A grande dama da natação brasileira

Maria Lenk, a primeira mulher brasileira e sul-americana a competir nos Jogos Olímpicos

Januncio Jr.
Universidade do Esporte
5 min readMar 15, 2024

--

FOTO: Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA)

Filha de pais imigrantes alemães, Maria Emma Hulga Lenk Zigler, começou a sua história na natação ainda na infância, após sobreviver a uma pneumonia dupla quando tinha 10 anos de idade. O pai, Lui Paul Lenk, era bancário e também dava aulas de natação, no Clube de Regatas Tietê. Como professor de natação, o senhor Lenk acreditava que o esporte seria capaz de fortalecer os pulmões da sua filha, então, teve a brilhante ideia de ensiná-la a nadar.

As primeiras braçadas foram no Rio Tietê, entre as décadas 1920 e 1930, pois não era comum nadar em piscinas. A primeira competição foi em 1930, ficou em segundo lugar, a vencedora foi uma colega de natação chamada Marina Cruz. Em uma entrevista para o jornalista José Rezende, no ano de 2001, Maria Lenk relatou um pouco de como foi a experiência dessa competição:

“Em 1930, houve uma competição interestadual, da qual eu participei, entre Rio e São Paulo. Eu representando São Paulo, juntamente com uma companheira chamada Marina Cruz, contra nadadoras do Rio de Janeiro, sobretudo do Clube de Regatas Icaraí. Nós éramos iniciantes e desconhecedoras dos truques da natação.”

No ano de 1932, a jovem Maria Lenk de apenas 17 anos, embarcou em um navio rumo aos Estados Unidos, para participar dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, assim se tornando a primeira mulher sul-americana a participar de uma Olimpíada.

Essa viagem que durou cerca de 27 dias, com o total de 82 atletas da delegação. Não era a única mulher no navio, pois também havia a jovem chamada Ivone, esposa de Sylvio de Magalhães Padilha, membro da equipe de atletismo — no futuro se tornaria o primeiro brasileiro classificado para a final de uma prova olímpica de atletismo (400m com barreiras), nas Olimpíadas de 1936.

Entretanto, nem todos os atletas conseguiram desembarcar para competir nas Olimpíadas, porque era preciso pagar uma taxa de 1 dólar para desembarcar em Los Angeles.

No navio, existiam sacas de café para serem vendidas ao longo dos 27 dias e custear as despesas da viagem, porém esse dinheiro arrecadado não foi o suficiente para pagar a taxa de desembarque de todos, então, foi decidido que somente os atletas com chances de medalhas iriam desembarcar. De acordo com a jornalista Fernanda Zalcman, Lenk não estava nesse grupo, foi uma exceção e não precisou pagar a taxa.

A participação foi modesta, nas três provas que competiu não conseguiu um bom desempenho. Nos 100m livres, chegou a quarta bateria, sem se classificar para a semifinal, na prova de 100m costas desclassificação na segunda bateria e nos 200m peito chegou na terceira bateria, ficando em décimo primeiro lugar.

“Em 32, me levaram às Olimpíadas de Los Angeles. Fui a primeira mulher sul-americana a participar de jogos olímpicos. Nesse primeiro contato com o mundo feminino desportivo internacional, eu comecei a compreender e a ter interesse, também, nessa atividade. É preciso lembrar que desde daí e durante toda a minha vida ativa, havia o conceito de amadorismo, que jamais poderia permitir que se recebesse dinheiro para praticar o esporte, até mesmo a ajuda para a própria indumentária.” — Maria Lenk, em entrevista para José Rezende.

Após a Olimpíada, a senhorita Lenk retornou ao Brasil como destaque da “Travessia de São Paulo a Nado”, uma das tradicionais provas de natação realizada no Rio Tietê. Ela se torna a vencedora da competição por quatro anos seguidos (1932, 1933, 1934 e 1935).

“Ela ‘dava poeira’ em muitos competidores e acabava ganhando a prova para espanto de quase todos” — Ana Miragaya, organizadora e uma das autoras da obra “Maria Lenk: Atleta, Educadora e Cientista — A Primeira Heroína Olímpica do Brasil”.

Nas Olimpíadas de Berlim(1936), Maria Lenk não era mais a única da delegação brasileira, tinha mais cinco mulheres, entre elas Sieglinde, a sua irmã caçula. Nesses jogos, Lenk teve uma lesão no ombro, não conseguiu fazer uma boa participação e ficou na décima terceira posição nos 200m peito. Apesar disso, foi mais uma vez pioneira sendo a primeira mulher a usar o nado borboleta em uma competição — virou estilo olímpico pela Federação Internacional de Natação (FINA), em 1956.

No ano seguinte, Lenk se mudou para uma cidade do interior paulista, Amparo, se tornou professora de natação — formação em em educação física, na USP, em 1936. Ela conseguiu incentivar os esportes aquáticos convencendo alguns dirigentes do clube da cidade a reformar a piscina do local. O seu retorno as competições foi em 1938, depois de aceitar um convite da CDB para o Campeonato Sul-Americano, em Lima, no Peru.

Arquivo O Globo, 17/12/38

O melhor ano de sua carreira como atleta profissional foi em 1939, quando bateu os recordes mundiais dos 400m peito — na marca de 6’16,5” — e depois o recorde dos 200m peito — no tempo de 2’56” -, em competições realizadas no Rio de Janeiro. Inclusive, superou até o recorde mundial masculino dos 200m peito, que era na época 2’59”, segundo informações do Comitê Olímpico Brasileiro (COI).

Em 1942, disputou o seu último campeonato sul-americano, encerrando a sua carreira profissional aos 27 anos. Entretanto, 38 anos depois, resolveu retornar para as competições Masters, organizadas pela Associação Brasileira de Masters em Natação, com 65 anos de idade.

Ao todo foram 11 mundiais Masters, 54 medalhas, sendo 37 ouros e 40 recordes batidos, uma das suas melhores campanhas foi no Campeonato Mundial de Munique, em 2000, voltando da Alemanha com cinco medalhas de ouro (100m peito, 200m livre, 200m costas, 200m medley e 400m livre).

“Uma das coisas que sempre me chamou a atenção na Maria Lenk foi que ela ia envelhecendo e continuava nadando. Óbvio que tudo o que ela conquistou na carreira foi incrível e eu admiro muito, mas a paixão pela natação e essa relação saudável dela era o que mais me chamava a atenção.” — Joanna Maranhão, ex-nadadora brasileira que disputou quatro Jogos Olímpicos (2004, 2008, 2012, 2016).

Maria Lenk foi a primeira atleta brasileira a entrar no Hall da Fama da Federação Internacional de Natação (FINA), em 1988. No ano de 2002, mais uma vez foi a primeira brasileira a receber a Ordem Olímpica — a maior honraria do Comitê Olímpico Internacional.

FOTO: Marcelo Theobald/ Arquivo Jornal Extra

A senhora Lenk faleceu na manhã do dia 16 de abril de 2007, aos 92 anos, em decorrência de uma parada cardíaca enquanto estava treinando dentro da piscina, no clube do Flamengo. Em 2022, foi declarada a patrona da natação brasileira com a sanção do ex-presidente da república Jair Bolsonaro, depois do Projeto de Lei 1743/2019 passar pela Comissão de Educação (CE).

--

--

Januncio Jr.
Universidade do Esporte

Estudante de jornalismo (UFRN) e integrante do Universidade do Esporte