lhe no emprego da atenção.
Por fim, importa considerar como sexta solução, cuja potência apoiará as soluções já citadas, o exercício diário da virtude da ordem. A palavra “virtude” é conceituada pelo Catecismo da Igreja Católica (1999) como: “uma disposição habitual e firme para fazer o bem.”. Por sua vez, a virtude da ordem conduz o indivíduo a assumir o lugar que lhe é próprio na sua realidade, administrando os seus bens e dando a cada um o espaço e o tempo que lhes são devidos. Para evidenciar tal veracidade, Leclercq (1955, pp. 17–18 apud FAUS, 2020, p. 123). afirma que:
“No universo, cada coisa está no seu lugar; tudo se encadeia na ordem imutável das leis cósmicas. O homem também está no seu lugar, [..] Mas […] ao mesmo tempo, deve tomar a iniciativa de ocupar o seu lugar, deve assumir o seu lugar, porque é livre, ou seja, deve orientar pessoalmente a sua vida”.
Almeida (2006) destaca que o indivíduo que pratica a citada disposição: “não se escusa de um dever com outro dever; as peças de que se compõe a sua vida não se atritam, mas se encaixam umas nas outras como a perfeita engrenagem de uma máquina complexa.”. Logo, poderá aplicar-se na sua realidade a jubilosa afirmação de Escrivá (2016b): “A ordem dará harmonia à tua vida […]. A ordem proporcionará paz ao teu coração e gravidade à tua compostura”.
Gravidade à compostura: não seria essa a característica que se vê escassa na vida de muitos cidadãos atualmente? A gravidade para a compostura, pode-se dizer, é um elemento chave para a sociedade líquida transformar-se em sociedade consistente pelas vias de uma formação sólida.
Portanto, a partir da exposição das soluções apresentadas, compreende-se que a produtividade nas tarefas se encontra distante da tentativa de sobrecarregar-se de informações e muito próxima da identificação do sentido que movimenta a prática das atividades, do exercício diário de planejamento, do estabelecimento de prioridades, do esforço para evitar as distrações, do uso consciente e equilibrado das redes sociais e, como fundamento para todas as soluções, da prática habitual para adquirir a virtude da ordem. Assim, nota-se que o alcance de uma formação sólida passa pelos detalhes minuciosos do cotidiano e, ao serem somados, conduzem o indivíduo à profundidade nas suas ações ao mesmo tempo em que contribuem eficazmente para a extinção do caráter líquido da sociedade atual. Tecidas tais reflexões, o trabalho será conduzido às suas considerações finais.
Considerações Finais
Em vista dos fatos apresentados neste artigo, concluiu-se que a tendência multitarefa, ao contrário da produtividade que aspira, conduz o ser humano ao empobrecimento da atenção, por sobrecarregá-lo de informações e inibi-lo na sua capacidade de interiorizá-las, o que resulta na dificuldade em aprender solidamente. Sendo assim, verifica-se que o exercício da multitarefa fomenta o caráter líquido presente na sociedade atual, visto que esta vê-se constituída por pessoas que estão extenuadas na superficialidade que o excesso de informações produz.
Portanto, faz-se necessário o despertar dos indivíduos acerca do caminho eficaz para a produtividade, que consiste essencialmente em fazer o que deve ser feito e estar no que se faz (ESCRIVÁ, 2016a), conduzindo a atenção para a tarefa que deverá ser realizada individualmente, uma vez que esta clamar pelo processamento de informação.
Dessa maneira, entende-se que não há fórmulas mágicas para conquistar o rendimento nas demandas profissionais e estudantis, e que tal rendimento não é fruto da sobrecarga de informações gerada pela ação multitarefa. A produtividade é alcançada pelo direcionamento focado da atenção, que por sua vez é fortalecida mediante a execução de soluções concretas e minuciosas que, ao serem instaladas no cotidiano do indivíduo, o conduz à uma vida ordenada e, consequentemente, produtiva.
Referências
ALMEIDA, José Francisco de. (2006). A virtude da ordem. São Paulo: Quadrante.
ESCRIVÁ, Josemaria. (2016a). Caminho. São Paulo: Quadrante.
ESCRIVÁ, Josemaria (2016b). Forja. São Paulo: Quadrante.
FAUS, Francisco. (2020). A conquista das virtudes. São Paulo: Cultor de Livros.
L’ECUYER, Catherine. (2015). Educar na curiosidade: a criança como protagonista da sua educação. São Paulo: Fons Sapientiae.
L’ECUYER, Catherine. (2019). Educar na realidade. São Paulo: Fons. Sapientiae.
RABELLO, Helio Carlos Candeias (2017). Gestão de equipes multitarefas. MBA em Gestão Estratégica de TI, Fundação Getulio Vargas. Rio de Janeiro, Brasil.
REIS, Sérgio Luiz Viegas (2012). A sobrecarga de informações diante da atenção, interrupções e multitarefas. Dissertação de mestrado, Faculdade de Ciências Empresariais, Universidade FUMEC. Belo Horizonte, Brasil.
VATICANO. (1999). Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyola.