A guerra de 1971: Boca Juniors vs Sporting Cristal

Nada menos do que 19 expulsões, jogadores encarcerados e uma briga generalizada na Bombonera, fatores estes que colocaram uma partida na história da Libertadores negativamente.

Marcos Vinicius Ramos
Universidade do Esporte
5 min readMar 22, 2020

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Quem assistiu o primeiro Gre-Nal da história da Libertadores, testemunhou um jogo movimentado que terminou empatado em 0 a 0. No entanto, a partida teve como destaque a confusão entre colorados e tricolores por conta de ânimos aflorados na Arena do Grêmio.

O tumulto foi além das agressões verbais e chegou às vias de fato, com isso o árbitro da partida Fernando Rapalini distribuiu oito cartões vermelhos, quatro para cada lado e ambas as equipes terminaram com 8 jogadores em campo — Paulo Miranda e Praxedes foram “avermelhados” no banco de reservas, por isso não afetaram o número de atletas na partida.

Sendo assim, o clássico gaúcho entrou para história da competição continental negativamente como a segunda partida do torneio com mais expulsões.

Porém, a quantidade de cartões aplicados por Rapalini, não chega a ser nem a metade do que foi aplicado por Alejandro Otero, no confronto entre Boca Juniors e Sporting Cristal, em 1971, num confronto válido pela fase de grupos da Libertadores daquele ano.

(Foto: El Grafico / Reprodução)

Dezenove cartões vermelhos foram distribuídos ao todo na partida, em uma briga generalizada que envolveu jogadores e comissão técnica de ambas as equipes no estádio La Bombonera.

Toda a confusão começou após Rúben Suñé, meio campista do Boca, reclamar de um suposto pênalti em Roberto Rogel, não assinalado para o Xeneizes, aos 44 minutos da etapa final.

Naquele instante o placar marcava 2 a 2, os gols da partida foram marcados por Coch e Ángel Rojas para os Argentinos, enquanto Orbegoso e González balançaram as redes para os peruanos, o resultado até então desclassificava Suñé e companhia.

Na edição de 1971 da Libertadores, apenas o primeiro colocado de cada um dos seis grupos passava para a próxima fase, que era disputada em dois triangulares e dali saíam os dois finalistas da competição.

Se com a bola rolando o Boca Juniors não conseguiria os três pontos, apelar para pancadaria foi a solução encontrada pelos jogadores argentinos.

Logo depois de não concordar com a marcação — ou a falta dela — , a primeira ação de Suñé foi começar uma briga sem precedentes, descontrolado, partiu para cima do principal jogador do Sporting Cristal, Alberto Gallardo, sem qualquer motivo.

Gallardo para se defender trocou alguns chutes e socos com Rúben — nunca a terceira Lei de Newton de ação e reação fez tanto sentido — , logo depois da troca de “gentilezas” dos dois atletas, a briga alcançou outro patamar, que não se resumia apenas a um jogador de cada lado, mas sim 11 contra 10.

Exato, 11 contra 10, porque Julio Meléndez, zagueiro do Boca Juniors, não participou da briga e junto com o banco de reservas de ambos os clubes formou o comitê do “deixa disso”.

De nada adiantou, o árbitro Alejandro Otero expulsou 19 jogadores, com a exceção de Meléndez e dos dois goleiros: Omar Sánchez e Rubiños, e suspendeu a partida por conta da quantidade de jogadores que iriam ficar em campo.

Os chutes e pontapés só pararam quando a polícia interviu e levou todos os brigões para delegacia. No depoimento para o delegado, Rúben Suñé explicou o motivo da briga generalizada que ele próprio começou.

“Quando Rogel foi derrubado na área, pedimos uma penalidade e, como eles não nos deram, nós a pegamos. Então eu digo que não há explicação lógica. Lutamos contra a impotência de não conseguir vencer o jogo.” — Relatou Suñé.

Alberto Gallardo, principal alvo de Suñé na briga também depôs sobre ocorrido.

Foi um pesadelo que nunca esquecerei. Quando Suñé estava me perseguindo, pensei que não sairia daquele campo vivo. […] Eu implorei para que não, e a reação de Suñé foi me perseguir. Eu dei alguns passos para trás, tentei escapar, mas no final eu o chutei na cara. Fui imediatamente cercado por policiais, fotógrafos e outros jogadores. Eu os ouvi gritar: “Para preto … para 11, para 11!” — Explicou Gallardo.

A detenção durou pouco tempo e os jogadores foram liberados na manhã seguinte depois de prestarem depoimentos, com a exceção de Orlando De La Torre, zagueiro do Sporting Cristal, que antecipou sua ida ao Peru por conta da morte da sua mãe.

A senhora acompanhou toda a partida ao vivo pela TV e diante das cenas de agressão ficou chocada, principalmente, quando viu seu filho rodeado de jogadores Xeneizes prontos para agredi-lo. A imagem foi forte demais para a senhora, que não resistiu e sofreu um ataque cardíaco.

De La Torre somente veio saber do falecimento de sua mãe de madrugada, quando membros da comissão técnica pediram o retorno dele urgente ao Peru, em razão da morte da mãe do jogador.

Depois de toda a briga, encarceramento, hospitalização, além de traumas físicos e mentais, as punições começaram a sair e não foram abrandadas pela Conmebol e, sobretudo, pela AFA (Associação do Futebol Argentina).

A maior entidade do futebol sul-americano tratou como a primeira medida excluir o Boca Juniors da Libertadores, mesmo com dois jogos ainda a serem disputados.

Suñé, Gallardo, Rogel e os demais envolvidos na briga também sofreram punições. A Conmebol, AFA e a FPF (Federação Peruana de Futebol) tiveram acesso à fita do jogo e assistiram a toda confusão para decretar as sanções aos atletas.

A suspensão mais pesada aplicou-se a Rúben Suñé, a Conmebol destinou 6 jogos de pena ao meio campista na Libertadores, enquanto a Federação Argentina o suspendeu por 1 ano e meio dos gramados.

Rogel tomou 4 jogos de suspensão da Confederação Sul-americana e a AFA suspendeu o atacante por 1 ano e 4 meses.

Alberto Gallardo apenas sofreu punições da Conmebol, 4 jogos de gancho, pois a FPF não puniu nenhum jogador do Sporting Cristal.

As punições severas aplicadas pela AFA, no entanto, serviram apenas para colocar panos quentes no tumulto causado pelo Boca. O julgamento dos réus foi feito no dia 2 de abril de 1971, porém, apenas 20 dias depois, os atletas foram anistiados com a desculpa de que era chegado o dia do trabalhador. Também levou-se em consideração o fato da Federação Peruana de Futebol não ter aplicado nenhuma sanção aos atletas do Sporting Cristal.

Uma incoerência das duas federações, já que os dois lados tiveram culpa no incidente causado na noite de 17 de março de 1971.

Mesmo com a anistia da Federação Argentina, a Conmebol manteve as sanções que tiveram de ser cumpridas pelos jogadores de ambas as equipes.

Punições impostas pela Conmebol:

Boca Juniors

4 jogos- Ángel Rojas e Roberto Cabrera; 2 jogos- Oscar Pianetti e Rubén Palacios; 1 jogo- Armando Ovide.

Sporting Cristal

6 jogos- Elias Mellán; 4 jogos- Eloy Campos, Orlando De la Torre, González Pajuelo; 2- jogos Roberto Elías e Luiz Torres; 1- jogo Alfredo Quesada.

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Marcos Vinicius Ramos
Universidade do Esporte

Estudante de jornalismo. Aspirante a escritor. Fanático por futebol.